Eu ainda estava completamente paralisado quando ouvi os pardais cantando lá fora, indicando que a manhã de um dia útil havia chegado. Finalmente soltei a respiração, que saiu como um suspiro pesado, carregado pelos pensamentos inquietantes em minha mente.
Olhei vagamente pela janela e murmurei para mim mesmo:
— Acho que não preguei o olho...
Isso não era nada surpreendente, considerando que havia uma garota elfa dormindo na minha própria cama. Eu questionaria a sanidade de qualquer um que conseguisse voltar a dormir numa situação dessas.
Meus olhos não conseguiam evitar serem atraídos para ela. Conforme o quarto ficava mais iluminado, a presença da elfa se tornava cada vez mais impossível de ignorar. Seus cabelos brilhavam como seda, e a beleza de seus traços faciais quase a fazia parecer uma fada de verdade. Ela era ridiculamente bonita, com sua pele pálida e lábios tão vivos quanto uma flor desabrochando. Eu não conseguia parar de encará-la.
Ela era uma elfa, o que era óbvio por suas orelhas longas, e uma usuária de Magia Espiritual e Feitiçaria. O fato de que ela estava dormindo na minha cama já era um sonho por si só, ignorando o detalhe de que este, na realidade, era apenas um apartamento em Tóquio.
Mas como exatamente ela apareceu diante de mim? E o que é aquele mundo que eu achava existir apenas nos meus sonhos...?
Não encontrei respostas e soltei outro suspiro pesado.
O nome dela era Mariabelle. Eu sempre a chamava de Marie nos meus sonhos, e só recentemente nos tornamos próximos o suficiente para ela sorrir para mim. Mas na noite passada, fomos atingidos pelo sopro de um dragão ancestral enquanto eu a segurava nos braços, e acordei com ela ao meu lado, por alguma razão. Além disso, despertamos na minha cama (que, se não fosse por mais nada, ao menos era muito confortável).
Tantas perguntas...
Mas primeiro, eu precisava garantir que ela não acordasse em pânico total. Afinal, ela foi transportada do mundo que eu acreditava ser apenas um sonho diretamente para o Japão. Se eu estivesse no lugar dela, provavelmente não ficaria tão calmo diante de tantas perguntas. Na verdade, eu provavelmente estaria cheio de entusiasmo por causa dos eventos inexplicáveis... mas saber que eu teria que lhe dizer que não havia garantia de que ela poderia voltar para casa era algo difícil de engolir.
Enquanto lutava com esses pensamentos, os olhos da garota elfa se abriram lentamente.
Seus olhos límpidos, cor de ametista...
Era como testemunhar uma flor vívida desabrochando diante de mim, e eu não teria ficado surpreso se eles tivessem algum tipo de efeito encantador. Eram simplesmente lindos, e eu pude sentir meu coração disparar, apesar da minha idade. Apenas observei enquanto seus lábios brilhantes se abriam gradualmente e pronunciavam palavras em élfico.
— ...Kazu...hiho?
— H-Hey, Marie. Bela manhã, não é?
Os olhos sonolentos de Marie recuperaram o brilho, e as sobrancelhas dela se ergueram enquanto me olhava. Eu não a culpava; afinal, nos meus sonhos eu parecia ter quinze anos, mas agora, como um jovem de vinte e cinco, minha aparência era drasticamente diferente.
— Hã? Espera, você... é mesmo o Kazuhiho? Não o pai dele ou algo assim...?
— Sim, sou eu... Explico depois, mas primeiro, você está bem? Você foi atingida pelo sopro daquele dragão mais cedo...
Ela pareceu finalmente se lembrar dos acontecimentos da noite passada e jogou o cobertor para longe em um movimento aflito. Tive um mau pressentimento ao ver seu ombro descoberto, mas, de repente, tive uma visão completa da pele da elfa. Virei o rosto imediatamente, mas já era tarde.
— O-O QUEEEE?!
Foi, talvez, o grito mais histérico que já ouvi. A imagem gravada na minha mente era de uma pele branca e lisa e... Não, melhor não pensar nisso. Meu rosto ficou vermelho como um tomate, mesmo sabendo que ela era só uma garota mais jovem.
Ouvi um som que presumi ser ela puxando o cobertor de volta sobre si. Estava com medo demais para confirmar, mas tinha quase certeza de que era isso. Meu pescoço e minhas costas estavam suando profusamente, e eu quase podia sentir os olhos dela me perfurando; então, com a voz trêmula de raiva, ela falou comigo.
— V-V-Você!
— Desculpa! E-eu não sabia, e eu juro que não toquei em você, de verdade!
Ficaria muito feliz se ela apenas acreditasse na minha palavra, embora eu mesmo teria dificuldade em acreditar se acordasse nu no quarto de outra pessoa. A verdadeira questão era: quão confiável eu parecia ser?
Ela soltou um forte suspiro pelo nariz, o que tomei como um sinal de que estava considerando minhas palavras, apesar de sua raiva óbvia. Não éramos particularmente próximos, mas só podia torcer para que ela entendesse que tipo de pessoa eu era.
Depois de um longo tempo, ela finalmente suspirou.
— Talvez tenha sido graças a você... mas eu não estou machucada. Imagino que vá me explicar o que está acontecendo?
— Com certeza!
— Primeiro, traga-me algumas roupas! E nem pense em olhar!
Um travesseiro voou direto no meu rosto, e fui forçado a sair para comprar roupas femininas. Vasculhei todo o meu apartamento, mas não encontrei nada que uma garota pudesse usar, nem roupas, nem equipamentos, nem bolsas.
— Sim. Sim, senhor. Sinto muito. Com certeza irei amanhã.
Baixei a cabeça profundamente e encerrei a ligação no meu smartphone. Não pude evitar suspirar, considerando que estava cercado por pessoas de terno a caminho do trabalho, parado em frente a uma loja de roupas prestes a abrir. Eu não gostava de faltar ao trabalho sem estar doente, mas não tinha escolha. Não dava para simplesmente dizer ao meu chefe que precisava lidar com uma elfa que saiu dos meus sonhos.
Mas... o que estava feito, estava feito, então era hora de encontrar algo que servisse para ela, sem gastar muito, é claro. Eu tinha certeza de que uma garota bonita como ela ficaria bem em roupas elegantes, mas minha noção de moda não era das melhores. Eu raramente saía, muito menos comprava roupas para uma garota.
— Hmm... Acho que vou comprar algo por enquanto e depois volto com ela para escolher o resto.
Assim foi decidido.
Não fazia ideia do tamanho ou tipo de roupa íntima que ela gostaria, então peguei algo esportivo e elástico. Depois, escolhi uma saia plissada e meias altas. Peguei também uma blusa branca de mangas longas e alguns tênis que pareciam combinar bem. Queria ao menos comprar sapatos bonitos para ela, mas não sabia seu tamanho. Não que tênis fossem ruins, mas passei um tempo desnecessário me perguntando se combinariam com roupas mais formais...
Definitivamente, preciso trazê-la da próxima vez...
O motivo pelo qual eu estava resmungando sozinho era porque estava começando a perceber que, de certa forma, era divertido comprar roupas tão elegantes para mulheres. Eram todas cores vivas e primaveris, e o visual dos conjuntos mudava completamente dependendo das combinações. Era uma experiência totalmente diferente de comprar roupas masculinas, que buscavam apenas um nível suficiente de "normalidade" para não chamar atenção. Sempre achei uma pena ver a Marie apenas de túnicas, mas agora eu poderia vesti-la do jeito que eu quisesse...
Ah... Melhor eu parar por aqui...
A funcionária da loja, que estava atrás da pilastra, começou a vir na minha direção para ver se eu tinha chamado por ela. Por um momento, me perguntei se fazer compras ali me fazia parecer um entusiasta de cross-dressing, mas deixei esse pensamento de lado. Paguei rapidamente, joguei as sacolas cheias de concessões no carro e decidi ir direto para casa.
