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Chapter 6 - Vol 1 : Capítulo da Pedra Mágica, Episódio 2: A Luz da Pedra Mágica

O cômodo era escuro e abafado, com inúmeras rachaduras nas paredes de pedra. O tempo havia desgastado essas rachaduras, que eram continuamente erodidas pelo sol intenso que descia de cima e pela umidade vinda do oásis.

Um rosto barbado espiava por uma das várias fendas cobertas de musgo na parede. Dali, ele conseguia ver duas crianças fazendo uma refeição juntas e não pôde evitar suspirar diante da imprudência delas. Parecia até que tinham vindo ali só para fazer um piquenique bem no meio de um campo destinado a aventureiros experientes. Mas, considerando que ainda estavam vivos, era óbvio que não eram crianças comuns.

O homem de pele curtida pelo sol, que as observava, cheirava a suor velho, e era evidente que não se lavava há dias. Seus companheiros estavam no mesmo estado, com olhares aguçados e um ar perigoso.

— Que diabos há com ele? — o homem falou, observando os dois com olhos frios. — Magricela daquele jeito, mas o moleque é um monstro.

— Ele deve estar no nível 50... Não, uns 60, talvez. Koopahs são rápidos e resistentes, mas a elfa que tá com ele é uma feiticeira. Ela deve estar usando algum feitiço para reduzir a defesa deles. Mesmo assim, eles estão dizimando esses Koopahs como se nada fosse.

O homem, que parecia ser o líder do grupo, acariciou a barba, pensativo. Então, seus olhos amarelados focaram nos pertences dos dois, e ele ativou Olhos do Catador. Essa habilidade mirava em objetos, tornando sua detecção difícil. Além disso, não era uma habilidade muito comum, então poucas pessoas tinham meios de se proteger contra ela. No entanto, o que a técnica revelava era apenas o valor do objeto alvo.

Dentro da bolsa, havia sangue e escamas de um arkdragon, itens extremamente valiosos. Os olhos do líder brilharam diante do tesouro, e ele abriu a boca pegajosa.

— Oho, isso sim é um tesouro suculento naquela bolsinha! Rapazes, preparem-se para agir.

A empolgação do grupo cresceu com aquelas palavras. Se o líder dizia que valia a pena, então os dois deviam estar carregando ainda mais riquezas.

Mas o fato de que aqueles homens estavam sorrindo com tanta confiança, mesmo estando claramente em desvantagem de nível, era bem estranho. Um dos motivos para isso estava na corrente que seguravam nas mãos. Eles puxaram a corrente com força, e algo parecido com um pequeno cobertor rolou para fora da escuridão. Então, a coisa se mexeu, revelando uma pessoa esguia envolta em um manto. A figura era bem menor do que o restante do grupo, e os braços finos que apareciam sob a túnica tremiam de medo.

O líder se aproximou da figura franzina, que virou o rosto para longe dele e se encolheu ainda mais. Isso fez com que sua já pequena silhueta parecesse ainda menor.

— Ora, ora... Não precisa ter medo, certo? Esse é um trabalho muito importante para todos nós. Se não ganharmos dinheiro, vamos morrer de fome. Quero dizer, quantas pessoas você já matou até agora? O que mais um ou dois pirralhos vão fazer de diferença?

— Ah!

Os olhos sob o capuz se arregalaram de horror, e o corpo da figura continuou tremendo. O grupo de homens riu grosseiramente ao ver o pavor do encapuzado, já sonhando sobre como gastariam o saque que estavam prestes a conseguir. Comprar novas armas era uma opção, mas ainda tinham as várias que haviam conseguido no passado. Então, decidiram que já estava na hora de gastar o dinheiro em algo diferente de equipamentos.

Aquelas crianças pareciam não ter ideia de que as ruínas onde estavam haviam sido designadas como zona de perigo pelo país. Havia inúmeros relatos de desaparecimentos não resolvidos e casos sem solução, com muitas pessoas que nunca mais voltaram do oásis...

E hoje, novas vítimas estavam prestes a ser adicionadas àquela lista.

+ + + + + + + + + +

Era hora do almoço, mas Marie tinha uma expressão sombria no rosto. Ela sempre aproveitava seu bentô com alegria, mas, dessa vez, um ar de melancolia a envolvia.

Será que eu fiz algo para chateá-la?

Comecei a suar só de pensar nisso enquanto a observava, e então ela murmurou amargamente:

— Cinco níveis em pouco mais de três horas... E eu levei anos para subir só um...

