Evitei ligar a TV ao acordar porque queria aproveitar a sensação de ainda estar imerso nos meus sonhos por um pouco mais de tempo.
Sentei-me em uma cadeira e relaxei enquanto tomava uma bebida quente. Com a noite pela frente, voltei à minha vida cotidiana normal.
— Gostaria de algo quente para beber, Marie?
— Oh, isso seria maravilhoso. Me sinto como uma realeza, recebendo uma bebida logo de manhã.
Assim como com a TV, meus hábitos vinham mudando ultimamente. Hoje em dia, eu acordava com uma elfa do mundo dos sonhos ao meu lado, que respondia sempre que eu falava com ela. Era como se meus sonhos tivessem se estendido, e até mesmo minha vida depois de acordar estava se tornando um pouco mais agradável. Passei a ansiar menos pela chegada da noite, e o único hábito que mantive foi minha bebida matinal.
Já estava bastante claro lá fora, mas ainda era um pouco cedo para preparar o café da manhã. Levantei da cama para começar a aproveitar meu dia de folga e decidi esquentar um pouco de leite na cozinha. Pode parecer infantil, mas eu realmente gostava de leite morno. Eu bebia de vez em quando, e seu sabor simples, mas delicioso, ainda conseguia me surpreender.
Fiquei me perguntando se uma elfa preferiria mel ou açúcar, mas acabei escolhendo a primeira opção. Frutas eram praticamente as únicas formas de doce disponíveis em seu mundo, e o mel era um item de luxo difícil de obter em grandes quantidades. Levando isso em consideração, eu tinha certeza de que ela apreciaria o mel com leite.
Ding! Peguei as duas canecas do micro-ondas e as levei para o quarto — ou melhor, passei pelo balcão baixo que o separava da cozinha. A elfa estava sentada na beira da cama, observando silenciosamente o mundo lá fora.
A palavra "pitoresco" veio à mente, e era a descrição perfeita para a cena. A luz da manhã brilhava através de seu cabelo branco, cada fio reluzindo como prata trabalhada. Sua pele pálida e os olhos ametistas a faziam parecer uma obra de arte ou uma fada. Parecia que falar com ela naquele momento estragaria aquela visão perfeita, e senti um pequeno nó na garganta antes de abrir a boca.
— ...Aqui. Cuidado, está quente.
— Oh, obrigada. Desculpe, eu estava meio distraída.
— Tudo bem. Passamos por tanta coisa antes. Beba um pouco, vai te ajudar a relaxar.
Um aroma suave preencheu o ar, e seus olhos roxos encararam a caneca com curiosidade. Ela tomou um pequeno gole para experimentar e então abriu um sorriso radiante.
— Oh! Essa doçura suave é deliciosa. E não tem nenhum cheiro estranho. Que tipo de leite é esse?
— Leite de vaca. Não tem muito disso onde você mora, mas acho que vai se tornar mais comum com o tempo. Ainda assim, não acho que teria exatamente esse gosto.
Com isso, sentei-me na cama ao lado dela. Parecia que ela estava observando os passarinhos na sacada através da janela. Eles chilreavam uns para os outros e, depois de trocarem olhares, alçaram voo. O céu de primavera estava razoavelmente claro, e parecia um bom dia para sair.
Enquanto pensava nisso, a elfa olhou para mim.
— Você disse que tem o dia de folga, mas isso significa que perdeu sua fonte de renda?
— Uhh... Bem, não é como se eu fosse um trabalhador contratado. É mais como se eu tivesse um emprego fixo para alguém. Tenho direito a dois dias de folga por semana.
Ela parecia estar refletindo sobre isso, e suspeitei que, em sua mente, eu tivesse um mestre que me fazia trabalhar. Bem, suponho que meu chefe e superiores fossem algo assim... Mas não era bem a mesma coisa. Talvez eu a ensinasse sobre a estrutura da sociedade japonesa em outra ocasião.
Ela parecia gostar do leite morno e continuava tomando pequenos goles da caneca, satisfeita. Também tomei um gole, e isso me fez me sentir um pouco mais sofisticado do que o normal.
— Que tal irmos à biblioteca mais tarde? Basicamente, é um ateneu aberto ao público. Tenho certeza de que será útil para seus estudos de japonês também.
— Claro, eu não me importo. Mas não deveríamos priorizar a prática da fala?
— Sim, mas pensei que, se você encontrasse um livro que te interessasse, talvez aprendesse mais rápido.
A elfa assentiu e pareceu entender minha lógica.
No meu caso, o desejo de conversar com Marie foi o que me motivou a aprender a língua élfica... Embora admitir isso para ela fosse um pouco embaraçoso. Mas eu sabia que curiosidade e interesse são forças poderosas que tornam o aprendizado muito mais eficiente.
Ela estava completamente relaxada ao terminar seu leite, e logo depois decidimos sair para tomar café da manhã.
