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Chapter 5 - Vol 1: Capítulo da Pedra Mágica, Episódio 1: É Gyoza, Srta. Elfa

 

Dizem que, para falantes de inglês, o japonês é uma das línguas mais difíceis de aprender. Já houve até esforços dos próprios japoneses para simplificar o idioma ao longo do tempo, então deve ter sido ainda mais complicado no passado.

De qualquer forma, a cena no meu quarto estava bem interessante. E por "meu quarto", quero dizer meu pequeno apartamento 1DK em Koto, Tóquio, onde uma elfa de um mundo de fantasia estava sentada na minha cama.

Seus longos cabelos brancos eram sempre sedosos e brilhantes, mesmo sem aplicar nenhum tipo de óleo, e ainda assim ela mal fazia algo para cuidar deles. Isso me fazia pensar se humanos e elfos eram diferentes até mesmo nesse aspecto.

Seus olhos, cheios de inteligência, tinham um tom de roxo pálido, como duas ametistas. Qualquer um que a visse acordando ficaria encantado, como se estivesse testemunhando o instante em que uma flor colorida desabrocha.

— A-I-U-E-O...

Mas, naquele momento, parte de seu charme parecia ausente. Seu cabelo estava um pouco bagunçado, e as roupas leves que vestia dentro de casa estavam todas amassadas. Com um caderno no colo, ela escrevia enquanto ouvia os sons vindos da TV. Aparentemente, esse era o método que ela escolheu para estudar japonês: aprender pronúncia e escrita ao mesmo tempo.

Observei seu jeito intenso de estudar assim que cheguei do trabalho e afrouxei a gravata do meu terno.

— Cheguei. Consegui carne moída em promoção, então vou fazer gyoza. Quer um pouco de bebida, Marie?

— Gyo... za? Hmm, não sei. Na verdade, fico embriagada bem facilmente. Aceito algo que seja suave de beber, contanto que não se importe se eu acabar falando bobagens.

Já imaginava que ela fosse fraca para bebidas...

Era sexta-feira, minha noite favorita da semana, então eu estava de bom humor. Coloquei os ingredientes que comprei na geladeira, organizando o compartimento de vegetais enquanto pensava no pedido de Marie.

Algo fácil de beber, hein...

Achei que vinho seria a melhor opção, já que provavelmente era o tipo de bebida alcoólica com a qual uma elfa de outro mundo estaria mais acostumada. Vinho branco combinaria bem com gyoza, e eu ainda poderia servir um pouco de queijo.

Olhando para ela, claramente parecia uma jovem menor de idade e incrivelmente bonita. Mas ela era uma elfa com mais de cem anos, ou seja, estava muito além da idade legal para beber... ou pelo menos eu achava que sim.

Sim, provavelmente...

Não existiam leis específicas para elfos, então não fazia sentido me preocupar com isso.

Enquanto esses pensamentos passavam pela minha cabeça, a elfa em questão me chamou.

— Kazuhiho, eu, sou, Mariabelle.

Fiquei surpreso com o japonês meio desajeitado dela. Quase deixei cair o pacote de carne moída, mas consegui pegá-lo no ar, meio atrapalhado. Vendo isso, a elfa abriu um sorriso satisfeito.

— Você não começou a estudar só há dois dias?! Já está formando frases?

— Não, eu só aprendi frases que podem ser úteis primeiro. Meu método é aprender uma sentença e depois desenvolver o idioma a partir dela.

O sorriso dela se alargou conforme meu espanto aumentava. Era um sorriso ainda mais bonito do que o que vi quando a conheci, e, pego desprevenido, senti como se uma lâmina tivesse atravessado meu coração. Provavelmente, ela nem percebia o quão poderoso era aquele sorriso.

— Desenvolver a partir disso, hein? Acho que entendo a lógica. Quando aprendo um idioma de outra espécie, começo encontrando um ponto de partida. Depois, vou expandindo meu conhecimento e preenchendo as lacunas.

Servi um pouco de vinho branco no meu copo para experimentar e segui para o quarto. A única coisa que o separava da cozinha era um armário baixo, então Marie me notou imediatamente e ergueu o olhar.

— Oh, suas roupas são tão elegantes e refinadas. Posso sentir o cheiro delas?

— O quê? Quer dizer meu terno? Eu ia pedir para você sentir o cheiro do vinho... Você tem uma certa fixação por cheiros, não tem, Marie?

— Que grosseria. Não há nada de estranho em cheirar coisas que não conhecemos. Agora venha aqui para que eu possa sentir seu cheiro.

Definitivamente parecia uma fixação por cheiros para mim... mas preferi não dizer isso em voz alta. Caminhei até ela sem discutir mais, e ela segurou o tecido da minha roupa na altura da barriga e inalou algumas vezes.

Hmm, ser cheirado por uma garota bonita é meio estranho...

Ela enterrou o nariz na minha camisa e senti o ar quente das suas respirações contra mim. Fazia cócegas, mas, estranhamente, vê-la fechar os olhos com satisfação não me incomodava nem um pouco.

— Obrigada, agora estou satisfeita. E... Certo, a bebida parece boa também. Parece não ter nenhum aditivo.

— Ah, você quer dizer aquelas substâncias que colocam para mascarar o cheiro? Também detesto isso. Prefiro beber água do que gastar dinheiro com essas coisas.

Marie assentiu em concordância e se sentou na cama. Escolhemos juntos um pijama de gola, de um tom rosado parecido com pétalas de cerejeira, e ela gostava bastante do tecido, que não irritava sua pele. Desde então, vinha passando muito tempo relaxando no apartamento.

Peguei o caderno que estava sobre a cama e vi várias anotações dentro, como o alfabeto e a saudação que ela tinha me dito mais cedo. Parecia que queria aprender toda a base primeiro. Folheei algumas páginas e me lembrei de algo que ouvi em algum lugar.

— Dizem que leva mais de duas mil horas para aprender um idioma muito diferente dos que você já conhece. Ou seja, mesmo estudando dez horas por dia, levaria mais de duzentos dias para dominar um.

— Hmm. Então acho que para mim levaria metade desse tempo. Talvez até menos, se eu me esforçar. Vou me dar um prazo de dois meses para conseguir segurar uma conversa.

Fiquei surpreso com a confiança dela, mas logo entendi de onde vinha. Ela tinha a mim para praticar japonês, e enquanto estivéssemos no mundo dos sonhos juntos, poderia continuar estudando até dormindo. Somando isso à sua inteligência, era algo bem plausível.

Ao mesmo tempo, uma dúvida surgiu na minha mente...

— Sempre quis saber, por que você quer aprender japonês? Isso não vai ser útil no seu mundo, e nem vai te dar reconhecimento na Guilda dos Magos.

— Porque acho este país maravilhoso. Pode ser um pouco barulhento às vezes, mas adoro as paisagens bonitas, a tranquilidade, a comida deliciosa e o quão confortável tudo é por aqui. Preciso de mais algum motivo para querer aprender o idioma local?