— É... hm, parabéns. Eu já imaginava que você conseguiria, e seus feitiços foram incrivelmente rápidos e precisos.

Havia um pouco de bajulação ali, mas essa também era a minha opinião sincera. Eu já tinha passado muitos anos nesse mundo, mas era a primeira vez que via Feitiçaria Espiritual em ação. Na minha visão, ela tinha um potencial incrível.

Como esperado, a habilidade de preparar um encantamento antecipadamente e lançá-lo logo no início da batalha era uma vantagem enorme. Além disso, seus feitiços eram incrivelmente precisos, como sua personalidade meticulosa sugeria, e ela não errava um único disparo, mesmo enfrentando um grande número de monstros. Ela realmente tinha a desvantagem de um progresso mais lento no nível, já que precisava treinar Magia Espiritual e Feitiçaria ao mesmo tempo, mas isso era algo natural. Ainda assim, o potencial que ela demonstrava mais do que compensava isso. Definitivamente, eu a consideraria uma late bloomer.

Minha avaliação geral sobre sua classe era: “Uma feiticeira que pode atacar primeiro... Isso parece bem interessante.”

Eu fui arrancado desses pensamentos despreocupados quando seus olhos roxos me encararam, e comecei a suar profusamente. Suas bochechas ligeiramente infladas eram adoráveis, mas havia uma intensidade estranha no olhar dela.

— ...De que adiantaram todos esses anos de esforço até agora?

— M-Mas você ainda teve que aumentar os níveis das suas habilidades separadamente, então seu esforço valeu a pena nesse sentido, certo?

Tentei tranquilizá-la, mas Marie ainda parecia descontente e soltou um “hmm...”. Logo depois, bufou de leve e começou a falar calmamente, como se tivesse mudado de ideia.

— Não, não é isso. Eu devo simplesmente te dizer como me sinto de verdade.

O-O que agora? Será que ela estava brava com alguma coisa?

A observei, meu coração acelerado, e então a elfa respirou fundo antes de confessar:

— Meus colegas da Guilda dos Feiticeiros sempre se gabavam de seus níveis, então é muito bom ter ultrapassado eles! Eu já estava farta daqueles inúteis cujo único talento era subir de nível! Bom, azar o deles, porque agora eu não só os derrotei em habilidade, como também em nível!

— O-Opa... Isso, uh, deve ter sido difícil...

Marie despejou suas frustrações com um olhar intenso no rosto, e cara, esse tipo de meritocracia parecia assustador... Soava como um pesadelo para uma pessoa comum como eu, e me lembrava dos ferozmente competitivos exames de entrada na universidade.

A Feiticeira Espiritual parecia estar se sentindo melhor depois de confessar seus sentimentos sinceros. Ela ficou bem mais animada depois de desabafar, e retomamos nosso almoço com sorrisos contidos.

— Mas é uma pena termos ficado separados por tanto tempo. Eu estava ansiosa para conversar com você enquanto subíamos de nível juntos. Você é divertido de se estar por perto, sabia?

— Hã, eu sou? Mas, sinto o mesmo. Eu nunca havia subido de nível com alguém antes, então, na verdade, estava animado o tempo todo.

Sorri ao dizer isso, e a expressão da elfa ficou ainda mais feliz. Seus olhos lilás claros pareciam brilhar enquanto ela sorria para mim, e parecia que tudo ao seu redor se tornava mais radiante.

Os belos olhos de Marie estavam fixos nos meus quando ela voltou a falar.

— Talvez eu seja um estorvo para você agora, mas um dia, você não vai saber o que fazer sem mim.

Seu sorriso tímido parecia dizer “Espere só para ver!” e eu tinha que admitir que aquilo fez meu coração disparar. Aquele sorriso me fez pensar, e até mesmo desejar, que talvez ela fosse ficar comigo para sempre.

Suas bochechas estavam levemente coradas quando ela exibiu um pouco de seus dentes perolados, e eu não consegui evitar de encará-la, apesar da minha idade.

Caramba, como ela pode ser tão absurdamente fofa?

Eu estava passando por todo tipo de emoção internamente, mas consegui responder:

— Vou estar ansioso por isso.

Eu tinha que ao menos parecer um adulto calmo e centrado.

E assim, passamos um tempo descansando e aproveitando um chá para ajudá-la a recuperar seu poder mágico. A quantidade de mana que cada pessoa tinha variava, e no caso de Marie, parecia estar na faixa mais elevada do espectro.