Assim que saímos do condomínio, Marie ficou ligeiramente tensa. Embora suas orelhas estivessem escondidas sob o chapéu, as pessoas ainda se viravam para olhar sua aparência fora do comum. Para piorar, aqueles veículos conhecidos como carros, que ela ainda não compreendia direito, estavam por toda parte. Justo quando eu começava a me perguntar se ela ficaria bem, a garota deu um passo à frente lentamente.
— Oh, não fique tão preocupado. Sou uma elfa que tem a chance de passar um tempo no mundo dos humanos. Vou ficar bem, desde que você esteja aqui comigo.
— Fico feliz em ouvir isso. Então, quer segurar minha mão?
Marie pareceu um pouco envergonhada, mas assentiu em resposta. Havia uma diferença notável de altura entre nós, mas eu sentia que não havia distância alguma. Seus dedos delicados entrelaçaram-se aos meus, e ela sussurrou:
— Certo, vamos.
Isso foi tudo o que precisou para que meus passos ficassem mais leves.
— Sim, vamos dar uma volta pela margem do rio. Poderíamos ir de carro, mas prefiro aproveitar meu dia de folga caminhando com você.
— Ora, não é um belo falastrão? Você sempre fala assim com... Hmm, não, acho que não. Provavelmente só faria alguém bocejar com esses seus olhos sonolentos.
Meu rosto parecia realmente tão sonolento assim? Claro, eu estava longe de ser alguém que sabia flertar, e provavelmente pareceria ridículo se tentasse. Seria cruel esperar algo assim de um japonês comum como eu.
À medida que avançávamos, começamos a ver mais árvores e o ambiente foi ficando um pouco mais escuro. Caminhamos um pouco mais até encontrar um calçadão ao longo da margem do rio e passamos pela entrada do estacionamento para acessar a trilha de terra. Havia um caminho mais novo e bem mantido, mas esse lado era apenas terra batida. Ainda assim, para a elfa, aquilo não parecia ser "natureza" de verdade.
— Ah... Até construíram coisas sobre o rio. É bonito, mas os espíritos aqui não parecem muito animados.
— O controle de enchentes é muito importante nesta região. Antigamente, havia muitas inundações. Ouvi dizer que isso acontece desde o período Edo, então trabalham no controle dos rios há quase quatrocentos anos.
Marie suspirou com uma expressão que misturava surpresa e exasperação. Em seguida, voltou a encarar o rio, seu olhar percorrendo a correnteza de cima para baixo. Seu rosto parecia refletir as almas corajosas que enfrentaram aquelas enchentes no passado.
— Então, você também consegue ver os espíritos da água, certo? Sabe o que estão dizendo agora?
Apoiei-me na cerca ao lado de Marie e fiz a pergunta enquanto o vento agitava seus cabelos. No entanto, ela balançou a cabeça de um lado para o outro e disse:
— Não consigo ouvir suas vozes direito. Acho que preciso interagir mais com eles. Estou pensando em tentar quando tiver um tempo, mas—
Ela parou abruptamente por algum motivo e ficou olhando fixamente para algo à minha frente. Achando estranho, virei-me e vi algo bastante comum na área central da cidade.
Ali estava um gato, nos observando da base de uma árvore. Pelo colar em seu pescoço, não parecia ser um vira-lata. Provavelmente só estava aproveitando um passeio matinal.
— Oh, um gato. Agora que penso nisso, não há nenhum animal parecido no outro mundo.
— Aww, que pequenino! Você se chama "gato", é isso?
O gato miou afetuosamente e olhou para Marie com seus olhos redondos. Seu nariz era de um rosa claro, e sua pelagem parecia macia e fofa, como um pintinho coberto de penugem.
— Você é um menino? Qual é o seu nome?
Marie realmente parecia a meio-fada élfica que era, com os olhos levemente semicerrados e sussurrando suavemente. Ela era bem mais calma do que as garotas da minha idade, provavelmente porque já havia vivido mais de cem anos.
— Hehe, tão fofo e pequenino. Existem muitos gatos por aqui?
— Sim. Esta é a área central da cidade, e muitas pessoas têm gatos por aqui. Também há alguns vira-latas espalhados.
Marie não percebeu porque estava olhando para mim, mas o gato se espreguiçou e depois decidiu se aproximar dela. Ele se inclinou em direção ao seu dedo estendido e deu uma cheirada. Ela pareceu um pouco surpresa ao notar o que estava acontecendo, então, lentamente, abriu um sorriso.
— Ahhh...
— Acho que ele está te cumprimentando. Mas não toque nele ainda. Gatos avisam quando querem ser tocados, então você precisa esperar.
Ela se mexeu um pouco quando o pelo do gato fez cócegas em sua pele, depois olhou para o bichano com um brilho nos olhos. Ouvi dizer que gatos costumam gostar de pessoas calmas e de estatura menor. Marie era de porte delicado, então talvez fosse mais provável que os gatos gostassem dela.
O gato finalmente encostou o rosto na ponta de seu dedo. Marie me olhou sem dizer nada, mas seus olhos diziam claramente: "E então? Posso tocar agora?!" Não consegui evitar sorrir ao assentir com a cabeça.
— Certo, gatinho, vou te tocar agora... Ohh, tão macio...