Eu dirigia um carro pequeno, estilo station wagon, que cabia quatro pessoas. Sua única vantagem era o baixo custo, mas era suficiente para rodar pela cidade.
Toquei o volante com o dedo enquanto esperava o semáforo mudar. Olhei para a sacola com as coisas que tinha acabado de comprar quando uma pergunta surgiu na minha mente:
Por que ela estava nua?
O cajado e a bolsa dela também tinham sumido, e duvidava que tivesse tido tempo de escondê-los de alguma forma.
Então percebi que eu estava na mesma situação: também não consegui trazer nenhum dos meus equipamentos ou objetos de valor de lá para cá. A única diferença era que eu já estava vestindo meu pijama antes de dormir aqui.
É... Deve ser por isso...
Se aquele lugar dos meus sonhos realmente existia, então aqui e lá eram independentes um do outro, e essa seria a primeira visita de Marie a este lado, então talvez ela tivesse sido forçada a começar do zero, até mesmo sem roupas... Talvez.
Pensando bem, será que eu também estava nu quando cheguei ao mundo dela pela primeira vez...? Por mais que tentasse, não conseguia lembrar daquela época, quando ainda era criança.
Foi aí que percebi que estava começando a aceitar a situação bizarra em que me encontrava. Sempre pensei que um sonho fosse apenas algo imaginário, e os acontecimentos dessa manhã tinham me deixado com a cabeça girando, mas estava na hora de mudar minha forma de pensar. Agora que tinha visto tudo com meus próprios olhos, não tinha escolha a não ser aceitar a realidade...
Sim, havia uma elfa no meu quarto. Ninguém acreditaria nisso, mas pelo menos eu precisava acreditar. Marie era real, e eu segurei sua mão e a trouxe para a minha cama. Como a abracei nos meus últimos momentos de vida, era bem provável que minha habilidade de "acordar no Japão ao morrer" também tivesse afetado ela. Mas... o que aconteceria se ela morresse neste mundo? Talvez ela voltasse para o mundo dela, assim como eu voltava... Mas eu definitivamente não queria descobrir desse jeito.
O sinal ficou verde, e parei com as especulações que não me levariam a lugar nenhum. Pisei no pedal, e o carro começou a acelerar devagar.
Abri a porta segurando as sacolas de compras e encontrei Marie parada em frente à janela. Ela estava enrolada em cobertores e, como estava de costas para mim, não dava para ver sua expressão.
Eu morava em um apartamento 1DK de cerca de dezenove metros quadrados, projetado para uma pessoa. Logo na entrada, à direita, ficava a cozinha, com uma mesa e uma cadeira em frente. À esquerda, ficava o quarto, separado da área de jantar por um armário baixo. Por isso, assim que entrei, pude ver Marie parada ao lado da cama.
Sua franja tremulava com o vento que entrava pela janela ligeiramente aberta, e lá estava eu, sem palavras diante da visão de uma elfa no meio de um cenário urbano. A cena era tão mítica que me fez questionar se eu ainda estava no Japão.
Soltei um suspiro profundo e finalmente chamei por ela:
— Eu che...
— Kazuhiho, onde exatamente estamos? — Sua voz suave perguntou.
Então era isso. Ela estava ali apenas admirando a vista. Era completamente diferente do mundo dela, então devia estar em choque total.
— Eu entendo como você se sente. Quando fui para o seu mundo pela primeira vez, eu...
— Você deve ser muito rico para viver em um prédio tão alto! Isso é incrível, Kazuhiho! Nunca vi uma cidade tão avançada antes! Ahh, olhar para baixo me dá até vertigem!
Ah, certo. Eu também fiquei completamente empolgado quando fui ao mundo dela pela primeira vez, como se estivesse em um parque de diversões. Sempre me animava daquele jeito sempre que voltava para lá. Dizem que os semelhantes se atraem, então talvez tivéssemos nos aproximado tanto porque tínhamos personalidades parecidas. Ela era muito curiosa e inquisitiva, assim como eu, e ambos ficávamos totalmente imersos em coisas que nos interessavam.
Eu estava ali refletindo sobre tudo isso quando Marie apontou para algo do lado de fora. Ela tocou o vidro da janela com o dedo e então se virou para mim com olhos cheios de curiosidade.
— O que é aquela torre ali? É a moradia de algum arquimago renomado?
— Torre? Ah, a Tokyo Sky Tree. Tirei o dia de folga, então quer ir lá dar uma olhada? Agora é época de floração das cerejeiras, acho que você vai gostar da paisagem.
Eu nunca a tinha visto sorrir tão brilhantemente. Não esperava que ela se interessasse por esse tipo de turismo. Mas, para ser sincero, só fiquei aliviado por ela não estar desanimada com a situação.
— Então, é melhor eu aproveitar bem meu dia de folga e te mostrar o meu mundo. Primeiro, vista essas roupas e...
— Ah! Ah! Estou tão animada! Vamos nos divertir muito juntos, Kazuhiho!
Se ela pulasse em mim desse jeito... E lá se foi o cobertor... Sua pele macia e perfeitamente desenhada ficou bem à minha vista, e Marie imediatamente cobriu meus olhos com um tapa! Eu realmente não devia ter olhado se era esse o único resultado...
De qualquer forma, não poderíamos sair sem vesti-la primeiro. Afastei Marie da cama e espalhei as roupas sobre ela. No mundo dela, ela sempre usava aquelas túnicas pesadas e abafadas, mas me disseram que os magos mudavam a cor das vestes de acordo com sua patente. O azul-marinho era o mais alto de todos, então a maioria das roupas que escolhi para ela seguiam esse tom.
A saia plissada que terminava acima dos joelhos, combinada com as meias até as coxas, faziam com que ela parecesse uma colegial.
E, claro, eu fiquei boquiaberto quando a vi saindo do quarto, totalmente vestida.
— É tão leve, elástica e fácil de se mover! Nunca vi um tecido com uma trama tão fina antes! Tem certeza de que posso usar isso? Deve ter sido caro...
Mesmo enquanto marchava animada no lugar sobre o piso, ela parecia preocupada com o fato de eu ter gastado dinheiro para ela. Seus dedos se mexiam inquietos enquanto me olhava com um ar de desculpa. Honestamente, eu estava tão feliz por ela ter gostado que nem me importava com o preço.
— Agora que vejo você usando, tenho certeza de que foi uma boa compra. Você sempre foi tão bonita, mas essas roupas realmente combinam com você. Estou surpreso com o quanto você ficou incrível.
Marie pareceu um pouco surpresa também, mas logo fez uma expressão primorosa, como se dissesse "continue...".
Quando segurou as bordas da saia e fez uma pose fofa, um leve sorriso escapou do meu rosto. Seus lábios bem definidos se curvaram em resposta, revelando dentes brancos e impecáveis.
— Sua idade pode ser diferente, mas fico aliviada em ver que você definitivamente é o Kazuhiho. Então, este é o tal "Japão" que você mencionou antes?
Fiquei aliviado por ela ter acreditado em mim. A elfa era quase uma cabeça mais baixa que eu, então me inclinei um pouco para falar com ela.
— Isso mesmo. Por isso ele nunca aparecia nos seus mapas, e também porque eu não podia te mostrar nada antes. Mas, por algum motivo, parece que hoje eu posso. Então, quero aproveitar essa chance para te explicar tudo enquanto você conhece o meu lar.
Com isso, balancei minhas chaves diante dela: a chave do meu quarto e a do meu carro. Ao vê-las, os olhos da garota brilharam ainda mais. Parecia que ela estava prestes a entrar no mundo de um conto de fadas.
— O clima está ótimo hoje, então que tal sairmos para comer? Que tipo de comida você gosta, Marie?
— Algo que não tenha um cheiro muito forte. Comida fresca seria ótimo, mas não vou exigir muito. Vou deixar a escolha com você. Ah, e preciso que me explique exatamente como vim parar aqui.