Os métodos mais comuns para restaurar magia eram descansar ou usar poções restaurativas. Mas esses itens eram caros, e eu gostava de passar um tempo tranquilo assim, então duvidava que fôssemos usá-los com frequência.

— Mmm, o vento está agradável. E a paisagem é linda, desde que não haja monstros por perto. Quase parece que estamos aqui para um piquenique.

— É uma pena que gyoza e arroz frito não sejam exatamente comidas de piquenique.

— Mas são deliciosos, e é isso que importa. Até o arroz está cheio de sabor, e eu adoraria comê-lo de novo algum dia.

Um vento fresco soprava do oásis, e Marie parecia estar muito melhor. Suspeitei que seu estado irritado mais cedo tivesse sido influenciado pela falta de mana.

— Este seria um bom local para subir de nível, se não fosse esse calor. E, felizmente, não há mais ninguém por perto.

— Sim, a vista é bonita, e acho que gosto um pouco mais de desertos agora. Embora, esse sentimento possa se reverter completamente quando tivermos que voltar pelo mesmo caminho.

Ri em concordância com o comentário da elfa volúvel.

Ao mesmo tempo, percebi que isso era exatamente o que diferenciava minha vida atual da que eu levava até pouco tempo atrás. Eu não precisava me preocupar com nada quando estava sozinho, então raramente ria assim. Olhei para o céu azul e limpo, pensando em como minha vida estava começando a mudar nesse aspecto.

Sacudi a poeira dos joelhos e me aproximei um pouco mais de Marie.

— Certo, vamos verificar suas habilidades agora... Agora que você está no nível 2... Isso, você ganhou um novo slot de habilidade. Por que não equipa esse Grand Experience? É uma habilidade bem rara, e eu realmente fico com inveja de você poder usá-la.

— Oh, talvez eu use, já que não vou precisar trocar nada. Você não tem nenhuma habilidade do tipo aumento de experiência, Kazuhiho?

Eu não entendia muito dessas coisas porque não conversava com muitas pessoas, mas já tinha ouvido que não era comum para alguém com habilidades tão variadas como eu conseguir acesso a isso. Por outro lado, era mais provável que especialistas como Marie tivessem essa opção disponível.

— Hmm, não sei bem o motivo, mas talvez só seja adequado para certos tipos de pessoas. No seu caso, você tem muitos tipos de habilidades, como pesca, idiomas e mobilidade. Minhas habilidades estão todas relacionadas entre si, então melhorar uma delas acaba afetando as outras de alguma forma. Talvez seja por isso?

Achei que entendia o que ela queria dizer... Mais ou menos?

De qualquer forma, as novas habilidades deveriam melhorar ainda mais nossa eficiência, o que sempre era bem-vindo para uma classe difícil de evoluir como a de Feiticeira Espiritual. Ainda faltava um tempo para o pôr do sol, então provavelmente poderíamos ganhar mais alguns níveis antes disso.

Enquanto pensava nisso, senti um calafrio percorrer minha espinha. A habilidade Intuição, que eu havia melhorado para evitar emboscadas de monstros, estava me alertando de que alguém nos observava com más intenções. Imediatamente, lembrei dos múltiplos olhares que senti nos observando quando chegamos aqui.

Que estranho... Eu não achei que fossem uma ameaça na hora.

Eu já estava ciente de que havia algumas figuras suspeitas se escondendo por perto. Esse era um dos motivos pelos quais eu queria continuar subindo de nível e diminuir a diferença de poder entre nós. Achei que acabariam indo embora, mas pelo visto, as coisas não saíram como planejado.

De repente, vi algo brilhando no alto.

— O que foi, Kazuhiho?

— Ali. Tem alguém naqueles prédios...

Olhei para cima e vi uma figura parada em um edifício perto do meio de um penhasco. Nós dois ficamos parados, com as sobrancelhas franzidas, observando quem quer que fosse.

Era difícil enxergar por causa da distorção causada pelo calor, mas dava para ver seus membros magros sob as vestes sujas que vestia.

Ao observar mais atentamente, percebi as correntes em suas mãos e pés, e consegui enxergar vestígios de pelos, o que sugeria que era um meio-bestial.

— Uma criança meio-bestial? E... ela está segurando um catalisador mágico? — murmurou Marie.

Apertei os olhos para tentar enxergar melhor e, de fato, a criança segurava uma pedra na mão. Aquilo devia ser o que eu vi brilhando antes. Mas o que uma criança estava fazendo num lugar como esse?