Ela começou a acariciá-lo cuidadosamente, e o gato pressionou o rosto contra sua mão, como se pedisse mais carinho. Ela coçou o queixo do gato, logo abaixo da coleira, com seus dedos esguios, e ele miou de satisfação. Seu corpo relaxou completamente, e ele começou a ronronar audivelmente. A vibração causada pelo ronronar pareceu ser demais para Marie, que se inclinou para trás e olhou para mim com os olhos bem abertos de felicidade. Nunca vi seus olhos roxos tão arregalados, e vê-la corar de empolgação infantil era quase fofo demais para suportar.
O gato parecia estar tão confortável que rolou de barriga para cima diante de Marie. Ao ver isso, seu sorriso alegre se transformou em pura euforia.
— Hehe, você gosta de carinho aqui, não gosta? Mrooow.
Uma elfa tão absorvida em acariciar um gato era uma cena peculiar. A imagem de Marie miando como uma criança se repetia na minha cabeça. Era como se ela quisesse me fazer sorrir sem parar.
Eu não sabia o que fazer. Estava me segurando tanto para não rir que comecei a tremer.
O gato aparentemente já tinha recebido carinho suficiente, pois se levantou e foi embora com um último "miau". A elfa o observou partir com uma expressão decepcionada e só se levantou depois de vários minutos.
— Ahhh... Você viu isso? Tão adorável!
Suas bochechas estavam coradas enquanto falava com alegria, e ela correu os dedos pelo meu braço como se ainda estivesse acariciando o gato. A sensação de cócegas foi demais, e finalmente explodi em risadas.
— Pfffaha! Sim, aquele gato era adorável. Isso foi incrível!
— Não foi? Nãão foi? Foi maravilhoso! Suspiro... Será que aquele gato vai brincar comigo de novo... Oh, vamos voltar aqui outra vez, Kazuhiro!
Havia um olhar determinado em seu rosto, como se estivesse assumindo uma missão importante. Ela parecia orgulhosa de ter descoberto aquele lugar de encontro com o gato, e eu assenti em resposta.
Segurei sua mão, que agora estava mais quente do que antes, e continuei caminhando pelo calçadão.
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Havia muitas instalações públicas como bibliotecas nesta região, entre elas um terraço onde se podia ler livros. Mas esses lugares eram mais comuns em áreas recentemente desenvolvidas, então ficavam um pouco longe para ir a pé. Hoje, eu só queria encontrar algo que agradasse a Srta. Elfa, então a levei a um cantinho mais discreto.
— Ah! Eu... Eu não fiquei surpresa com essas portas que abrem sozinhas nem nada... Só soltei um som porque o vidro se moveu, só isso.
Eu não me importei com sua reação; já esperava por isso.
Marie parecia ter uma resistência contra o Japão moderno ou algo assim...
Ela olhou várias vezes ao redor antes de finalmente entrar na biblioteca. Como havia acabado de abrir, poucas pessoas estavam lá, mas o prédio era bem climatizado. As paredes estavam decoradas com artes e artesanatos feitos por crianças, além de cartazes apresentando diferentes livros. A garota élfica os observava com grande interesse, então também me aproximei. Ela parecia fascinada pelos papéis coloridos. Pegou um pedaço de origami rosa e soltou um som de admiração.
— Este lugar chamado "biblioteca" é bem diferente do que eu imaginava. Pensei que seria mais escuro e empoeirado. Afinal, luz solar é basicamente veneno para os livros.
— Hã, eu não sabia disso. Nunca fui a um... como é que chama? Ateneu? Mas acho que faz sentido. Couro e papel são sensíveis à luz e ao calor.
No outro mundo, os livros precisavam ser escritos à mão, então eram naturalmente caros. Apenas pessoas com status social, como nobres e feiticeiros, podiam entrar em instalações semelhantes. Havia algumas lojas que vendiam livros para o público em geral nas cidades, mas eles ainda estavam longe de se tornarem comuns. O fato de as bibliotecas aqui parecerem voltadas para crianças também a surpreendeu bastante.
— Vamos olhar o diretório primeiro... Hmm, acho que um livro com muitas ilustrações seria bom... Agora, onde fica a seção infantil...?
— Seu mundo deve ser bastante avançado se as crianças podem ler livros.
Certo, não havia tecnologia de impressão no mundo dela. Mas, como compensação, apenas informações valiosas eram registradas nos livros. Pelo menos, foi isso que pensei que ela quis dizer, mas Marie balançou a cabeça.
— Não, estou falando sobre a taxa de alfabetização. Apenas cerca de trinta por cento da população sabe ler no meu mundo, e os livros geralmente são usados apenas pela nobreza e por nós, feiticeiros.
— Ah, é verdade. Mas não saber ler realmente não afeta a vida por lá, né?
Para uma feiticeira como Marie, saber ler era algo óbvio. Sua missão era desvendar os mistérios das artes secretas, então decifrar aqueles amontoados de informações fazia parte do básico de sua função. Já os nobres tinham o dever de aprender a ler para não serem enganados por contratos com palavras traiçoeiras ao gerenciar dinheiro e propriedades. O restante da população não tinha missões ou trabalhos tão importantes e se preocupava mais com o que comer no dia.