Fiquei feliz em ver que ela realmente gostava do Japão. E se ela aprendesse a língua de verdade, poderíamos ir ao cinema ou jogar juntos. Isso parecia bem divertido, então decidi ajudá-la no que pudesse.

— Mas quando comecei a ir para a cozinha, congelei. Acabei de perceber que suas palavras significavam que ela estaria morando comigo por pelo menos dois meses. Mal conseguia conter a alegria infantil que crescia dentro de mim. Deve ter ficado estampado no meu rosto, porque ela estava olhando diretamente para mim... mas de jeito nenhum eu iria me explicar.

— A-Aliás, você deve estar cansada. Que tal tomar um banho? Vou preparar uma refeição gostosa para você enquanto isso.

— Hehe, obrigada. Estou ansiosa para experimentar essa comida chamada “gyotzah” que você vai fazer.

Eu quis corrigir e dizer que era “gyoza”, mas não consegui falar nada quando ela esbarrou em mim e me abraçou pela cintura.

Que elfa adorável...

Daqui a uns 45 minutos, essa beldade élfica estaria gritando “Delicioso!” e batendo os pés de alegria.


Enquanto eu preparava os bentôs para a nossa aventura, Marie estava recostada na parte de trás de uma cadeira, com metade do corpo praticamente fora do assento. Ela sempre teve uma aura intelectual, mas parecia estar nas nuvens com a combinação de comida gostosa e vinho branco. Ficou ali, com um olhar sonhador no rosto, até que me dirigiu a palavra com um leve tom arrastado.

— Hehe, estava delicioso, Kazuhiho... Quero te agradecer do fundo do meu coração...

— Fico feliz que tenha agradado ao seu paladar élfico. É uma receita barata, então me avise se quiser comer de novo.

Os ingredientes não custavam muito, mas a única desvantagem era que dava um certo trabalho embrulhar o recheio nas massas de gyoza. Porém, eu estava de bom humor porque era sexta-feira, e ver a reação dela tornava o esforço extra algo prazeroso.

— Ooooh, isso foi barato?! Eu simplesmente não entendo a comida deste país... Mas tudo bem, estou muito feliz com isso.

Ela tentou se levantar parcialmente, mas logo deixou o corpo cair de volta na cadeira. Tinha uma expressão completamente satisfeita. Seu pijama bagunçado deixava o umbigo à mostra, mas decidi não comentar nada. Ela havia acabado de me elogiar, afinal.

O jeito arrastado como falava, por causa do álcool, era bem fofo. Aquilo me fez pensar que talvez fosse uma boa ideia adicionar mais bebidas ao nosso jantar daqui para frente.

Enquanto refletia sobre isso, a garota virou os olhos na minha direção, ainda recostada no encosto da cadeira.

— Kazuhihooo... É verdade que você está no nível 72?

— Sim, ainda é o mesmo nível de quando te contei antes. Na verdade, nunca te perguntei isso, mas qual é o seu nível, Marie?

— ...27... Escuta, não me entenda mal. É muito difícil subir de nível enquanto se aprende tanto Magia Espiritual quanto Feitiçaria. Isso me torna uma Feiticeira Espiritual, uma classe que só pode ser alcançada por pouquíssimas pessoas. Ouvi dizer que minha predecessora já faleceu há muito tempo.

Algo que eu disse deve ter incomodado ela, pois sua expressão ficou séria. Agora falava mais rápido, como se estivesse tentando se justificar.

— Feiticeira Espiritual, hein? Parece impressionante. Posso te levar para um local de caça recomendado, se quiser. Com suas habilidades, acho que conseguiria subir uns cinco níveis no primeiro dia.

Fiz a sugestão, mas ela ficou em silêncio por um tempo. Enquanto esperava uma resposta, fui guardando as sobras do jantar nos bentôs para deixá-las esfriando. Comecei a lavar a louça e, eventualmente, percebi a elfa se levantando pelo canto do olho.

— ...Sabe, levei uns setenta anos para chegar a esse nível. Mesmo vindo de você, eu ficaria irritada se estivesse brincando com isso.

— Mas eu só preciso atrair os monstros e deixar você finalizá-los, certo? Achei que seria fácil começar com alguns do nível 40.

Pensei que seria simples, mas talvez estivesse errado. Virei para a elfa e inclinei a cabeça em dúvida, apenas para encontrar seus olhos levemente arregalados.


Marie se enfiou alegremente debaixo das cobertas no quarto fracamente iluminado pela luz indireta. Entrei na cama depois dela. Eu entendia como isso pareceria para um estranho, mas era necessário para irmos ao outro mundo.

Hoje, eu tinha a tarefa extra de ajudá-la a subir de nível. Se não conseguisse, provavelmente seria rebaixado ao status de um cara sonolento que não cumpria suas promessas.

Mas... admito que provavelmente não precisava ter olhado tanto para o traseiro dela enquanto entrava na cama. Não quero dar desculpas, mas como homem, eu não tinha escolha. Sim, era isso.

— Vou deixar o bentô aqui... Hmm, mas pode acabar ficando com cheiro por causa do gyoza.

— Não se preocupe. Quando estivermos comendo, só vamos pensar no quanto é delicioso. Embora seja uma pena que não esteja mais crocante como quando foi feito.

— Isso é verdade, mas nada supera comida recém-preparada. Fiz também um pouco de arroz frito, que continua bom mesmo frio, então pode esperar por isso.

No escuro, a garota sorriu. Devia estar realmente ansiosa pelo bentô, porque passou o braço ao redor do meu pescoço e se aproximou mais de mim. Eu a puxei para mais perto também, e ficamos ouvindo as batidas do coração um do outro.

Talvez fosse o calor do corpo dela ao lado do meu, mas ultimamente eu estava pegando no sono bem mais rápido. Será que ainda conseguiria dormir assim se um dia ela não estivesse mais aqui...? Provavelmente era só o meu lado covarde falando.

Ouvia seu coração batendo suavemente e sentia seus braços e pernas finos se entrelaçando aos meus debaixo do cobertor. Minhas pálpebras ficaram pesadas com o conforto de seu abraço quente.

Zzz...

Como se estivesse afundando na água, minha consciência logo mergulhou no sono. Ainda abraçados, viajamos fundo no mundo dos sonhos... ou melhor, para outro mundo. Sempre esperando por mais um dia cheio de alegria e diversão...

+ + + + + + + + + +

Piu piu, piu piu.

Abri os olhos lentamente e vi um pequeno pássaro pulando pela grama como se estivesse em um passeio matinal. Era um Lupil, uma ave que se alimentava principalmente de insetos encontrados nas árvores. Não eram incomuns, mas era raro vê-los de perto, pois eram bem ariscos.

Como de costume, enfiei a mão no bolso, peguei algumas migalhas de pão e as espalhei para o pequeno visitante, ainda deitado. Ele soltou um rápido piado de agradecimento, pegou uma migalha com o bico e voou para longe.

Talvez fosse pelo tanto que bebemos ontem, mas, pelo ângulo do sol, parecia que a manhã já estava quase acabando.

— Que passarinho fofo... Você já não tinha alimentado um antes, Kazuhiho?