Ela parecia incrivelmente curiosa, acompanhando-me com passos leves. Foi então que lembrei de algo importante, bem quando alcancei a porta...
— Ah, quase esqueci... Elfos não existem nesse mundo. Poderia usar este boné para evitar que as pessoas surtassem?
— Mas que tricô maravilhoso. Sabe, acho que seu gosto para roupas não é tão ruim quanto você pensa.
Hã... talvez ela estivesse certa. Eu sempre fui um cara mais caseiro e tinha certeza de que não era bom escolhendo roupas, mas ia aceitar isso como um elogio.
Observei enquanto ela colocava o boné e escondia suas orelhas, então abri a porta da frente. O sol da manhã estava tão suave e reconfortante, mas meu coração, por outro lado, batia acelerado. A empolgação da garota atrás de mim parecia estar me contagiando. Não havia nada como a sensação de maravilhamento ao ver um novo mundo pela primeira vez.
E assim, eu estava prestes a sair em um encontro com uma garota pela primeira vez na minha vida. E não só isso... Provavelmente, esse era o primeiro encontro da história da humanidade com uma elfa.
Porém, parecia que havia vários obstáculos antes de conseguirmos comer. Assim que saímos do condomínio, Marie viu a calçada de asfalto e parou. Abaixou-se, passando os dedos sobre a superfície, tentando entender o que era. Sempre que algo chamava sua atenção—fosse um semáforo verde ou um carro no estacionamento—ela parava para observar.
O momento mais problemático, no entanto, foi quando ela se recusou a entrar no carro antes que eu explicasse como ele funcionava. Ela simplesmente não quis se mover até que eu abrisse o capô e explicasse as funções de cada peça ali dentro. Quando finalmente a guiei até o banco do passageiro e sentei ao volante, já tinham se passado trinta minutos desde que saímos de casa. Para alguém do mundo moderno, isso parecia uma perda de tempo, então perguntei a ela sobre isso. Marie me olhou como se eu tivesse perguntado se o céu era azul.
— Ora, como eu poderia me tornar uma feiticeira melhor se não tentasse entender coisas difíceis? Tudo tem um fluxo. Pelo menos para mim, achei isso estimulante e interessante.
Ah, então era isso...
Murmurei para que ela ficasse quieta e prendi o cinto de segurança para ela. Marie começou a puxá-lo, reclamando que ele não a prendia completamente no lugar. Parecia estar bem ocupada com toda essa inquietação. O cinto serviria no caso de uma freada brusca, mas havia coisas no mundo que não se podia evitar só por entendê-las.
Liguei o motor e ouvi uma respiração curta e afiada ao meu lado. Sempre priorizei a segurança ao dirigir. Tanto que, certa vez, um conhecido reclamou que minha direção era tão suave que o fez sentir sono. Mas o carro nem tinha se movido ainda, e não havia muito que eu pudesse fazer antes de começar a dirigir. Ao que parecia, uma elfa criada na floresta não conseguia evitar se assustar com o rugido de um motor.
Preocupado, me virei para ela.
— Ei, quer ir a pé? Podemos comer em outro lugar. Só que tem um restaurante que eu recomendo para essa época do ano, mas é um pouco longe.
— Não, estou bem... É um pouco assustador, mas quero ver como isso se move. Kazuhiho, você se importaria se eu segurasse sua mão?
Fiquei um pouco surpreso com o pedido dela. Não me lembrava da última vez que segurei a mão de uma garota, e sempre senti que havia uma certa distância entre mim e Marie como amigos. Mas, no fundo, fiquei feliz por ver que ela confiava em mim. Felizmente, eu dirigia um carro automático, então respondi:
— Claro que não.
Ela segurou meu pulso.
Ela parecia nervosa, pois pude sentir o suor e o calor de sua pele. Mas aos poucos foi se acalmando, então a tranquilizei, dizendo que tudo ficaria bem, e lentamente tirei o pé do freio.
— Vamos lá, então. Acho que vou levar a gente para um restaurante japonês.
— Ah! E-Ele está se movendo! Uwaa, eu consigo ver tudo lá fora! Isso é tão assustador!
Ela agarrou meu braço com surpresa e medo, mesmo com o carro se movendo bem devagar. A maneira como sua cabeça se virava para observar tudo a fazia parecer um esquilinho curioso. Mas experiências vividas em primeira mão costumam ser absorvidas com rapidez e nunca são esquecidas. Do mesmo jeito que dizem que jogadores profissionais de futebol podem perder vitalidade com o tempo, mas ainda mantêm suas habilidades técnicas.
À medida que continuamos dirigindo, aos poucos a força com que Marie segurava meu braço foi diminuindo.
— Uau, o chão é todo feito de pedra. Duvido que tenham esculpido tudo, então devem ter sido colocadas umas sobre as outras...
Ela murmurou para si mesma enquanto analisava o ambiente, assim como havia feito antes. Parecia que entender o funcionamento das estradas, calçadas e semáforos a ajudava a reduzir seu medo.
De qualquer forma, não pude deixar de pensar em como o dia estava pacífico. O calor do sol realmente dava a sensação de primavera, e uma mulher passeava com seu cachorro pela calçada. Os olhos roxos da elfa os seguiram e, quando o cão marrom desapareceu de vista, sua mão já havia me soltado. Ambas as mãos estavam pressionadas contra o vidro, e ela murmurou como se falasse consigo mesma.
— O Japão realmente é um lugar pacífico. Não só não há monstros por aqui, como todo mundo parece levar uma vida estável também...
— É um país tranquilo, na maior parte do tempo. Os japoneses costumam admirar culturas de outros países, mas, como somos uma nação insular, as pessoas de fora acabam invejando a nossa cultura também.
Pensei que talvez fosse um erro sair dirigindo hoje, mas no fim pareceu valer a pena. Vendo-a se acalmar aos poucos, percebi que era uma boa oportunidade para descrever o que acontecia ao nosso redor. Quando chegamos ao restaurante, ela já estava bem mais acostumada ao carro, mas ainda assim soltou um pequeno grito quando um bip eletrônico soou ao fechar a porta.
Chegamos a um restaurante de estilo japonês, embora, infelizmente, fosse uma rede de franquias. Queria levá-la a um lugar mais sofisticado, já que era sua primeira vez, mas, infelizmente, eu não tinha esse tipo de dinheiro.
O único motivo pelo qual eu tinha um apartamento era meu estranho hobby de dormir, então priorizava acima de tudo o conforto do meu lar. Por isso, tinha uma cama de alta qualidade e um bom sistema de ar-condicionado.
De qualquer forma, abaixamos o noren e deslizamos a porta para abrir. Uma garçonete veio nos receber imediatamente. Como esperado, vestia trajes tradicionais japoneses, e Marie olhou ao redor com grande interesse, observando o interior impecavelmente limpo.
— Coloque seus sapatos nesse armário. Podemos deixá-los um ao lado do outro.
— Ah, certo... Mas ninguém vai roubá-los? Eles são muito confortáveis, sabe? Estou preocupada em simplesmente deixá-los aqui... Ah, essa tábua de madeira é a chave...? Não sei se confio nisso...
Parece que ela realmente gostou dos tênis que lhe dei. Marie não era do tipo que se abalava facilmente, mas foi divertido vê-la perguntando várias vezes, preocupada, se os sapatos não seriam roubados. Não tive coragem de dizer que eles, na verdade, eram bem baratos...
Falando nisso, percebi que estava conversando com Marie em élfico o tempo todo. Preocupado com a reação da garçonete, me virei para encará-la novamente. Como esperado, ela estava paralisada, sem saber o que fazer. Mas sua expressão era completamente diferente do que eu imaginava. Ela estava ali, parada, com uma expressão sonhadora, claramente hipnotizada pela beleza de Marie. Nada surpreendente, já que provavelmente achava que ela era uma fada ou algo assim. Afinal, Marie tinha até olhos roxos.