Suponho que a única outra situação em que as pessoas precisariam ler seria ao verificar suas telas de status. Mas, mesmo nesses casos, poderiam simplesmente pedir para outros aventureiros ou para a guilda explicarem o significado de cada termo. Duvido que qualquer um deles sentisse prazer no ato de ler. Esse pensamento poderia ser completamente transformado se algo como mangás existisse no mundo deles...
— Certo, Marie, vamos para a seção infantil por enquanto.
— ...Espere um instante. Você pretende me fazer ler um livro para crianças?
— Ah, só pensei que talvez tivesse algo lá que te interessasse. Se não tiver, podemos apenas passar direto e continuar olhando.
Ela estreitou seus olhos roxos, e percebi que a deixei um pouco mal-humorada. Dava para notar que ela estava relutante em olhar livros infantis sendo uma Feiticeira Espiritual.
No fim, apenas a convidei para dar uma olhada, e ela me seguiu de má vontade.
Assim que entramos na sala de leitura, uma visão familiar preencheu minha mente. Já fazia um tempo que eu não vinha aqui, mas eu visitava esse lugar com frequência desde o ensino fundamental. Os cheiros e imagens nostálgicos me transportaram de volta àqueles dias passados...
Uma coisa que apreciei foi que a recepcionista nos cumprimentou sem ficar encarando a garota elfa. Era ótimo saber que ela respeitava o espaço pessoal das pessoas para que pudessem ler em paz.
— Hã, eu a reconheço...
Se me lembro bem, já havia falado com essa mesma recepcionista algumas vezes no passado. Mas hoje era sobre Marie, então deixei a conversa para outra hora.
— Que lindo... Tantas cores... — murmurou Marie, maravilhada, enquanto caminhava entre as estantes.
As fileiras de livros tinham lombadas coloridas, e a elfa olhava para cada uma delas com um olhar cheio de curiosidade.
Então, ela parou de repente.
Virei para encará-la e percebi que seus olhos roxos estavam fixos em um único ponto na prateleira. Dei alguns passos para trás para ver o que ela estava olhando, então percebi o que havia chamado sua atenção.
Era um gato na capa de um livro.
Ele nos olhava com seus olhos arredondados e brilhantes, parecendo muito real, embora usasse um chapéu elegante. Marie tinha brincado com um gato mais cedo, revelando um lado dela que eu não costumava ver.
— Encontrou um livro de que gostou?
— N-Não é isso. Apenas... as cores vibrantes chamaram minha atenção.
Respondi com um “uhum” enquanto pegava o livro que ela estava encarando. Era mais pesado do que eu esperava, e dava para ver pela contracapa que ele havia sido publicado no exterior.
— Por que não damos uma olhada? O interior também é bem colorido.
— Eu disse que não estou interessada...
Ela continuava me lançando olhares curiosos enquanto falava isso. Sorri diante da forma como tentava esconder seu interesse e virei a página. Então, a história do gato parecia ganhar vida diante de nossos olhos.
— Se bem me lembro, essa série fala sobre um gato que viaja por diferentes países. Era bem mais popular antes, e lembro que sempre estava emprestado — expliquei enquanto Marie observava o livro.
Então, ela voltou seu olhar redondo para mim.
— O quê? Não é mais popular? Mas é um livro tão bonito...
— Até livros infantis seguem tendências. Mas ainda pode voltar a ser popular... Que tal sentarmos um pouco?
Apontei para as cadeiras arredondadas próximas, e nos sentamos lado a lado.
Lá fora, o tempo havia ficado bem mais claro, e a luz do sol refletindo no chão aquecia o ambiente. Era uma sensação estranha ver uma elfa de um mundo de fantasia segurando minha manga em meio a uma sala cheia de livros infantis.
— Esse gato se parece muito com o que vi hoje de manhã. Ele é tão fofo, mas o livro...
— Por que não dá uma lida? Os livros querem ser lidos, sabia?
Virei para a próxima página, e o gato havia saído para começar sua aventura. A elfa se inclinou tanto que nossos rostos quase se tocaram, então espiou o livro ilustrado.
— Eu queria, mas... Ainda não consigo entender esses caracteres.
— Isso é um costume em alguns países, mas dizem que se você ler antes de dormir, terá um sonho agradável. Se escolher um livro de que goste, posso ler para você em casa.
Marie piscou algumas vezes e virou-se para mim.
— Podemos pegar esses livros emprestados? Mas alguém pode sujá-los... ou até roubá-los!
— Verdade, mas nós vamos cuidar bem deles. Só podemos ficar com eles por um tempo limitado, então vamos voltar juntos para devolvê-los depois.
Ela puxou minha manga algumas vezes, com a mesma expressão que fez ao ver o gato antes. Imagino que estivesse pensando em desvendar o mundo dentro daquele livro antes de cair no sono.
Disse a ela que estava decidido e fechei o livro, então o ofereci para ela. Marie o segurou com carinho em suas mãos, seu sorriso parecia iluminar o ambiente enquanto ela respondia adoravelmente:
— Ok!