Ouvi um sussurro no meu ouvido, então esfreguei os olhos sonolentos e me virei na direção da fonte. Lá, vi um par de lábios se abrindo e soltando um bocejo fofo. Ela era pequena em estatura, mas seus lábios eram vibrantes e atraentes como uma flor, e observá-los fez meu rosto esquentar.

Isso mesmo, acordamos da mesma forma que dormimos...

Eu precisava manter minha guarda alta, ou meu coração pularia uma batida de surpresa. A visão da elfa pela manhã era tão bela que me despertou na hora.

Respirei fundo em segredo e então respondi a ela.

— Costumo alimentá-los sempre que os vejo por perto. Mas enfim, bom dia, Marie. Dormiu bem?

— Sim, é claro. Hehe, embora tenhamos acabado de dormir do outro lado.

Afastei o cobertor novo de cima de nós e segurei sua mão para nos levantarmos juntos. Olhei ao redor e vi os campos de grama se estendendo até onde a vista alcançava, com uma fazenda ao longe. Deve haver uma vila por perto.

— Ah, é verdade, decidimos dormir aqui quando escureceu. Acho que estou desenvolvendo o hábito de acampar por passar tanto tempo com você...

— E pensar que você costumava rir de mim por isso. Aqui, Marie, sua bebida e seu bentô.

Ela me agradeceu enquanto pegava os itens em suas mãos, e cada um de nós guardou sua refeição na bolsa. Já repetimos esse processo várias vezes, então parecia que havíamos nos acostumado com a rotina.

Com a bagagem devidamente arrumada, puxei um mapa simples e o estendi à nossa frente. Era um modelo barato, vendido em qualquer lugar, então não me importava se fosse um pouco impreciso.

— O local de caça que mencionei antes fica aqui. São as ruínas chamadas Pico Ujah, a cerca de dois países de distância.

— Não me diga que pretende nos fazer ir andando até lá? Isso levaria pelo menos uma semana, mesmo de carruagem.

— Não, vou usar uma habilidade de mobilidade. Como você sabe, eu viajo o tempo todo. Sou bem versado nessas coisas.

Simplificando, minhas habilidades de mobilidade podiam ser divididas em “movimento de longa distância” e “movimento de curta distância”. O movimento de longa distância me permitia viajar uma vez por dia ao invocar o nome do deus das viagens diante de seu monumento. O tempo necessário para chegar ao destino variava conforme a distância. Já o movimento de curta distância tradicionalmente permitia se deslocar para um ponto dentro do campo de visão, mas eu o modifiquei bastante para atender às minhas necessidades, então não seria muito útil dessa vez.

— Hmm, você desenvolveu um conjunto de habilidades bem incomum. A maioria das pessoas prefere treinar habilidades voltadas para o combate. Suponho que quem passa o tempo todo viajando tenha suas excentricidades.

— Mas eu acho que habilidades de mobilidade são bem fortes. Parece que elas têm uma reputação ruim porque são adquiridas principalmente por mercadores viajantes, no entanto. O deslocamento é limitado pelo peso, mas devemos estar bem, já que você é tão leve.

Passei os dedos pelo bracelete em meu pulso, e uma tela de status apareceu diante de mim. Talvez fosse por causa desses efeitos semelhantes aos de um jogo que eu não conseguia acreditar que esse mundo realmente existia em algum lugar. Os moradores daqui estavam acostumados, mas eu sentia que todo esse mundo estava sendo administrado por alguma entidade. Eu não questionava muito, já que não havia muito o que pudesse fazer para descobrir mais, mas gostaria de resolver esse mistério algum dia.

Meu foco do dia era ajudar a elfa a subir de nível. Com esse pensamento, estendi minha mão para Marie, que já estava pronta para partir.

— Certo. Vamos, Marie. Segure firme.

— Sim, estou pronta. Mas devo dizer, estou surpresa que você consiga cobrir a distância de dois países. Você provavelmente poderia ganhar muito dinheiro com essa habilidade, se quisesse.

— Isso não me interessa, prefiro não trabalhar nos meus sonhos. Certo, lá vamos nós... Trayn, o Guia das Jornadas.

No momento em que ativei a habilidade, a paisagem ao nosso redor se transformou em uma imagem difusa. Os campos de grama se distorceram e ficaram translúcidos, e o chão abaixo de nós desapareceu.

— Kyaaa!

Ouvi o grito agudo de Marie, e caímos para uma camada inferior, para um mundo abaixo...

O ambiente ao nosso redor escureceu. Eu me mantive de pé, segurando Marie de lado nos braços, e por fim aterrissamos em solo firme. A descida repentina deve tê-la assustado, pois pude sentir seu corpo tremendo enquanto se agarrava a mim. Dei um leve tapinha em seu ombro para avisá-la de que estava tudo bem agora.

Ela ergueu a cabeça timidamente, e suspeitei que nosso entorno pudesse tê-la surpreendido. Parecia uma caverna gigantesca, mas estávamos envoltos em completa escuridão, exceto por alguns buracos pelos quais se via vegetação.

Ao olhar para cima, para o pequeno pedaço de céu azul ainda visível, o ambiente ao nosso redor começou a se acelerar lentamente. A luz à nossa frente fluía para trás, e Marie a acompanhava com o olhar.

Voooooom...

A sensação de viajar por uma escuridão total em alta velocidade lembrava um pouco andar de metrô. Mas, vendo que o cabelo de Marie mal se mexia, parecia que o vento e a aceleração eram bem suaves. Ela finalmente começou a se acostumar e afrouxou o aperto dos dedos.


— Uau... Incrível... Está tudo escuro, mas parece que estamos nos movendo rápido como uma cidade por minuto. Os comerciantes veem essa paisagem o tempo todo?

— Tenho certeza de que alguns veem. Leva muito tempo para aprender essa habilidade, então provavelmente precisam decidir se tornar comerciantes viajantes desde jovens.

Enquanto falava, coloquei a flor que peguei mais cedo no bolso interno da camisa. Era costume oferecer uma flor colhida durante a viagem ao chegar ao monumento, e secretamente eu achava essa prática agradável.

Como mencionei, aqueles que decidiam se tornar comerciantes viajantes desde cedo eram os mais propensos a aprender essa habilidade. Mas havia muitos que não gostavam de viajar devido ao cansaço que isso trazia. Como resultado, poucos realmente colocavam essa habilidade em prática.

Marie parecia hipnotizada com a visão incomum e só então percebeu que estava sendo carregada de lado. Ela sussurrou que já estava bem, então finalmente a coloquei no chão negro.

— Fique perto, só por precaução. Parece que estamos dentro do limite de peso, mas não sei o que aconteceria se você se afastasse muito de mim. Normalmente viajo sozinho, afinal.

A elfa assentiu.

A escuridão nos envolvia enquanto nos movíamos em alta velocidade. A luz ocasionalmente se infiltrava do lado de fora, mas logo ficava para trás com um vooosh!

A garota parecia já ter se acostumado com a visão, e sua túnica ondulava enquanto ela se virava.