— Hm, mesa para dois, por favor. Esta é minha adorável sobrinha, que veio do exterior. Espero que possam mostrar a ela um pouco da hospitalidade japonesa.
— S-Sim, claro!
O rosto dela se iluminou e respondeu animadamente. Ela parecia bem empolgada. Isso só mostrava como pessoas bonitas realmente tinham a vida mais fácil.
A garçonete nos guiou até nossa mesa, que ficava bem ao lado da janela. Como eu esperava, dali podíamos ver as flores de cerejeira. Marie ficou tão encantada com a paisagem que se esqueceu de se sentar. Mesmo sendo um restaurante de rede, durante a primavera o lugar se transformava completamente. As cerejeiras pareciam monopolizar toda a luz do sol para si mesmas, e a vista inteira era preenchida por um rosa vibrante. As árvores haviam florescido lindamente mais uma vez.
Eu me sentei e também admirei a paisagem. Talvez por já termos passado da hora do almoço, era um luxo ter aquela vista só para nós. Agradeci à minha empresa por me permitir tirar o dia de folga e peguei o cardápio.
— Vou pedir por nós, Marie. Vamos ver... Tempurá, sashimi... Ah, não podemos esquecer o chawanmushi. E um prato que você recomendar, por favor. Ah, e um garfo.
— Muito obrigada. Aproveitem a refeição!
A garçonete nos deu um sorriso radiante. Marie não entendeu o que ela disse, mas inclinou a cabeça em um leve aceno, com os olhos arregalados. Só então ela finalmente se sentou na cadeira à minha frente. Observou a mesa de madeira robusta e o assento afundado do kotatsu antes de me encarar diretamente.
— O que aquela moça disse para mim agora há pouco?
— Ela disse "Aproveitem a refeição". Pareceu muito encantada com a sua fofura.
— Aí vem você de novo, dizendo essas coisas com essa cara de sono... Mas me surpreende como ninguém aqui parece estar em alerta, nem os funcionários, nem as pessoas na cidade. Parece que não se preocupam com nada...
Ela voltou seu olhar para as cerejeiras mais uma vez. Fiquei imaginando como aquelas flores rosadas deviam parecer aos olhos de uma elfa. Pelo olhar cativado que ela exibia, talvez não fôssemos tão diferentes assim.
— Isso porque não há monstros neste mundo. Também acho que esse lugar é tão tranquilo porque é um dos países insulares mais amigáveis do mundo. Já que você está aqui agora, aproveite ao máximo esse mundo, Marie.
Marie hesitou por um instante, como se ponderasse se deveria aceitar meu gesto de gentileza. Mas era um dia tão bonito, e estávamos na época mais bela do ano... Sorri para mostrar que estava tudo bem, e ela finalmente assentiu.
— Então, aceitarei sua oferta. Considero você um dos poucos humanos em quem posso confiar.
— Mas sabia que o mundo não tem tantas pessoas ruins quanto você pensa? Talvez você esteja sendo um pouco cautelosa demais, Marie.
Ela me lançou um olhar que gritava o quão ingênuo eu parecia. Mas, quando vinha de uma garota fofa como ela, até ser menosprezado tinha seu lado bom. Não que eu fosse algum tipo de pervertido, mas era como se... Se fosse para ser repreendido, que fosse por uma garota bonita.
Marie parecia curiosa com os kanji no cardápio e começou a me fazer perguntas enquanto analisava os caracteres.
— Agora, pode me explicar uma coisa? Onde exatamente estamos e por que estou no Japão? Não entendo nenhuma das línguas daqui e não me lembro de nada depois de ter sido atacada pelo arkdragon. E por que você parece ter crescido de repente?
Achei que era hora de colocá-la a par da situação. Embora, para ser honesto, eu mesmo não entendesse muito bem o que estava acontecendo. Avisei que parte do que ia dizer era apenas conjectura e então comecei a explicar:
— Vamos começar por este país: Japão. Tenho quase certeza de que você não o encontraria em nenhum mapa do seu mundo. É um pequeno país insular, mas tem uma história dramática que fica ainda mais interessante quando você se aprofunda nela.
Ela ouviu minhas palavras com uma expressão difícil de decifrar, o que tornava impossível dizer se estava interessada ou não. O problema agora era explicar o resto de suas perguntas. Eu não tinha certeza de que conseguiria esclarecer tudo de um jeito que a satisfizesse.
— Sabe quando você dorme e tem sonhos? Já sonhou com um lugar onde nunca esteve antes?
— ...Sim, mas o que tem isso?
— Do meu ponto de vista, sempre que passamos tempo juntos, tudo acontecia dentro dos meus sonhos. Mas desta vez, eu acordei com você aqui. Sempre achei que era apenas um sonho, mas hoje de manhã percebi que ambos os mundos são reais.
Seus olhos redondos encontraram os meus. O motivo de seus dedos ainda estarem brincando com o cardápio devia ser sua mente inquieta. Dizem que o cérebro e as pontas dos dedos estão conectados, afinal.
— Sempre que eu morria ou dormia no seu mundo, acordava neste. Talvez seja por isso que você acabou vindo para cá comigo desta vez. Sempre viajei sozinho, mas foi a primeira vez que morri junto com alguém.
— Você quer dizer que... eu morri?
Sua expressão ficou incerta, provavelmente por eu ter usado conceitos abstratos como sonhos e realidade. Mas, neste momento, nem eu tinha certeza do que era o quê, então era mais seguro considerar ambos como reais.
— Pelo que entendi, você não está realmente morta, Marie. Acho que se você dormir neste mundo, poderá voltar para o seu. Teremos que esperar para ver quando a noite chegar.
Marie fez um som indecifrável enquanto apoiava o queixo na mão. A maioria dos elfos não acreditava em vida após a morte, pois era um fato conhecido que, ao contrário dos humanos, os elfos se dissolviam no Mundo Espiritual após a morte. Por isso, teria sido mais fácil para ela entender se eu explicasse que os dois mundos eram “realidade”.
— Quanto à sua última pergunta sobre minha idade, acho que o tempo flui de forma diferente entre o Japão e o mundo dos sonhos. Ou talvez eu só estivesse envelhecendo enquanto sonhava naquele mundo. De qualquer forma, não há como saber com certeza neste momento.
— Hmm, se o que você disse até agora for verdade, acho que a segunda hipótese é a mais provável. Sempre me perguntei sobre isso, mas parecia que você envelhecia mais devagar do que os outros humanos. Então, Kazuhiho, quantos anos você tem agora?
Disse que tinha vinte e cinco anos, e seus olhos se arregalaram. Pelo visto, ela achava que eu parecia mais jovem.
— É difícil dizer a idade dos humanos. Na sua idade, não é incomum ter uma barba cheia e vários filhos. Mas devo admitir que você parece mais confiável e atraente assim.
— Ah... obrigado... Enfim, sinto muito, mas por enquanto só posso oferecer suposições. Para ser sincero, eu mesmo ainda estou surpreso com tudo isso.
Não só meu sonho havia se tornado realidade, como parte dele apareceu no meu mundo. Provavelmente não existia uma única pessoa no mundo que pudesse explicar tudo isso por completo. Felizmente, parecia que Marie entendia isso até certo ponto. Eu só podia formular hipóteses a partir dos resultados, mas isso já parecia suficiente para estimular sua mente afiada.
Decidimos organizar melhor nossas ideias mais tarde e discutir tudo novamente à noite.
Enquanto continuávamos conversando, a comida finalmente chegou. Como eu havia terminado de contar tudo o que sabia para Marie, aproveitaria essa oportunidade para apresentá-la à culinária japonesa, como sashimi, tempurá e missoshiru.
— Oh, até as tigelas são bonitas! Nenhuma está lascada... Ah, hum, obrigada.