Até a recepcionista parecia corar e aproveitar a expressão feliz da elfa.
— Obrigada! Mal posso esperar!
Era como se flores estivessem flutuando e dançando ao redor da cabeça de Marie.
— Certo, então vamos procurar mais alguma coisa que você possa gostar.
Decidi ignorar o fato de que geralmente eram crianças que ouviam histórias antes de dormir...
De qualquer forma, eu queria ler para ela. Já conseguia imaginá-la esfregando os olhos sonolenta e pedindo para ler só mais um capítulo... Hmhm, mal podia esperar.
— Enquanto observava Marie comparando animadamente dois livros ilustrados, tive um pensamento:
Hm, então Marie tem interesse por ilustrações...
Pensando bem, apreciar arte era algo reservado a poucos, como a nobreza. Era uma forma de entretenimento sofisticada, que a maioria das pessoas não consideraria adequada para crianças. Talvez por isso Marie tenha percebido seu encanto pela primeira vez nesta biblioteca.
Refletindo um pouco mais, percebi que muitas crianças aprendiam a linguagem primeiro com livros ilustrados e animes. Nesse sentido, animes poderiam ser uma boa forma de ela aprender japonês também. Mas eu precisava evitar algo infantil demais, que pudesse entediá-la. Precisava encontrar algo interessante e envolvente tanto para crianças quanto para adultos...
Então, tive uma ideia.
— Hm, isso pode funcionar. Acho que vou alugar um filme no caminho de volta para casa.
No instante em que murmurei isso para mim mesmo, a garota elfa se levantou da cadeira, segurando os livros cuidadosamente nos braços. Depois de pensar bastante, ela escolheu três volumes da série de livros ilustrados sobre o gato que havia encontrado antes. Na verdade, ela própria me lembrava um pouco um gato, com seu jeito imprevisível e aqueles olhos brilhantes que, às vezes, pareciam me observar atentamente.
Ela ergueu o olhar com uma expressão de dúvida, o que só reforçou sua semelhança com um gato na minha mente. Ficou ali, com a cabeça inclinada de leve, e eu coloquei a mão sobre o chapéu que usava. Seria bom se ela me deixasse acariciar sua cabeça à vontade, como aquele gato fazia por ela...
— Você está pensando faz um tempo. Não encontrou mais nada de que gostasse?
— Bem, encontrei um livro com um sapo na capa. Foi bem injusto. Quem não teria dificuldade para decidir?
Segui seu olhar até um livro com um sapo de expressão presunçosa na capa. Fiz uma anotação mental: parece que ela gostava de personagens metidos como aquele.
Talvez ela gostasse de alguns produtos de marca desses personagens? Poderia ser divertido levá-la àquele enorme complexo comercial que sempre causava confusão se ficava em Chiba ou em Tóquio... Isso estava me dando várias ideias de lugares para levá-la no futuro.
— Bom, então vamos registrar esses livros na recepção.
— Certo! Vamos lá! — A elfa ainda parecia imersa no mundo dos livros ilustrados, pois caminhava com passos leves enquanto a levava até o balcão de atendimento.
A funcionária do balcão nos cumprimentou, pegou os livros que Marie entregou e sorriu. Seu cabelo caía até os ombros, e ela tinha um ar tranquilo.
— Com licença, gostaria de pegar esses livros emprestados.
— Claro. Faz um tempo, Kitase-san. Vejo que hoje você está acompanhado de uma garota fofa.
Eu já tinha vindo a este lugar algumas vezes, então já era conhecido da recepcionista. Não parecíamos ter uma diferença de idade muito grande, e, pelo anel em seu dedo, percebi que era casada.
— Ah, ela é uma parente do exterior. Parece gostar de livros ilustrados, então acho que voltaremos aqui de vez em quando.
— Ah, ficarei no aguardo. Posso saber seu nome? — Seu cabelo preto e sedoso balançou levemente enquanto ela se inclinava um pouco sobre o balcão para olhar Marie.
Percebi que era uma boa oportunidade para um exercício básico de japonês, então traduzi a pergunta para a elfa e ensinei rapidamente algumas frases. Ela as repetiu algumas vezes para si mesma antes de começar a falar de forma hesitante.
— H-Hallo, meu nome, é, Mariabelle.
— Sou Kaoruko Ichijo. Prazer em conhecê-la, Mariabelle-chan.
Marie estendeu a mão para um aperto de mão, um hábito que provavelmente trouxe do mundo dos sonhos. Kaoruko pareceu encantada com a mão pálida e delicada da elfa por um instante, então se levantou da cadeira de forma atordoada. Parecia que ela também havia percebido algo quase mágico em Marie.
A beleza de Marie parecia saída diretamente de um conto de fadas. Se eu fosse compará-la a uma criatura mítica, diria que ela era como um unicórnio. Talvez Kaoruko tivesse hesitado em tocar uma obra de arte como aquela.