— Eu nunca imaginei que o movimento de longa distância fosse tão útil. Então, quanto tempo vai levar para chegarmos ao outro lado?

— Hmm... Com essa distância, eu diria uns vinte minutos. Mas varia bastante, e já ouvi falar de pessoas que passaram cerca de um ano aqui dentro.

Ela pareceu um pouco assustada com meu comentário. Os deuses tendiam a ser caprichosos, então não havia muito o que fazer quanto a isso. Mas a expressão arregalada dela ficou tão engraçada que precisei cobrir a boca para não rir.

— Isso não tem graça... Mas suponho que sejamos um caso especial. Se algo acontecer, podemos simplesmente voltar ao Japão. Ainda tem aquele fenômeno que muda nosso local de despertar, se necessário.

— Exato. Agora, pode me mostrar sua tela de status, Marie? Quero otimizar nosso ganho de experiência.

— Suponho que sim, mas prometa que não contará a ninguém sobre isso. Talvez você não saiba, mas tenho muitos rivais com quem preciso lidar.

A Guilda dos Feiticeiros aparentemente tinha um sistema de classificação baseado em níveis. Com sua rara classe de Feiticeira Espiritual, Marie certamente atraía muita atenção negativa dos outros. Provavelmente usavam o nível como critério porque não podiam superá-la em importância ou habilidades. Isso também parecia ser o motivo pelo qual ela sempre dizia o quanto estava ocupada. Mas, falando sério, a Guilda dos Feiticeiros parecia bem sombria e assustadora. Fiquei feliz por evitar assentamentos em geral e suspirei aliviado mentalmente.

Marie passou a mão sobre o acessório em seu pulso, e um monitor azul-esbranquiçado apareceu na escuridão. Ela navegava pelos controles para me conceder permissão de visualização. A luz turva logo se transformou em letras, permitindo-me ler as habilidades de Mariabelle.

— Kazuhiho, eu gostaria de ver suas habilidades também, se não se importar. Nunca vi alguém no nível 72 antes, então estou muito curiosa. E, sobre formar um grupo...

— Claro, não me importo. Ah, mas não precisamos formar um grupo. Meu ganho de experiência foi muito mais eficiente enquanto eu estava solo.

— Mas não vamos lutar juntos? Eu não conseguiria fazer isso sozinha, e nem poderíamos conversar via elo mental sem formar um grupo.

Seria mais fácil mostrar do que explicar, então deixei a resposta de lado por enquanto e alinhei nossas telas de status lado a lado, comparando-as.

— Canto Avançado, Aumento de Precisão e Aumento de Memória, hein? Parece que você realmente é especializada em Magia Espiritual e Feitiçaria. Ah, e quando subir de nível, deve aprender essa habilidade chamada ‘Grande Experiência’. Ela aumenta a quantidade de experiência que você ganha.

— Hmm, mas como mencionei antes, tenho muitos rivais com quem competir. Preciso melhorar minhas habilidades imediatamente.

— Mas se chegar a um ponto em que não precise mais disso, pode simplesmente redefinir quando subir de nível. Vou deixar a decisão com você, mas essa é minha recomendação.

Ela ainda parecia hesitante, mas me olhou nos olhos por um momento e depois assentiu.

Para ser sincero, estava um pouco animado com a ideia de subir de nível com alguém. Nunca joguei jogos online antes, mas imaginei que essa era a sensação. Cooperar, discutir estratégias e perder a noção do tempo no jogo...

Enquanto pensava nisso, Marie apontou para a tela de status e me olhou com uma expressão intrigada.

— Ei... O que é esse ‘Espadachim Ilusório’ na sua classe? Nunca ouvi falar disso antes.

— Ah, é mesmo? Acho que é tipo... um trapaceiro, mais ou menos. É meio não convencional, mas bem divertido.

Assim que respondi, ela caiu na gargalhada. Só consegui encará-la sem entender enquanto ela ria segurando a barriga.

— Ahaha! Que tipo de descrição de classe é essa? Você sempre parece sonolento, então pensei que significava que você luta enquanto ronca no sono!

— Eu nasci com essa cara, sabia... mas, tecnicamente, estou em um sonho, então não posso dizer que está errada.

Entrei na brincadeira, e então nós dois não conseguimos mais segurar e caímos na risada juntos.

Agora, segundo Marie, as classes avançadas derivadas dos Cavaleiros eram as mais populares. Cavaleiros Mágicos e Cavaleiros Sagrados, em particular, tendiam a ocupar posições de destaque, e havia incontáveis candidatos para esses cargos todos os anos. Mas se realmente se adequavam ou não a essas classes era outra questão. Ser um Cavaleiro não significava possuir terras, mas lhes garantia emprego pelo reino, garantindo uma fonte estável de renda.

Devido à sua proficiência em ataques coordenados, eles brilhavam em guerras contra monstros e humanos. Quanto a mim, evitei ambientes que me ensinariam esse tipo de habilidade, então talvez meu desenvolvimento tenha sido meio estranho para os padrões deles. Nunca havia lutado contra alguém do mesmo nível que eu, então não fazia ideia da minha verdadeira força.

Já os “Feiticeiros” como Marie viviam para desvendar os mistérios das artes secretas antigas e muitas vezes eram contratados pelo reino para manter a vantagem estratégica. No fim das contas, também eram os que possuíam o maior poder destrutivo durante uma guerra.

— Guerra... Que pensamento assustador. Já participei de algumas antes, mas agora que sei que este mundo é real, vai ser difícil me envolver novamente.

— Eu também não quero participar de uma guerra. Se um dia eu fosse forçada a isso, eu deixaria a Guilda dos Feiticeiros.

Fiquei um pouco surpreso com essa afirmação. Deixar a Guilda dos Feiticeiros vinha com grandes riscos. Qualquer indivíduo de alto escalão chamaria ainda mais atenção, e haveria um esforço para evitar que seus segredos vazassem para outros países. No caso dela, provavelmente conseguiria resolver qualquer problema com dinheiro, mas...

— Ah, acho que você tem aquela escama de dragão, então ficaria bem.

— Não, isso seria um desperdício. De qualquer forma, o que é isso? ‘Pesca nível 59’? E você tem ‘Falar Idioma’ ocupando um dos seus preciosos slots de habilidade? Você não está levando este mundo muito a sério, não é?

— Ah! Uhh, bem, veja bem... Isso na verdade é um dos meus poucos hobbies... Posso dizer com confiança que pescar é a melhor maneira de aproveitar ao máximo a grande Mãe Natureza. E idiomas são uma habilidade importante para ampliar seu mundo.

Opa, parecia que eu estava só inventando desculpas agora. Mas era verdade que eu vinha apenas brincando esse tempo todo, e senti um leve peso na consciência quando ela questionou isso. E, como esperado, Marie me lançou um olhar que dizia claramente: "Homens realmente são estúpidos."

Quer dizer, eu poderia remover as habilidades, mas não conseguia me forçar a fazer isso. Elas realmente já tinham me salvado antes... mas achei que aquele não era o momento para essa discussão. Decidi falar sobre algo mais importante, e não apenas porque queria mudar de assunto.