— Marie está agradecendo — traduzi para a garçonete. — E ela ficou feliz em ver como as tigelas são bonitas e limpas.
A garçonete sorriu satisfeita, fez uma reverência e nos deixou para comer. O sashimi, o tempurá e os outros pratos da estação estavam tão coloridos e apetitosos.
Agora, era só impressão minha ou as pessoas gostavam mais de receber elogios de estrangeiros do que de outros japoneses? Eu entendia a reação da garçonete, ao ver o rosto de Marie iluminar-se daquele jeito. Seu sorriso era como uma flor desabrochando, e havia algo encantador nele que aquecia o coração.
— Certo, vamos comer. Se for difícil usar os hashis, sinta-se à vontade para usar um garfo.
— Não recuso a oferta. Agora vejamos...
Ela desistiu dos hashis assim que me viu pegá-los. Escolheu um tempurá de camarão primeiro e colocou um pouco de molho antes de dar uma mordida, como eu havia sugerido. Seus olhos se arregalaram enquanto mastigava, e seu sorriso cresceu.
— Hmm, tão doce! A cada mordida, um aroma maravilhoso se espalha! Oh! É para comer com esse molho marrom?
O takikomi gohan tinha ingredientes da estação, e ela também achou o sabor doce e delicioso. A textura crocante do tempurá, o arroz macio e os outros pratos de sabores variados faziam com que ela arregalasse os olhos a cada mordida.
— Nossa, tem tanta comida, mas eu poderia continuar comendo sem parar! Não tem muita carne, mas é tudo tão delicioso. Só terei que evitar o peixe. Simplesmente não consigo comer cru.
— Experimenta, é muito bom. Na verdade, o peixe é o prato principal dessa refeição.
Ela me lançou um olhar de óbvia desconfiança. Algumas pessoas simplesmente não conseguiam comer peixe cru, então decidi não insistir. Até mesmo alguns japoneses não conseguiam, incluindo minha mãe.
Ainda assim, parecia que ela tinha um pouco de curiosidade. Cuidadosamente, espetou um pedaço de sashimi vermelho com o garfo, mergulhou no shoyu e o colocou na boca com uma expressão relutante. Após alguns segundos mastigando, seu rosto se desfez em um sorriso.
— Hmm, tão doce! O peixe do meu mundo não tem esse gosto. Como pode ser tão bom aqui?
— Misturar ingredientes e cozinhá-los juntos pode realmente realçar os sabores de cada prato, mas neste caso, acho que é o sabor do próprio ingrediente. Se você conseguir comer peixe, deveríamos ir comer sushi algum dia. É um prato representativo da culinária deste país, e tenho certeza de que você vai gostar.
— Ooh, eu quero experimentar! Promete que vai me levar, Kazuhiho?
Eu nunca tinha visto a Marie sorrir tão alegremente antes. Era raro vê-la assim no outro mundo, mas admito que isso tornava tudo ainda mais especial.
Comemos nosso chawanmushi e sopa de missô enquanto apreciávamos a vista das cerejeiras do lado de fora. Com os estômagos cheios e o calor agradável da primavera nos deixando sonolentos, a sensação era de puro luxo. Marie parecia concordar.
— Nós só estávamos comendo, mas parecia um evento especial. Diga-me, essas flores tão belas estão sempre assim?
— Não, só uma vez por ano. Você só pode vê-las florescer nessa época. Que tal mudarmos nossos planos e aproveitarmos a paisagem? O parque fica realmente lindo nessa estação, com milhares de cerejeiras. Se estiver interessada...
Eu nem precisei perguntar. O rosto da Marie transbordava entusiasmo, e suas mãos ansiosas seguraram as minhas sobre a mesa. Parecia uma criança empolgada para ir a um parque de diversões.
E assim, a levei pela mão até o balcão para pagar a refeição. Enquanto a atendente nos guiava até a saída, Marie puxou a manga da minha camisa.
— Hm, como se expressa gratidão no seu idioma? Quero agradecer por uma refeição tão suntuosa.
— Ah, um simples "obrigado" deve bastar.
Ela repetiu as palavras para si mesma algumas vezes antes de soltar um hesitante — Tank, yoo.
A atendente sorriu calorosamente, e eu também agradeci mentalmente por sua hospitalidade japonesa. Embora, claro, Marie fosse uma elfa e não uma estrangeira comum... Mas, pensando bem, isso ainda fazia dela uma estrangeira no Japão.
Talvez o Japão seja mesmo um lugar imparcial nesse sentido...
+ + + + + + + + + +
Era meio da semana quando cheguei ao parque de Ueno com uma elfa encantada pelas cerejeiras. Poderíamos ter ido até a margem de um rio, mas já que estávamos nisso, melhor aproveitar uma visão completa.
Ao sair do estacionamento, nos vimos cercados por cerejeiras, e Marie começou a andar de um lado para o outro assim que saiu do carro. Fechei a porta do passageiro e fui atrás dela.
As fileiras de cerejeiras eram tão impressionantes quanto diziam, preenchendo toda a visão com seu esplendor. Mesmo para os próprios japoneses, era raro ver tantas juntas. Pareciam querer tocar o céu azul límpido. Crianças corriam alegres sob a luz quente do sol.
— Ah, o clima está perfeito. Acho que viemos na melhor hora possível.
Chamei Marie enquanto ela se aproximava, mas ela parecia distraída. Fiquei parado, esperando uma resposta, até que ela, de repente, segurou meu braço. Ocultei minha surpresa e esperei que ela falasse.
— Então essas são as cerejeiras? Elas são incríveis... Há tantos espíritos que nunca vi antes, estou até tonta.
Eu quase tinha esquecido que ela era uma Usuária de Espíritos. Já tinha ouvido falar que havia espíritos das cerejeiras, e talvez ela estivesse semicerrando os olhos porque via algo que humanos não podiam enxergar. Segui seu olhar até uma pétala que flutuava sob a luz filtrada pelas folhas, e meus pensamentos se voltaram para o perfume doce e suave.
— As cerejeiras são especiais no Japão, e todos aproveitam essa época do ano. Você apareceu nos meus sonhos por acaso, mas espero que curta ao máximo nossa melhor estação. E, também, seja bem-vinda ao Japão, Srta. Elfa.
Eu queria provocar alguma reação, mas ela apenas me encarou antes de abrir um sorriso. Nossos passos ficaram mais leves e começamos a caminhar calmamente entre as cerejeiras. Elas eram realmente lindas.
Os troncos escuros criavam um contraste perfeito para o rosa vibrante das flores. As lanternas decorativas adicionavam um toque festivo (ou talvez toda a animação viesse da companhia ao meu lado). Se estivesse sozinho, a cena teria uma atmosfera bem diferente.
— Nunca vi flores tão belas. Ainda é um pouco assustador, como se eu estivesse sonhando.
Ela disse isso em um sussurro, explicando que, por esse motivo, queria continuar segurando meu braço. E eu, claro, não tinha motivo para recusar.
O dia estava quente para a estação, e parecia que tudo estava florescendo ao máximo. Talvez tivéssemos tido sorte por causa dela.
— Sabe, eu não teria visto tudo isso se não tivesse tirado o dia de folga. Não sei dizer se o Japão é um país ordeiro ou não, mas com certeza é um lugar bonito.
Ela assentiu. Ainda não sabia muito sobre o país, mas compartilhava meu apreço por sua beleza. No fim das contas, talvez nem eu conhecesse tão bem o Japão. Assim como fiquei surpreso com essa paisagem, antes só a tinha visto na TV, em revistas ou na minha imaginação. Mas, ao andar por aqui com ela hoje, senti que finalmente estava vendo de verdade.
Marie parecia aproveitar tanto quanto eu, elogiando a beleza do lugar diversas vezes. Ela até soltou um grito animado ao ver a icônica Pagoda de Cinco Andares ao leste, seu intrincado design de madeira se destacando entre as cerejeiras. Caminhamos até o entardecer, e quando o aroma das barracas de comida despertou nossa fome, já tínhamos aproveitado ao máximo o calor da primavera.