Foi um cumprimento tímido e desajeitado, mas as duas finalmente apertaram as mãos. No entanto, pareceu ser demais para Kaoruko, pois ela soltou um "Nn!" e se remexeu um pouco, enquanto Marie se sobressaltava surpresa.
Eu entendia o que Kaoruko estava sentindo. Marie realmente parecia uma boneca adorável. Apenas vê-la se mover já era suficiente para encantar, então tocá-la deveria ser algo quase inacreditável.
A elfa me olhou com uma expressão confusa.
— Kazuhiho, por que ela colocou "-chan" depois do meu nome? Eu não falei corretamente?
— Ah, não, isso é só algo que se usa no final do nome de garotas fofas.
Ela inclinou a cabeça, intrigada, então dei uma explicação rápida. Disse que Kaoruko colocou "-san" depois do meu nome porque era um sufixo usado para se dirigir a homens e mulheres de idade semelhante ou mais velhos. Já o "-chan" era usado principalmente para se referir a pessoas mais jovens.
Marie assentiu, pensativa, e então se virou para Kaoruko para falar.
— Prazer, Kaoruko, chan.
Ah... certo... Do ponto de vista da elfa, Kaoruko era mais jovem. Mas, em vez de se importar com a forma como foi chamada, Kaoruko parecia prestes a desmaiar diante da fofura do japonês hesitante de Marie. Ela se abraçou apertado e, depois de um momento tentando recuperar o controle, ergueu a cabeça. Alguns fios do seu cabelo preto caíam sobre seu rosto, mas ela logo retomou sua postura profissional de recepcionista.
— ...Kitase-san, isso é demais para eu lidar quando ela me chama diretamente pelo meu nome desse jeito.
— Sim, eu entendo. É um problema para mim também, porque ela nem percebe o que está fazendo.
Kaoruko me olhou com olhos cheios de empatia. Eu estava sentindo uma estranha sensação de felicidade por encontrar alguém que entendia minha dor, quando, de repente, ela pareceu perceber algo e sua expressão se transformou em suspeita.
— N-Não me diga que vocês dois já—
— N-Não, não, de jeito nenhum... Eu nem teria coragem para algo assim.
— Então, se tivesse coragem, faria algo?
Droga, definitivamente não devia ter dito isso...
Mas... aquilo me fez refletir sobre sua pergunta. No fundo, eu queria evitar, acima de tudo, destruir minha relação com Marie. Não era uma questão de se eu tomaria uma iniciativa ou não, nem se eu teria coragem.
— Ela é uma garota realmente doce. Nunca faria nada que a decepcionasse.
— Sim. Sei que isso não é da minha conta, mas acho que você deveria manter esse relacionamento assim por um tempo... Agora, sobre o seu cartão da biblioteca. Você mudou de endereço desde a última vez que veio aqui?
Ah, agora que ela mencionou... Eu realmente havia me mudado uma vez desde minha última visita.
Peguei minha carteira de motorista e comecei a preencher a papelada para atualizar meu endereço. Quando entreguei minha carteira para ela, Kaoruko pareceu surpresa.
— Oh...? Este endereço... Então você mora lá também?
— Hã? Está dizendo que também mora lá?
— Seus olhos se arregalaram e ela assentiu.
Isso sim foi uma surpresa. Eu nunca tinha percebido que morávamos no mesmo lugar.
Marie puxou minha manga, e quando olhei para baixo, vi que ela me encarava com um olhar duvidoso.
— Do que vocês estão falando?
— Ah, acabei de descobrir que ela mora no mesmo condomínio que eu. Acho que ela é casada, então provavelmente mora com o marido.
— Ah, então ela é sua vizinha. Aqueles prédios têm casas embaixo e ao lado, então é difícil saber quem mora onde.
Era verdade que o conceito de conhecer seus vizinhos estava morrendo na sociedade moderna. Pessoalmente, nunca tive esse tipo de relação com os meus vizinhos, e não posso dizer que me interessava em ter. Nosso condomínio até tinha uma associação de moradores, mas eu quase nunca participava das reuniões. Comentei isso com Kaoruko, e ela concordou com um aceno de cabeça.
— A associação de moradores é mais para limpeza e simulações de incêndio. Ninguém é obrigado a participar por questões sociais.
— Isso é verdade. De qualquer forma, eu costumo passar todo meu tempo livre nos meus hobbies...
Eu nunca fui muito fã de relações sociais. Ser atencioso podia ser cansativo, e ainda teria que me preocupar em não causar uma má impressão.
Mas, espera... por que eu não sentia essa mesma aversão quando estava com a Marie?
— Hm...?
Ela pareceu confusa ao encontrar meu olhar, mas eu não tinha uma resposta. Nunca senti que estar com ela fosse incômodo, e até cuidar dela era algo que me trazia prazer. Nunca imaginei que encontraria esse tipo de questão enterrada nos meus pensamentos...
Enquanto pensava nisso, Kaoruko falou comigo.
— Vocês gostariam de sair juntos algum dia? Hm, para ser sincera, eu queria conhecer melhor a Mariabelle-san.
— Ah, uhh, entendo...