— Já sei, por que não viajamos pelo Japão juntos? Vou ter alguns dias de folga seguidos no próximo mês por causa de um evento chamado Golden Week. Não precisa ser nada muito chique, mas que tal um pequeno tour pelo país?

— Oh, isso parece ótimo! Mas ainda não estou muito acostumada com carros. Eu ficaria feliz se pudéssemos ir para algum lugar mais próximo.

Ela tinha razão. Até agora, ela mal tinha andado de carro, e na primeira vez ficou tão cansada que acabou dormindo. Provavelmente seria melhor dar uma volta pela cidade primeiro e depois pensar em um destino mais distante, caso não houvesse problemas.

Mas isso me levava a um outro problema: dinheiro. Eu era apenas um humilde assalariado, então não podia simplesmente sair de férias quando quisesse. Expliquei isso para ela, já que não havia motivo para esconder, e Marie suspirou.

— Aww... Que pena não podermos simplesmente trazer o dinheiro deste mundo para o Japão. Se eu também pudesse levar grimórios mágicos, seria a maneira perfeita de estudar.

Nossa, ela estava planejando estudar até nos sonhos? Mesmo se fosse possível, eu acharia insano levar trabalho da minha empresa para este mundo.

Elfos vivem por muito tempo, então achei que ela deveria separar trabalho de lazer e aproveitar a vida com mais calma. A questão do dinheiro poderia ser resolvida se eu avançasse na carreira, então não valia a pena discutir isso agora. Passei o resto do tempo ajudando Marie a aprender japonês e tentando ensiná-la a alegria da pesca, mas meus esforços foram um fracasso total.

Senti um tremor leve, sinalizando que nosso destino estava próximo. Fechamos nossas telas de status e conferimos se não havíamos deixado nada para trás. Aqui obviamente não havia achados e perdidos, então qualquer coisa esquecida provavelmente estaria perdida para sempre.

O Pico Ujah, as ruínas que eu recomendava para ganhar experiência, ficava a cerca de uma hora de caminhada dali.

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As Ruínas do Pico Ujah...

Este lugar já foi uma pedreira. Ganhou atenção porque aqui podiam ser mineradas pedras mágicas usadas na criação de artefatos mágicos. Para proteger a produção de países rivais, um forte foi construído e a área ao redor foi fortificada. Mas, por algum motivo, as pedras mágicas pararam de ser extraídas, e ao longo de 200 anos as ruínas foram ficando cada vez mais decadentes.

Aqueles que ainda visitavam este lugar podiam sentir a presença dos minérios escondidos sob a terra, pois, por natureza, pedras mágicas nunca se esgotam completamente.

A maioria das pessoas ficaria curiosa ao ouvir lendas como essa, e a elfa certamente não seria exceção. Ou pelo menos era o que eu achava...

— Está quente...

Essa foi sua única resposta.

Para ser justo, o sol estava castigando com força, e tudo ao nosso redor era apenas rocha avermelhada queimada pelo sol, areia e partes do forte em ruínas. Além da névoa de calor tremeluzindo na areia ao longe, havia montanhas em formato de pirâmide. Estávamos caminhando na direção delas há cerca de uma hora, e o humor dela só parecia piorar.

Uma das montanhas tinha uma fenda enorme, como se tivesse sido cortada com uma faca gigante, e era para lá que estávamos indo. Havia destroços do que parecia ser o forte espalhados aqui e ali, mas as ruínas inúteis haviam sido abandonadas há muito tempo.

Vendo que ela claramente não estava gostando do calor do deserto, achei melhor atravessá-lo o mais rápido possível.

— Há um oásis depois daquela fenda adiante. Lá deve ser bem mais agradável. Aguente só mais um pouco, Marie.

— Sim... Claro... Vou tentar ao máximo te suportar agora.

Por que senti vontade de chorar...?

Eu sabia que lugares áridos como esse não eram muito populares entre as mulheres, mas não imaginei que ela fosse tão intolerante ao calor.

Entendi... Então mulheres e elfos não gostam de climas extremos...

Isso me fez me preocupar com o que aconteceria quando chegasse o verão no Japão, mas isso ainda estava a alguns meses de distância.

Continuamos caminhando pela areia áspera com esses pensamentos inquietantes na minha cabeça, até que finalmente entramos nas ruínas. Agora estávamos protegidos da luz intensa do sol, e ela finalmente parecia conseguir respirar melhor. O vento ainda estava quente como sempre, mas agora havia um certo alívio em sua expressão.

Talvez eu estivesse me agarrando ao sorriso dela, mas o que eu poderia fazer? Homens estavam fadados a ter suas vidas moldadas pela vontade das mulheres.

A elfa parecia curiosa sobre a estrutura do local, situado entre dois penhascos, pois a vi observando tudo ao redor.

— De longe parecia apenas uma montanha, mas por dentro é bem diferente.

— É, ouvi dizer que este lugar era basicamente uma mina de carvão, mas que também tinha sua própria cultura única. Os vestígios espalhados por aqui realmente dão uma sensação de ruína antiga.

Parecia que estávamos começando a nos acostumar com o ambiente, e observávamos os arredores enquanto caminhávamos com passos mais leves. O caminho sinuoso se estendia adiante, com espaço suficiente para vários adultos andarem lado a lado. Essa área parecia menos desgastada, e conforme avançávamos, encontrávamos mais vestígios de civilização.

— Tem uma casa aqui, e até um altar. Parece que isso não era apenas uma pedreira, mas que pessoas realmente viveram aqui por muito tempo. Então, ainda é possível encontrar pedras mágicas aqui? Agora que sei que elas podem ser usadas para refinar itens mágicos, fiquei curiosa sobre isso — perguntou a elfa enquanto juntava as mãos diante do altar. Mas tudo o que eu pude fazer foi inclinar a cabeça, questionando.

Se houvesse notícias de que ainda se poderia encontrar pedras mágicas aqui, esse lugar certamente estaria lotado de gente tentando pôr as mãos nelas. O país que detém essas ruínas até mesmo liberou a entrada para aventureiros. Parecia que estavam apostando na remota chance de alguém encontrar pedras mágicas para eles.

— Mas talvez realmente tenha algo aqui. Pode ser só coisa da minha cabeça, mas eu tenho essa sensação. Nosso objetivo hoje é aumentar o seu nível, mas que tal ficarmos algumas noites para investigar?

— Hmm, acho que não. Nunca percebi o quão importante o clima é. Pessoalmente, estou mais preocupada em não ressecar do que em encontrar minérios.

Sim, eu tinha que concordar com isso. Eu era bem insensível à dor neste mundo, já que era um sonho e eu não sofria dano real. Mas fome e sede eram outra história, e podiam ser extremamente problemáticas. Do mesmo jeito que comer aqui saciava minha fome no outro lado, sentir fome aqui obviamente me deixava faminto lá também. Esse era um dos motivos pelos quais eu evitava áreas que se tornavam perigosas em estadias prolongadas, como desertos.