— Você deve estar cansada de tanto andar. Que tal sentarmos naquele banco?
Compramos um lanche em uma das barracas e nos sentamos em um banco recém-desocupado, apreciando a vista das pétalas que caíam suavemente. O jeito como flutuavam pelo ar era quase onírico, e os pedaços de milho assado com molho de soja só nos deixavam mais sonolentos.
Eventualmente, Marie ficou muito quieta. Quando olhei para o lado, vi que ela havia adormecido. Ela esteve animada o dia inteiro, então devia estar exausta de tanta empolgação. Seu corpo pendeu para o lado e ela encostou a cabeça no meu ombro, respirando suavemente. Parecia mais confortável agora do que quando a encontrei no meu quarto. Ver isso me deixou feliz, e não pude evitar murmurar:
— Descanse bem. Se todos os dias fossem assim, acho que eu gostaria mais de sair.
Talvez meu lado covarde fosse o motivo de eu não gostar tanto de sair. Não era a cidade em si, mas os olhares dos desconhecidos me deixava desconfortável. Sempre precisava me esforçar para agir naturalmente em público. O mundo dos sonhos era melhor, sem julgamentos. Mas, por algum motivo, agora eu só sentia paz.
Com o calor dela ao meu lado, fiquei ali, distraído, observando as cerejeiras em silêncio.
O sol já havia se posto há um bom tempo quando ela acordou. Eu a cobri com minha jaqueta, mas talvez ela tenha sentido frio agora que o calor do sol se foi.
A elfa, que estava encostada em mim, abriu lentamente seus olhos místicos e violetas e, em seguida, olhou fascinada para a paisagem noturna das cerejeiras.
— Uau...
Era nesse momento que as lanternas realmente brilhavam. Elas iluminavam os caminhos com um ar quase mágico, preenchendo a área com uma luz em tons de pêssego.
Fiquei imaginando como as pétalas caindo apareciam aos olhos da elfa. Ela observava encantada, com um brilho nos olhos e a boca levemente entreaberta. Parecia incapaz de desviar o olhar daquela visão fantástica, suspirando suavemente com a cabeça ainda apoiada no meu ombro.
— Eu poderia ficar admirando isso para sempre... Será que meu mundo teria sido tão bonito assim se não houvesse monstros?
— Quem sabe? A paisagem muda de país para país. Além disso, se não houvesse monstros, talvez houvesse conflitos entre as pessoas. Até este país já foi derrotado por um maior no passado.
A conquista era como uma droga viciante: uma vez que se provava o sabor de saquear as riquezas de outros países, isso acabava se tornando normal. Nesse sentido, o mundo de Marie estava em um equilíbrio precário.
Enquanto eu refletia sobre esses pensamentos nada adequados ao momento, ela sussurrou uma pergunta no meu ouvido.
— Kazuhiho, o que vai acontecer se eu não conseguir voltar para casa?
— Estava pensando nisso enquanto você descansava. Se não puder voltar, talvez possa morar comigo e visitar vários lugares. Este país é cheio de comida e cultura, como fontes termais e castelos. O que acha disso?
Eu disse isso sem pensar muito, mas ela pareceu interpretar de outra forma. Suas bochechas foram ficando cada vez mais vermelhas, e demorei a perceber que ela havia puxado o chapéu para cobrir ainda mais o rosto.
— Isso soa divertido — disse ela, ainda encostada no meu ombro. — Eu não me importaria.
Senti uma sensação estranhamente reconfortante e voltei meu olhar para as cerejeiras enquanto a elfa e eu compartilhávamos o calor de nossos corpos.
Por algum motivo, a paisagem parecia diferente quando eu estava com ela. Talvez fosse só coisa da minha cabeça, mas tudo parecia muito mais tranquilo e relaxante.
Já estava escuro, então voltamos para casa. Assim que chegamos ao meu quarto, Marie tirou o chapéu e balançou suas longas orelhas. Ela tinha uma expressão alegre e libertadora enquanto se espreguiçava. Em seguida, começou a andar descalça pelo cômodo.
Ela entendia que suas orelhas chamariam muita atenção, então fiquei grato por ela estar disposta a cooperar nesse ponto. Mas, mesmo escondendo as orelhas, o fato de não parecer remotamente japonesa já fazia com que ela atraísse olhares.
— Agora só precisamos descobrir se você consegue voltar para o seu mundo. Mas, antes disso, quer tomar um banho? Imagino que toda essa caminhada tenha sido cansativa, então acho que seria bem revigorante.
— Oh? Você até tem um banho dentro do seu quarto?
Ela me seguiu até o banheiro, os olhos arregalados de curiosidade. Liguei o chuveiro, e ela observou maravilhada enquanto a banheira começava a se encher de água.
Mas, por outro lado, eu estava me sentindo um pouco solitário. Se ela conseguisse voltar, provavelmente não teríamos mais momentos como esse.
— Marie, se você voltar... acha que será definitivo?
— Hã...? Ah, por que tem água quente saindo dali? Espera, eu vi você apertar aquele botão... Não me diga... Você finalmente aprendeu a lançar feitiços sem encantamento?
— Não, nada disso. A água quente sai quando você aperta este botão. Então, lave o cabelo e o corpo aqui, depois relaxe na banheira pelo tempo que quiser. Mas, voltando ao que eu estava dizendo, quando você voltar...
— Meu Deus, isso é luxo demais! Eu nem sou da nobreza, e ainda assim posso tomar banho sempre que quiser? Tem certeza de que isso está certo? Espero que isso não me transforme em uma elfa depravada por me entregar a tantas regalias...
Ah, ela não está ouvindo...
Subestimei sua reação à banheira, e agora não era o momento certo para falar sobre sua partida. Ela estava olhando para a banheira com um entusiasmo juvenil, e eu sabia que não conseguiria chamar sua atenção. Era exatamente por isso que eu era "Kazuhiho."
Por enquanto, deixei que ela escolhesse um aromatizante para o banho e a deixei se lavar. Claro, não havia nada de "fan service" aqui, mas eu era livre para imaginar o que quisesse.
Depois de um tempo, comecei a ouvir um animado assobio vindo do banheiro. Era uma sensação estranha, já que nunca tinha deixado ninguém mais usar meu banheiro antes. Na verdade, o simples fato de ter alguém aqui já era algo raro.
Mas enfim.
Eu não consegui fazer as perguntas importantes, mas, por outro lado, oferecer uma boa hospitalidade também era essencial. Já havia comprado pijamas e roupas íntimas extras para ela, então agora era hora de preparar um jantar simples.
Uma refeição fácil e deliciosa que eu sempre recomendava era katsudon.
Não havia nada mais prático do que comprar carne de porco, ovos, cebolas e temperos, e misturá-los. O único cuidado necessário era não mexer demais os ovos nem cozinhá-los em excesso. Mas, apesar de ser um prato simples, ainda assim tinha algum tempo livre enquanto o arroz cozinhava.
Estava quebrando os ovos na frigideira quando a porta do banheiro se abriu e Marie saiu com o rosto corado pelo vapor. Olhei para o relógio e vi que ela havia aproveitado o banho por cerca de trinta minutos. Sua pele era tão pálida, e vê-la com as bochechas avermelhadas como as de uma criança era uma visão adorável. Ela parecia gostar da textura da toalha de banho, e nossos olhares se cruzaram bem quando ela a cheirou.
— Terminei! Esse banho foi maravilhoso. Veja, minha pele está ainda mais bonita agora!
— Hmm... Mas, Marie, você sempre é bonita. Para falar a verdade, não vejo muita diferença.
— Lá vem você com esses comentários de novo, com essa mesma cara sonolenta de sempre.
Ela escondeu o rosto com a toalha e me lançou um olhar de leve repreensão. Devia estar quente, pois Marie abanava as bochechas enquanto se aproximava de mim.