Fiquei um pouco surpreso com o convite. Era uma situação estranha. Essa mulher que eu mal conhecia estava nos chamando para sair, mas seus olhos estavam completamente fixos na Mariabelle, quase me ignorando. Não pude evitar sentir um leve desapontamento. Era como se uma garota viesse falar comigo só para me pedir que entregasse uma carta de amor para outro cara.
Mesmo assim, decidi considerar a proposta.
— Certo, tudo bem. Posso pegar seu contato, então...?
Interagir com outras pessoas poderia ser uma boa forma de Marie praticar japonês. Isso também poderia levar a encontros entre ela e Kaoruko na biblioteca enquanto eu estivesse fora. Pensando nisso, resolvi aceitar a proposta.
Mas, cara, trocar contato com uma mulher me deixou um pouco nervoso. Só o ato de adicionarmos um ao outro nas redes sociais já parecia algo incompreensível do ponto de vista da elfa. Ela piscou algumas vezes, depois agarrou um livro apressadamente ao vê-lo escorregar de suas mãos.
— H-Hey, o que você está fazendo?
— Bom, ela disse que quer te conhecer melhor. Por isso estou passando meu contato para ela. Você não se importa, né?
— Não, claro que não, mas...
Seus dedos delicados deslizaram entre os meus sob o balcão. Senti como se ela estivesse se apoiando em mim quando apertou minha mão, e meu coração começou a bater mais rápido por algum motivo. Era como se um pequeno pássaro tivesse pousado no meu dedo.
— Está tudo bem, eu vou estar ao seu lado o tempo todo. Acho que você está prestes a fazer sua primeira amiga.
Lembrei que ela era um pouco introvertida. Evitava multidões e interações com outras pessoas, então era meio parecida comigo nesse aspecto.
Ela apertou minha mão inconscientemente, depois finalmente me olhou.
— Tudo bem, então. Você vai me ensinar a saudação apropriada para essa situação?
No canto da biblioteca, a elfa pronunciou palavras de cumprimento de forma desajeitada. Pensando bem, essa foi a primeira vez que ela interagiu com alguém que não fosse eu. Ou será que o primeiro foi aquele gato...? Ou talvez a garçonete...?
As duas apertaram as mãos novamente, e parecia que a elfa havia dado mais um pequeno passo no mundo do Japão.
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Saímos da biblioteca com a sacola de livros na mão. Algumas crianças entraram enquanto estávamos saindo, e eu sorri, imaginando se estavam indo para a seção infantil. Marie teve uma reação semelhante enquanto caminhava ao meu lado, agora que entendia melhor o propósito daquele lugar.
O sol estava quase no ponto mais alto do céu, e era um bom momento para começar a pensar no almoço. Virei-me para Marie, que abraçava a sacola de livros, e disse:
— Quero passar em uma loja antes de irmos para casa. Se quiser, posso carregar os livros para você.
— Tudo bem. Mas eu mesma posso segurá-los.
Já estava estendendo a mão para pegá-los, mas fui rejeitado. Recolhi minhas mãos, que agora não tinham destino, e Marie disse:
— Você pode ser um pouco superprotetor às vezes, sabia? Acho que está se esquecendo de que sou muito mais velha do que você.
É claro que eu lembrava. Mas talvez, conforme os dias passavam, eu estivesse começando a esquecer.
Ela estreitou os olhos desconfiada, mas ainda havia um toque sonhador em sua expressão. Seu olhar baixou para os livros em seus braços, e então ela soltou um suspiro satisfeito.
— Haah... foi tão adorável... Me sinto tão sortuda por poder levar essa fofura para casa comigo. Essas bibliotecas são lugares maravilhosos, não são?
— Tem um limite de quantos livros podemos pegar por vez, mas podemos pegá-los quantas vezes quisermos. Vamos voltar e procurar mais livros juntos outra vez.
Ela assentiu e sorriu calorosamente. Parecia que sempre que ficava animada com algo, ela baixava a guarda e me mostrava aquele sorriso lindo. Eu sorri ao vê-la segurando os livros com tanto carinho e continuei caminhando ao seu lado. Não podíamos segurar as mãos enquanto ela carregava os livros, mas a aura feliz que ela exalava estava me colocando de bom humor também.
Quando chegamos ao meu quarto, decidi pegar o DVD que havia alugado no caminho para casa. Marie tinha olhado para os pacotes nas prateleiras da loja mais cedo, mas parecia bem mais empolgada na biblioteca. Achei que deveria esperar um pouco antes de apresentar a ela filmes live-action, até que se acostumasse mais com o japonês e outras formas de entretenimento.
Primeiro, fiz com que se sentasse na cama, coloquei uma almofada atrás de suas costas e então liguei o vídeo na minha TV de LCD.
— Esse é o “DVD de aluguel” que você pegou naquela loja mais cedo? O que ele vai mostrar na TV?
— Isso mesmo. Livros infantis mostram imagens estáticas, mas esses aqui são basicamente imagens em movimento. Está um pouco claro aqui, então vou fechar as cortinas.