— Mas mais à frente tem o oásis que eu mencionei ant—

Parei antes de terminar a frase. Naquele momento, senti como se vários pares de olhos estivessem nos observando. Era o olhar de um caçador analisando e menosprezando sua presa. Ouvi sussurros abafados e o leve tilintar de metal, mas permaneceram imóveis, talvez esperando o momento certo.

Soltei um suspiro suave o bastante para que Marie não ouvisse.

Bandidos eram comuns em qualquer lugar, e eu já tinha lidado com vários desde jovem. No começo, entrei no jogo deles e implorei por minha vida, mas nunca tinha fim. No fim, decidi simplesmente fugir, e agora eu dominava a arte de desaparecer como névoa assim que apareciam.

Curiosamente, as pessoas que apareciam nesses pontos de caça eram sempre de nível alto, o que significava que não deveriam ser alvos fáceis.

— Algo errado, Kazuhiho? Talvez seja a iluminação, mas seu rosto está meio assustador agora.

— Ah, não, não é nada.

Parece que minha expressão estava rígida por estar concentrado em aguçar meus sentidos. Marie apertou minha testa com o dedo, o que na verdade foi bem agradável.

Por conta do calor implacável e da falta de algo como um labirinto subterrâneo, as Ruínas do Pico de Ujah que eu conhecia sempre foram bem desertas, exceto pela área de caça. Será que tinham mudado desde a última vez que estive aqui?

De qualquer forma, não era como se eu estivesse preocupado. Eu tinha certeza de que poderia nos tirar de qualquer encrenca que aparecesse, então decidi focar em ajudar Marie a subir de nível por enquanto. Além disso, já tinha usado Trayn, o Guia da Jornada, no dia, então não poderia utilizá-lo para voltar.

Decidi esquecer isso e mudar de assunto.

— Então, Marie, como a sua Feitiçaria Espiritual difere da magia normal?

— Bom, vejamos... Quando você ouve "feiticeiro", imagina alguém lançando magia ofensiva com um cajado, certo?

Enquanto caminhávamos pela areia áspera, ouvi atentamente e assenti. A maioria dos feiticeiros que encontrei eram exatamente assim. Murmuravam um encantamento e depois lançavam uma magia de fogo ou gelo. Marie também tinha um cajado, então imaginei que ela usava algum método para converter magia em dano.

— Com a Feitiçaria Espiritual, eu atuo como um canal para fazer pactos com certos espíritos. Isso nos permite invocar espíritos, como este...

Um som grave ecoou, e então uma bola de fogo surgiu aos seus pés. De repente, uma boca emergiu dela, se contorcendo como se protestasse. Em seguida, o que parecia ser um pequeno rabo, mãos e pés cresceram, formando a silhueta de um lagarto.

— Oh, um lagarto de fogo? Heh, ele é tão fofinho e redondo.

— Isso mesmo. Primeiro, eu firmo um pacto com o espírito, depois posso transferir minha magia para ele...

Marie deu um leve toque na cabeça do lagarto com seu cajado e recitou um encantamento na língua dos espíritos. O lagarto foi envolvido por uma luz pálida e soltou um "graawr". Olhei para sua testa e vi uma espécie de brasão inscrito ali.

— Pronto, agora posso liberar minha magia usando o lagarto de fogo como meio. A diferença definitiva entre nós e os feiticeiros é que podemos armazenar magia antecipadamente. Aparentemente, tenho boa compatibilidade com espíritos, então, dependendo da quantidade de magia necessária, posso manter vários ao mesmo tempo.

Soltei um impressionado "oooh" e bati palmas. Marie ergueu a cabeça com uma expressão orgulhosa. Eu não tinha reparado antes, mas estava começando a achar esses trejeitos infantis dela bem fofos.

Agora que eu sabia o que era a Feitiçaria Espiritual, parecia bem útil poder preparar magia antecipadamente. Com a configuração certa, podiam ser ativadas sem encantamentos, e se ela conseguisse invocar vários ao mesmo tempo, poderiam fornecer um poder de fogo confiável conforme subia de nível. Sempre ouvi dizer que era uma classe valiosa, mas agora, vendo com meus próprios olhos, percebia o quão promissora era.

Sorri para Marie, cheio de expectativas.

— Bom, então, Srta. Elfa-com-um-Futuro-Promissor, vamos aumentar seu nível o máximo possível hoje.

— Sim, estou ansiosa por isso, Kazuhiho.

Sempre fui alguém que só pensava em mim mesmo, mas ficava genuinamente feliz por poder ajudá-la. Pensando bem, nunca tive ninguém que realmente dependesse de mim. Era empolgante imaginar o quanto ela poderia crescer no futuro.

Mas antes de chegarmos à área de caça, havia algo interessante que eu queria mostrar a ela como recompensa por ter suportado a longa caminhada até ali. Era um privilégio reservado apenas para viajantes.

Conforme viramos no caminho, o ambiente ficou mais claro, como se estivéssemos saindo de um túnel. Nosso destino era uma área aberta do tamanho de um pátio escolar, com luz do sol descendo graças à ausência de um teto. Mas não era nem de longe tão quente quanto antes. Um oásis verde nos aguardava, e a elfa soltou um grito animado.

— Ahh, é tão fresco e revigorante! Nunca imaginei que haveria algo assim aqui!

— Hehe, esse é o oásis do qual falei. Veja, até há veios d'água nas paredes. Eles transbordam como névoa e criam vapor no calor.

— Apontei para as paredes úmidas e escuras, enquanto uma brisa suave soprava em nossa direção. A elfa correu até lá, se banhando na névoa e abrindo os braços com alegria. Ela parecia uma criança em sua felicidade, mas qualquer um ficaria radiante depois de uma jornada tão árdua.

Caminhei até ela e apontei diretamente para cima.

— Esta é a área central da montanha, e há um buraco enorme lá no alto. Talvez este lugar tenha se formado por acaso, quando alguém na pedreira atingiu um veio d’água e toda a água explodiu para fora.

— Nnh, ainda está ensolarado, mas aqui é tão fresco. Eu não fazia ideia de como uma névoa quente poderia ser tão agradável. Talvez eu consiga algo parecido com espíritos da água?

— Ah, é verdade. Se você conseguir controlar a vaporização, pode tornar qualquer lugar mais fresco.

A elfa me lançou um olhar verdadeiramente altivo, acompanhado de um “hmph!”.

Eu adoraria que ela aprendesse isso, só para deixar os verões do Japão mais suportáveis. Falei isso para ela, e por alguma razão, ela me lançou um olhar preocupado.

— Sobre isso... Ainda sinto uma barreira entre mim e os espíritos no seu mundo. Há uma sensação de distância, como se eu tivesse voltado a ser criança.

— Ah, entendi. Deve ser diferente entre aqui e lá, assim como é para mim. No Japão, você deve estar no equivalente ao nível 1.

Era apenas uma suposição, e ainda deixava muitas perguntas sem resposta. Por exemplo, por que consigo falar élfico nos dois mundos? Mas, como isso era apenas uma questão de linguagem, talvez fosse algo completamente diferente de habilidades mágicas.