— Oh, que cheiro bom é esse? Não me diga que você está cozinhando, Kazuhiho?
— Sim. Já está quase pronto, então pode se sentar. Como você parece gostar de molho de soja, acho que vai gostar da comida daqui.
Marie se inclinou para ver o que eu estava cozinhando enquanto falava, e seu rosto se abriu em um sorriso. Sua guarda parecia estar baixa depois do banho, pois não percebeu que um de seus botões do pijama estava desabotoado, e eu conseguia ver sua delicada e rosada pel... Ahem, m-meu Deus, eu não devia estar olhando para isso…
Consegui me controlar, então coloquei um pouco de arroz em uma tigela, seguido por um pedaço de costeleta coberto de ovos escorrendo. Durante todo esse processo, a elfa me encarava com as sobrancelhas franzidas em concentração.
— Isso vai ficar delicioso. Eu tenho certeza.
— Por que está murmurando desse jeito...?
Era meio fofo como ela enrugava o nariz a cada fungada. Eu adorava ver esse lado mais feminino e infantil dela desde que veio para este mundo. Duvidava que teria a chance de vê-la assim em meio a ruínas ou labirintos no mundo dela.
Finalizei o prato decorando-o com o que tinha de verde por perto e levei a tigela para a garota que esperava ansiosamente.
— Aqui está. Vamos comer naquela mesa.
— Ok!
Ela sempre respondia com um sorriso tão animado nesses momentos. Admirei esse sorriso enquanto nos movíamos até as cadeiras e pegávamos os talheres. Coloquei um pouco de chá verde na mesa, e nosso pequeno jantar começou.
— Itadakimasu.
— E-Eitadakimaws... — Ela repetiu a expressão tradicional antes da refeição de forma desajeitada e rapidamente começou a encher a boca de comida.
Katsudon era um prato simples, mas esse também era um dos motivos de sua popularidade. A costeleta absorvia os ovos derretidos e o molho agridoce apimentado, explodindo em sabor assim que ela mordia. O gosto preenchia sua boca, e a elfa franzia as sobrancelhas surpresa enquanto tentava acompanhar o ritmo. A cada mordida, mais sabor se espalhava, e misturá-lo com o arroz aumentava ainda mais sua doçura e riqueza calórica. Marie comia como uma garota em crescimento e não conseguiu evitar abrir um enorme sorriso de satisfação.
— Mmm! Tão boooom!
— Fico feliz que tenha gostado. A comida do seu mundo não tem o mesmo sabor, já que não há muitos temperos disponíveis.
— É tão delicioso! Com certeza é a melhor coisa que comi o dia todo. Nn, está derretendo na minha boca!
Ohh, consegui o ranking número um do dia. Que honra. Isso acontecia com a maioria dos pratos, mas nada superava a combinação de bons ingredientes e frescor. Sentia que isso era especialmente verdadeiro em pratos como gyoza. Quanto mais simples o prato, mais esses dois fatores se tornavam essenciais. Embora, a costeleta de hoje fosse bem barata, então eu não tinha muito do que me gabar.
— Você é fácil de agradar, Marie. Posso fazer algo assim sempre que quiser. O motivo pelo qual costumo levar bentôs para o seu mundo é que até os ingredientes de lá são meio duvidosos.
— Então é por isso que você sempre carregava aqueles na bolsa... Agora faz sentido. Se está acostumado com comida assim, qualquer outra coisa pareceria meio sem graça. Isso me lembra que, já que vamos testar se consigo voltar para o meu mundo mais tarde, deveríamos tentar entender por que você consegue levar comida e bebida para lá.
Respondi com um pequeno grunhido. Pensando bem, nossos mundos não eram completamente separados, considerando que eu conseguia levar bentôs para lá, como ela mencionou. Ela própria também conseguiu atravessar para este lado, então deveria haver uma razão.
— Houve algo que você tentou levar e não conseguiu?
— Hmm... Bem, não consegui levar meu relógio ou uma lanterna quando tentei. Ah, é uma daquelas coisas que iluminam.
Ela já parecia acostumada com a civilização japonesa depois de andar pela cidade, então uma simples lanterna não a impressionava mais. Ela refletia sobre o que eu disse enquanto mastigava sua comida. Um de seus dedos batia levemente na mesa, o que provavelmente significava que as engrenagens estavam girando em sua mente.
— Talvez coisas relacionadas à sua civilização ou tecnologia sejam proibidas. Bentôs e sucos talvez sejam simples o suficiente para passarem.
— É possível, mas também não consegui levar uma caneta ou um caderno como esses. Eles não são tão avançados assim, mas ainda assim não foram transferidos.
Levar itens comigo não envolvia nenhum ritual avançado. Eu só precisava deixá-los ao lado do meu travesseiro; já tinha tentado muitas vezes. Algumas das poucas coisas que consegui levar foram...
— Comida e bebida. Interessante...
— Você acha? Como não consigo levar mais nada, não vejo como isso poderia ser útil.
— Mas pense bem: se apenas comida e bebida são permitidas, deve haver alguém controlando isso. Isso provavelmente significa que há uma razão para você ter conseguido me trazer para cá, e é provável que também tenha algum papel ou propósito nisso. Talvez você tenha recebido algum tipo de missão?
— Hã...? — Minha boca ficou aberta enquanto eu parava no meio de uma mordida na costeleta. — Uhm, não entendi... Tipo, uma missão de bentôs? Mas você já comeu tudo ontem.
— E estava muito delicioso... Ah, não, esqueça os bentôs por enquanto. Alguém já te pediu para fazer alguma coisa?
Eu entendia o que ela queria dizer. Nunca tinha pensado nisso, mas estava aproveitando minhas aventuras sob regras estabelecidas por alguém, que dizia que eu poderia entrar em um mundo dos sonhos e apenas levar comida e bebida. Mas, é claro, nunca tinha ouvido falar de uma missão desse tipo. Disse isso a Marie, e ela aceitou rapidamente.
— Não me surpreende. Se lembrasse de algo assim, certamente teria percebido que não eram apenas sonhos comuns. Deixe-me reformular a pergunta então: houve algum evento que permitiu que você começasse a entrar nesses sonhos?
— Eu brinco neles desde criança, então não me lembro. Na verdade, eu achava que era normal até hoje.
Nós dois inclinamos a cabeça, imersos em nossos pensamentos. Nossa investigação rapidamente encontrou um beco sem saída, e todas as nossas discussões acabavam em um “não lembro” como resposta. Parecia até a resposta de um político, mas não havia nada que eu pudesse fazer para mudar esse fato.
— Bom, me avise se lembrar de algo. Tenho certeza de que isso é importante.
— Certo. Se lembrar, eu te conto.
Disse isso, mas não estava confiante de que algum dia lembraria. Nunca conseguiria apontar uma memória específica em todos os meus vinte e cinco anos de vida.
Seguindo em frente, comecei a recolher os pratos agora vazios. Apoiei os cotovelos na mesa, e os olhos roxos de Marie se arregalaram um pouco ao notar a mudança na minha postura. Talvez ela tenha visto algo no meu olhar sonolento, porque se inclinou para frente, me imitando.
— De qualquer forma, primeiro precisamos lidar com o problema imediato. Se conseguirmos te levar de volta, o que vamos fazer depois? Você já pensou no que vai acontecer quando acordarmos?
— O que quer dizer...? Você fala como se houvesse um grande problema a ser resolvido.
Ela tomou um gole do chá e então afastou lentamente os lábios da xícara. Quando voltou a olhar para mim, havia um brilho de compreensão em seus olhos.
— Não acredito que me deixei levar e esqueci algo tão importante!
— Certo. Quando acordarmos no sonho, estaremos no mesmo lugar de antes. Bem dentro da toca do dragão-arca.