Continuamos observando quando, de repente, a criança jogou a pedra para o alto. A luz ficou ainda mais forte, até que...

RUMBLE-RUMBLE-RUMBLE...

Um tremor ecoou do fundo do oásis, e enquanto Marie e eu nos aproximávamos um do outro, um buraco começou a se abrir no chão diante de nós. Ele se formou como um poço em forma de cone, e algo parecia estar emergindo de suas profundezas.

A areia foi lançada para o ar quando uma cabeça gigante começou a se revelar. Apenas a cabeça devia ter pelo menos dois metros, com inúmeros olhos espalhados pelos lados. Seu corpo contorcido surgiu logo depois, enrolando-se como uma serpente enquanto espalhava areia por todo o oásis.

GRRRK...

GRRRRRRK!

Abriu sua boca cheia de tentáculos e soltou um rugido alto. A areia explodiu no ar em uma onda radial, e sentimos um forte impacto quando a criatura emergiu completamente do poço.

— Ah!

O rugido da criatura por si só parecia um soco na cabeça. Marie soltou um grito, e eu a envolvi em meus braços para protegê-la. O monstro deve ter ouvido, pois todos os seus inúmeros olhos se voltaram para nós de uma vez. A visão foi o suficiente para me fazer arrepiar, apesar de ser um aventureiro experiente.

— Ele nos viu!

Ele se movia de forma serpenteante enquanto avançava em nossa direção, destruindo todas as árvores em seu caminho.

Eu não conseguia pensar no que fazer. Já tinha usado minha habilidade de movimento de longa distância para o dia, e o limite de peso me impedia de usar a de curta distância.

— Espera, já sei! Marie, fique parada!

Antes que ela pudesse responder, apertei-a contra mim e esperei o monstro se aproximar.

A enorme criatura avançava cada vez mais, abrindo a boca tão larga que parecia que iria se partir ao meio. Então, logo em seguida, uma corrente turva de areia fervente foi lançada contra nós. Fomos engolidos pela torrente, e, mesmo que o calor fosse capaz de derreter aço, eu jamais soltaria a garota em meus braços.

Era a única saída.

Para que saíssemos vivos dali, eu tinha que abraçar a elfa e morrer com ela, assim como fizemos ao enfrentar o dragão-arca.

+ + + + + + + + + +

Marie e eu nos sentamos na cama. Nos encaramos, ainda com o sono nos olhos, soltando suspiros de alívio ao mesmo tempo.

Eu pensei: "Nossa, ainda bem que era só um sonho", e, sem perceber, abracei o corpo esguio ao meu lado.

— Eep!

Mesmo tendo acabado de acordar, talvez eu tenha me empolgado um pouco. O calor que sentia através do pijama era confortável demais e, depois de ficarmos assim por um momento, a garota me abraçou de volta, gentilmente.

Ainda nessa posição, Marie sussurrou no meu ouvido:

— Isso foi insano... Meu coração ainda está disparado, tenho certeza de que dá para sentir.

— Sim, preciso admitir que também fiquei surpreso. Mas que diabos era aquela coisa?

Eu não conseguia me lembrar, já que o sonho havia acabado, mas aqueles bandidos com certeza deviam estar revirando tudo em busca dos nossos corpos e pertences nesse exato momento. Azar o deles. Nós éramos um caso especial. Nossos pertences desapareciam completamente sempre que voltávamos para este mundo. Caso contrário, nossas roupas, e até mesmo a roupa íntima, ficariam largadas pelo chão todas as vezes.

— Oh, já são seis da manhã.

Os grandes olhos roxos da elfa se voltaram para a parede.

— De certo modo, o timing foi perfeito. Você vai se preparar para o trabalho agora, Kazuhiho?

Por mais real que o sonho tenha parecido, infelizmente eu ainda precisava encarar a realidade do Japão. A garota entendia isso e me lembrava do trabalho, mesmo depois da loucura que tínhamos acabado de vivenciar no mundo dos sonhos. No entanto, balancei a cabeça em resposta à pergunta dela.

— Não, hoje é sábado, então estou de folga. Posso te ajudar nos estudos ou... Ah, que tal sairmos hoje? Vamos ver... Onde seria um lugar que você gostaria de ir...?

Afastei o cobertor e abri as cortinas enquanto pensava. O dia começava a clarear lá fora, e nosso fim de semana no Japão estava prestes a começar.


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