— Cara, se ao menos eu pudesse usar meu deslocamento de longa distância no Japão... Chegaria mais rápido no trabalho e ainda ficaria com o vale-transporte.

Sim, esse comentário provavelmente me colocaria em apuros com o RH...

De qualquer forma, já que Marie podia falar a língua dos espíritos, imaginei que ela pudesse controlá-los no Japão algum dia.

— Sim. Não sei se vou conseguir, mas farei o meu melhor para me comunicar com os espíritos no Japão. Não custa tentar.

Mas, para ser sincero, era difícil imaginar ela controlando espíritos no meio do bairro Koto. Enquanto eu inclinava a cabeça, tentando visualizar essa cena, senti seu braço se enlaçar ao meu. Seus olhos brilhavam, e eu percebi que ela queria ir até o oásis cheio de palmeiras.

— Você é meio estranho. Até pouco tempo atrás, eu passava o tempo todo trancada no estudo, com o nariz enfiado nos livros. Mas agora, estou sempre saindo, experimentando comidas diferentes, vendo paisagens incríveis e conhecendo culturas de outros mundos com meus próprios olhos. Sinto que tenho tido muita sorte ultimamente.

— Digo o mesmo. Cada dia tem sido muito divertido, e eu tive a sorte de ver muitos lados seus.

Ela fez uma expressão incerta, sem saber se deveria se sentir lisonjeada ou não. Ficou um pouco corada e com um ar levemente preocupado, mas no fim, assentiu em silêncio.

À medida que continuávamos andando, percebi que o chão sob nossos pés estava mais úmido e coberto de vegetação, formando um caminho perfeito para caminharmos de mãos dadas.


Era possível aprender muito sobre o Pico Ujah apenas caminhando pela trilha. O oásis poderia ser considerado um ponto de descanso e lazer, e a civilização provavelmente se desenvolveu ao redor desse local. Restos de construções antigas podiam ser vistos na área, mas estavam parcialmente cobertos por plantas e musgo. O que um dia foi uma civilização havia se tornado ruínas e, eventualmente, se transformado em um simples oásis.

Pisei em algumas plantas rasteiras e segui em direção ao platô próximo às paredes externas, enquanto a brisa suave soprava ao nosso redor. Conduzi a garota pela mão até uma posição onde pudéssemos observar o oásis de cima.

— Eles até construíram edifícios nos penhascos ao redor... Ei, como você acha que subiam até lá? Não vejo escadas em lugar nenhum.

— Ouvi dizer que usavam escadas de madeira na época. Mas a madeira se degrada mais rápido que outros materiais, então só os edifícios ficaram. Quando essas escadas se desgastavam, elas caíam e levavam consigo as partes inferiores das estruturas, por isso algumas seções desapareceram completamente em tiras verticais.

A elfa enxugou o suor e acenou em compreensão.

Os degraus de pedra estavam apenas parcialmente intactos até aquele ponto, mas estavam em mau estado, então precisávamos subir com cuidado. Porém, era pouco mais de dois andares de altura, e o chão abaixo era de areia, então uma queda não seria um grande problema.

— Então, por que não devemos nos aproximar da água no oásis? Ela parece tão bonita.

— Ah, porque é de lá que surgem os monstros. Você ainda lembra que viemos aqui para te fazer subir de nível, certo, Marie?

Alguns segundos se passaram, e então ela assentiu.

Sim... Ela definitivamente tinha esquecido disso.

Essa era uma informação que qualquer um que visitasse essa área deveria saber. Os monstros surgiam sem parar, então esse local era amplamente conhecido como um ponto de farm de experiência.

— Tivemos sorte de não ter concorrência por perto, porque eu realmente não queria que outras pessoas vissem o meu método. De qualquer forma, espere aqui no platô, beleza? Use sua magia quando eu der o sinal.

— Espera um pouco! Você sabe que, se eu roubar o seu abate sem formarmos um grupo, não vou ganhar experiência, né?

— Sim, eu sei. É por isso que você tem que esperar o meu sinal. Vai ser mais fácil mostrar do que explicar.

Marie inclinou a cabeça, confusa.

As árvores tropicais ao nosso redor ofereciam bastante sombra, então podíamos relaxar mesmo longe da água. A elfa, sensível ao clima, parecia aliviada com isso e sorriu para mim.

— Bem, lá vou eu!

— T-Tenha cuidado, Kazuhiro!

Ela parecia um pouco preocupada, mas os monstros da área eram de nível 40, bem abaixo do meu nível 72. Acenei para tranquilizá-la e então saltei do platô. Deslizei pelas rochas e caminhei em direção ao oásis de forma descuidada, esquecendo completamente do aviso que havia dado momentos antes.

Diziam que os monstros dessa região ficavam escondidos, esperando aventureiros para se alimentar. Mas talvez fosse só impressão minha, porque às vezes parecia haver algo mais por trás disso. Eles atacavam não porque estavam famintos, mas para defender...

Vshaaa!

Do nada, um infame Koopah apareceu. A criatura surgiu com um grande jato de água, revelando sua forma redonda e bípede, semelhante a um dinossauro. O nome “Koopah” não parecia tão ameaçador, mas o crânio espesso protegendo sua cabeça tinha mais de dez centímetros de espessura, e os dentes afiados e serrilhados crescendo de seu bico eram simplesmente aterrorizantes. Infelizmente, não eram criaturas muito inteligentes, então eu não teria o prazer de conversar com esse monstro em particular.

— Nível 42, hein... Nada mal, eu acho.

Ele soltou um grasnado ameaçador e começou a chutar a areia enquanto avançava em minha direção. Para uma criatura com mais de dois metros de altura e pesando mais de 300 quilos, era surpreendentemente ágil. Quanto a mim, eu agradecia essa velocidade, pois significava que poderia voltar ao planalto onde Marie me esperava ainda mais rápido.

Primeiro, eu precisava danificá-lo apenas o suficiente para não matá-lo...

Hmm, vamos tentar atacar uma vez.

Chutei a areia e rapidamente flanqueei o monstro, que se encolheu de surpresa. Ele percebeu imediatamente que estava em desvantagem, mas ainda assim se virou para tentar me morder. Seu bico aberto estava cheio de pequenos dentes afiados, então uma mordida daquilo provavelmente despedaçaria minha carne.

— Hup!

Balancei minha lâmina para testar as águas. Ela cortou o monstro com um golpe satisfatório. Meu ataque acabou sendo fatal devido à diferença de nível, e o monstro cambaleou alguns passos antes de cair morto no chão. O sangue começou a se espalhar na areia e, depois de alguns momentos, o Koopah desapareceu da maneira típica dos monstros.

— Hmm, parece que preciso ajustar um pouco mais o ângulo. Apenas o suficiente para expor o coração...

Balancei minha espada à minha frente, ajustando minha postura enquanto repetia o movimento. Executar um golpe perfeito toda vez poderia ser um incômodo, então decidi ativar minha habilidade principal, “Reprise”. Eu tinha cerca de vinte espaços de habilidade, e três deles estavam atualmente livres. E isso era...

Vshaaa!