Esse era o ponto mais importante. Como exatamente sairíamos vivos da toca do dragão? Se não descobríssemos isso, eu dificilmente poderia dizer que a trouxe para casa em segurança.
Coloquei o caderno de antes sobre a mesa e nossa reunião secreta começou.
Felizmente, tínhamos várias oportunidades para resolver isso. Desde que acordássemos deste lado, mesmo se morrêssemos, poderíamos tentar abordagens diferentes em várias tentativas, mas eu tinha certeza de que o dragão perceberia nossos métodos e tentaria nos capturar eventualmente.
O caderno estava cheio de possibilidades ramificadas, e cada uma delas estava marcada com um “X” no final de seus caminhos. Não importava qual opção escolhêssemos, estávamos lidando com um dragão de classe lendária. Se quiséssemos sobreviver, lutar não era uma opção.
— Então, também vou recusar a ideia de tomar um ovo de dragão como refém. Mesmo que de alguma forma conseguíssemos escapar temporariamente, ele não deixaria dois humanos que conhecem seu esconderijo viverem.
— Concordo. Se não tomarmos cuidado, teremos que estar sempre em alerta, e provavelmente eu nunca conseguiria dormir. Mais importante, eu queria que você me dissesse o que já leu sobre o arkdragon.
Após uma discussão de quase uma hora, chegamos à conclusão de que escapar seria extremamente difícil. Então, para fazer isso, eu precisava descobrir tudo o que pudesse sobre o inimigo.
A garota bateu um dedo na mesa de madeira e então direcionou seu olhar para mim.
— Sobre isso... Acho que já li algo parecido antes. Para começar, ele tem uma inteligência superior à dos humanos. Pode gerar um suprimento infinito de magia apenas respirando. No passado, já destruiu ilhas e fez vulcões entrarem em erupção, tudo como resultado de inúmeras batalhas contra demônios e humanos, e...
Acenei com a mão para indicar que esse não era o tipo de informação que eu estava procurando. Eu sabia do que era capaz, e enfrentar o dragão de frente com força bruta não estava entre as minhas habilidades.
— Você sabe de alguma coisa mais no estilo de curiosidades ou anedotas que possam me dizer mais sobre sua personalidade?
— O quê? Personalidade? Do que você está falando? Você espera que um dragão tenha uma personalidade?
As sobrancelhas da elfa se franziram em confusão com minhas palavras. Mas ela continuou escrevendo com a caneta, talvez para organizar nossos pensamentos, ou simplesmente porque gostava da sensação dela entre os dedos.
— Não sei exatamente o tipo de informação que você quer, mas já ouvi dizer que suas escamas podem ser vendidas por um preço absurdo.
Ela inclinou a cabeça, como se perguntasse se isso serviria, e eu fiz um gesto para que continuasse. Precisávamos começar com algo pequeno e, talvez, acabássemos descobrindo alguma informação crucial.
— Ele também tem a habilidade de gerar magia. É tão poderoso que qualquer meio mágico que o utilize se torna famoso, e seus feitos são registrados em várias obras de literatura. Qualquer um que consiga obter uma de suas escamas se tornaria extremamente rico também. E... já li que ele assumiu a forma humana para entrar na cidade antes, mas isso provavelmente não é verdade. Não tem como um plebeu reconhecer um arkdragon.
— Espera, quero saber mais sobre isso. Se for verdade, deve ter havido um motivo para o arkdragon ter ficado lá, certo?
Ele não teria ido até uma cidade sem razão. Deve ter havido algum objeto, informação ou até mesmo uma fortuna que não poderia ser obtida de outra forma.
Mas a elfa soltou um suspiro.
— Na verdade, dizem que ele não fez nada. Li que passou alguns dias lá e depois simplesmente desapareceu. Foi em Ozloi, a cidade portuária, acho.
— Ozloi, hein... Que bom que já viajei por aquele mundo. Eu já visitei uma vez. Nunca vou esquecer o sabor delicioso da cerveja de malte de cevada de lá. O dono da taverna era muito gente boa, até me deixou beber, mesmo eu sendo menor de idade.
Pensei com carinho nessa lembrança, mas a elfa à minha frente parecia infeliz. Ok, talvez em uma situação de vida ou morte—ou melhor, nesse caso, era apenas minha insônia o problema—eu não devesse estar fantasiando sobre álcool no meio de uma reunião importante.
Espera um minuto...
Aquele lugar não tinha nenhuma característica especial além do comércio e da boa bebida. Se o dragão-arca visitou e foi embora sem fazer nada...
— Será que esse foi o motivo da visita...?
Falei minha dúvida em voz alta e olhei para a geladeira ao lado da cozinha. As sobrancelhas da elfa se arquearam de um jeito estranho ao observar meus movimentos.
De qualquer forma, já estava ficando tarde, então decidi ir para a cama e tentar nossa primeira tentativa.
Ahh, eu tinha me esquecido completamente...
O pensamento pairava em minha mente enquanto eu apenas ficava ali, imóvel. Lá estávamos nós, olhando para a cama de solteiro sob a iluminação indireta da luminária.
Nós estávamos prestes a dormir juntos.
Eu não tinha intenção de fazer nada de estranho, mas, como homem, não conseguia evitar que certos pensamentos surgissem.
— Uau, parece tão confortável!
Enquanto isso, Marie estava cheia de animação inocente ao sacudir a cama com o quadril virado para o meu lado. Ela afastou os cobertores para se enfiar debaixo deles e então soltou um "Mmmm!" de satisfação. Seus olhos roxos se voltaram para mim e ela disse:
— Vamos, Kazuhiro.
Eu nunca imaginei que veria uma bela garota elfa estendendo a mão para mim assim...
Ela me apressou de novo, e isso me fez ceder e segurar sua mão. Nossos dedos se entrelaçaram, e conforme me aproximei, senti um aroma feminino distinto.
Isso é certo? Sim, é, né? Não me decepcione, eu mesmo.
Amaldiçoei minha patética falta de autocontrole enquanto me enfiava debaixo dos cobertores. Meu rosto devia estar vermelho como um tomate. Marie me olhou com uma expressão curiosa, mas eu jamais poderia dizer que era por ter seu rostinho bonito tão perto do meu.
— Agora, vamos começar nosso experimento. Hmm, acho que devo segurar você?
— Sim, provavelmente. Estávamos abraçados quando fomos atingidos pelo ataque do dragão.
Senti meu cérebro racional voltando ao controle quando ela mencionou a palavra "experimento". Sim, isso era apenas um experimento. Nada mais.
— Vamos tentar recriar nossas posições daquele momento. Vem cá, Marie.
Talvez eu tenha me deixado ficar um pouco relaxado demais; parecia que essa foi a coisa errada a dizer.
Marie olhou para o meu braço à espera dela como se percebesse algo, e seu rosto foi ficando cada vez mais vermelho. Sua expressão era nada menos que encantadora, e acabamos nos encarando.
— ...Ok.
A resposta da elfa foi tão fofa quanto uma flor desabrochando.
Ela se aproximou devagar e então repousou a cabeça ao lado da minha. Nos abraçamos sob os cobertores e, conforme nossos corpos se aproximaram, pude sentir sua silhueta delicada e as pequenas protuberâncias em seu corpo.
— Tão... quentinho...
Sua voz indicava que já estava com sono. Seu coração batia suavemente, como o de um passarinho. O cobertor rapidamente ficou mais quente com o calor de nossos corpos, e até nossas respirações pareciam sincronizadas.
Eventualmente, minhas pálpebras se fecharam. Provavelmente, dormi muito mais cedo do que o normal foi culpa da sonolência dela me afetando também.
Estávamos tão próximos que nossas testas se tocavam enquanto caíamos no sono silenciosamente. Mas acabei nunca perguntando a ela a questão mais importante: se ela continuaria me vendo depois disso.
Enquanto pensava nisso com um leve arrependimento, o apartamento logo ficou preenchido pelo som de nosso sono...
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