Uma coluna de areia se ergueu ao meu lado, e outro Koopah, um pouco maior que o anterior, surgiu. Eu tinha me esquecido de que eles tinham o hábito de atacar qualquer um que ficasse parado por muito tempo no subsolo. Eles mordiam qualquer transeunte desavisado como eu e tentavam arrastá-los para baixo da terra, mas...

— Oh, que timing perfeito. Hmm... talvez assim? Ya!

Evitei os ossos duros e cortei limpo através dos músculos. Dessa vez, pareceu funcionar melhor. A carne se abriu, revelando seu ponto fraco... embora não fosse uma visão muito agradável.

Reprise, a habilidade que ativei antes, era uma técnica que me permitia repetir uma certa ação. Eu podia memorizar um padrão de ataque específico, como fiz agora, para replicá-lo perfeitamente depois.

— Isso é mais uma habilidade para iniciantes, mas é bem útil.

Eu gostava de como ela me permitia subir de nível mesmo quando estava no modo automático. Mas eu tinha tantos espaços de habilidade disponíveis que a maioria das pessoas provavelmente não acharia isso tão... Ah, melhor acabar logo com ele para que não sofra desnecessariamente. Dei um golpe final no coração do Koopah, e ele morreu sem dificuldades.

— Agora que memorizei o movimento com Reprise... Hehe, é hora do festival de grind.

Era como se os Koopahs fossem atraídos pelo meu sorriso, pois vários outros começaram a emergir da areia. Mas eles eram como pratos sendo servidos em uma esteira rolante, e a batalha que se seguiu mal podia ser chamada de emocionante.

Respirei em um ritmo constante enquanto corria pela areia. Poucas coisas eu odiava mais do que correr maratonas no Japão, mas minha estamina era muito maior nesse mundo, então correr aqui não me incomodava.

Eu estava indo em direção ao planalto onde Marie me esperava e olhei por cima do ombro para confirmar se os Koopahs ainda estavam me seguindo. Mentalmente, os elogiei por continuarem atrás de mim, e quase senti vontade de recompensá-los por isso.

— Pena para eles. Vão receber o bastão em vez da cenoura.

De repente, parei e me virei. Como nível 72, já não ficava sem fôlego, e facilmente me esquivei das bocas cheias de dentes enquanto cortava seus corpos com minha lâmina. Abri-os com golpes satisfatórios, e os Koopahs caíram com estrondos pesados, rolando pela areia.

— Ei, você está bem?!

Parece que Marie não era muito acostumada com batalhas, pois me observava cautelosamente do alto do planalto. Acenei para mostrar que estava tudo bem e, em seguida, apontei com minha espada para o ferimento aberto do Koopah incapacitado.

— Mire aqui, Marie!

— Mas eu não vou ganhar experiência, já que não estamos em um grupo!

— Apenas tente, confie em mim!

— Se você diz... Lança de Fogo!

Assim que ela gritou o comando, o lagarto de fogo abriu a boca e lançou um projétil flamejante em forma de lança contra o Koopah agonizante. Como ela mesma disse, derrotar o monstro normalmente não lhe concederia experiência. O truque era eu desaparecer naquele instante, como se nunca tivesse estado ali.

— Bem, até mais. Over the Road.

No mesmo momento, ativei minha segunda habilidade principal, uma técnica que me permitia me mover instantaneamente para outro local. Eu não sentia vento ou aceleração durante o movimento, então parecia funcionar de forma semelhante à teletransportação. No entanto, a forma como o cenário mudava num piscar de olhos poderia ser enjoativa até você se acostumar.

— Oh, parece que funcionou. Ótimo.

Como eu suspeitava, o corpo do Koopah emitiu uma fraca luz branca assim que me afastei o suficiente. Aquela era a luz que indicava que eu havia ultrapassado o limite de distância e que o monstro não estava mais em combate comigo. Eu já havia usado essa habilidade para escapar no passado e imaginei que poderia ser útil para ajudar os outros a subir de nível, então fiquei feliz ao ver que minha ideia estava certa.

A principal função da habilidade Over the Road era permitir que alguém atravessasse rotas particularmente perigosas durante viagens. Ela me permitia me mover para qualquer ponto dentro do meu campo de visão, então eu poderia até mesmo ignorar uma rocha gigante bloqueando meu caminho. Eu havia modificado essa habilidade para ser ativada instantaneamente, mas a distância máxima de deslocamento era limitada a cinquenta metros como compensação. Havia muitas outras restrições, e eu nem sequer podia usar a maioria das armaduras devido ao limite rigoroso de peso.

Fwooosh!

A magia de Marie atingiu o coração do Koopah, e seu interior foi consumido por uma chama vermelha brilhante. O monstro gritou antes de morrer, e toda a experiência foi concedida a Marie. Assim, depois de me retirar do combate, eu estava livre para procurar o próximo grupo de monstros, ao som de criaturas explodindo ao fundo.

Eficiência era crucial quando se tratava de subir de nível. Embora, para ser sincero, eu acabasse ficando com sono ao trabalhar em silêncio por longos períodos, então talvez buscar eficiência fosse apenas um jeito do meu cérebro se manter ocupado.

— O sol estava começando a se pôr.

No início, Marie erguia o cajado com seriedade, mirava e gritava — Lança de Fogo! Mas sua voz foi ficando cada vez mais baixa conforme a falta de desafio se tornava evidente. Depois de repetir a mesma situação inúmeras vezes, ela acabou se agachando na sombra, abafando bocejos enquanto comandava seu espírito sem sequer dizer uma palavra. Parecia ter assumido de vez o papel de operadora de esteira.

Havia uma grande diferença de nível entre Marie e os Koopahs desde o começo. Ela estava no nível 27, enquanto os monstros estavam na faixa dos 40. Estava derrotando inimigos quase duas vezes mais fortes que ela com um único golpe e coletando a experiência para si, então eu conseguia ouvir a música de subida de nível com bastante frequência enquanto ela lutava.

Um por um, repetidamente, ela finalizava os monstros com o coração exposto. Ela parecia entediada, mas o progresso eficiente de nível geralmente era repetitivo e sem emoção. No entanto, esse método não seria possível sem uma habilidade de mobilidade como a minha, então talvez o que estávamos fazendo não fosse nada típico.

Ela estava derrotando um monstro por minuto, como esperado, e subiu de nível após doze minutos. Vinte e quatro minutos depois, subiu mais um nível. Depois de trinta e seis minutos, outro. Quarenta e oito minutos depois, mais um, e sessenta e dois minutos depois... Eventualmente, ela fez um símbolo com as mãos formando um "X" para mim lá do platô, indicando que havia ficado sem magia.

Ou, pelo olhar dela, talvez significasse que estava com sono demais para continuar.

Seja como for, guardei minha espada e voltei para o platô, onde encontrei uma elfa completamente exausta sentada ali.

— E aí. Parece que você subiu exatamente cinco níveis, como eu planejei.

Falei num tom animado, mas ela me lançou um olhar como se tivesse acabado de comer algo amargo. Eu realmente não esperava por isso e fiquei ali parado, com uma expressão confusa...


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