Uma bebida e um pouco de pipoca teriam caído bem, mas eu não queria correr o risco de derrubar algo na minha cama.
— E então, o vídeo começou a rodar. Era um filme de um anime muito conhecido e apreciado por crianças e adultos em todo o Japão. Muitas famílias assistiam juntas, e muitas pessoas que cresceram assistindo ainda gostavam dele na vida adulta. Como ela gostava de livros ilustrados fofos, eu tinha certeza de que também iria gostar desse.
— Como esperado, ela soltou um som animado assim que a alegre música de abertura começou a tocar. O ritmo feliz e o tom leve eram voltados para crianças, mas a elfa arregalou os olhos de alegria.
— Essa música é tão fofa... — ela murmurou, inclinando-se um pouco mais para perto.
— Infelizmente, minha TV não era muito grande, pois foi feita para uma única pessoa. Mas se fosse maior, não caberia no meu quarto, então não havia muito o que eu pudesse fazer quanto a isso. De qualquer forma, isso não era um problema se assistíssemos de perto.
— O céu azul apareceu na tela quando a música terminou e, em seguida, os personagens começaram a ser apresentados aos poucos. Eu gostava particularmente de como eles eram expressivos. Apenas com uma expressão, conseguiam transmitir irritação ou preguiça. Isso fazia com que parecessem mais humanos, apesar de serem apenas personagens de um anime.
— Eu pessoalmente não assistia muito anime, mas a vivacidade dos personagens já era suficiente para torná-lo divertido. Essa garota também parecia imersa, piscando repetidamente enquanto encarava a tela.
— As imagens... Você tinha razão. Elas estão se movendo... Isso é magia?
— Não, acho que é feito à mão na maior parte. Um monte de pessoas se juntou e criou cada um desses quadros em movimento como artesãos.
Eu não achava que nem mesmo a magia poderia criar algo assim. Estava cheio da alma do criador, que poderia ser considerada o núcleo de qualquer boa história, e era isso que cativava tanto os espectadores. Nesse sentido, era como um livro ilustrado, e mesmo que não quisesse, a elfa foi puxada para dentro da história.
Não havia magia no meu mundo, mas aquilo tinha algo que não era muito diferente. Os mundos criados dentro dessas histórias fictícias tinham um certo charme misterioso.
— H-Hey, o que essas crianças estão dizendo? Pode me ensinar, Kazuhiro?
Ela olhava inquieta entre mim e a tela da TV, claramente fascinada. Eu queria que ela se interessasse mais pelo japonês, então não expliquei tudo. Apenas contei a ideia geral da história e deixei que ela tentasse entender o restante pelo tom e pelas expressões dos personagens. Ela parecia captar um pouco do que diziam, assentindo aqui e ali enquanto se perdia na história. Soltava pequenos aplausos nas cenas mais tranquilas e se surpreendia com os personagens misteriosos. Antes que percebesse, já estava envolvida com os jovens protagonistas.
— Hehe, aquele ali me lembra você. Esse rosto sonolento parece igualzinho ao seu.
— Hã? Você acha? Eu acho que ele está mais acordado do que eu, na verdade.
Continuamos assistindo e rindo juntos, e ela me puxava pelo peito sempre que queria que eu explicasse algo. Com o tempo, naturalmente acabamos em uma posição onde eu estava segurando-a nos braços. Seu corpo delicado e macio se encostava em mim, e seus belos cabelos brancos tocavam o meu queixo. Meu corpo foi esquentando aos poucos enquanto assistíamos ao filme confortavelmente.
— É quase como se eu estivesse dentro da história... — a garota falou baixinho, com um tom calmo e relaxado.
— É, eu sei como é. Também foi assim para mim.
Minha voz estava mais tranquila do que o normal, e a elfa olhou um pouco para cima, em minha direção. Sem perceber, eu também havia relaxado e começado a aproveitar o filme.
Mas, com uma boa história, vêm também grandes conflitos.
Conforme a noite caía, a distinta atmosfera do Japão após o anoitecer se mostrava na tela, e o corpo da elfa ficou tenso. A solidão do protagonista caminhando sozinho parecia se espalhar para Marie, que segurou-me com mais força. Seu corpo macio pressionava-se contra o meu, e pude sentir seu coração batendo rápido, como o de um passarinho. Havia um aroma levemente adocicado nela, e a proximidade fazia com que ele se tornasse ainda mais perceptível. Suprimi os sentimentos que isso despertava e a abracei suavemente de volta, então sussurrei sobre sua cabeça, como se fosse o narrador.
— Ah!
Ela soltou um pequeno grito quando um personagem fofo apareceu na história. Era exatamente o tipo de criatura de que ela gostava, e isso fez com que ela se apertasse ainda mais contra mim. Ela estava completamente imersa na história, e seus olhos alternavam entre a TV e o meu rosto, como se me pedissem para explicar o que estava acontecendo. Não sabia por quê, mas isso me deu vontade de rir de leve.
Os personagens superaram seus conflitos após muitas dificuldades, e a garota soltou um suspiro de alívio quando a história chegou a uma conclusão feliz. Seu corpo finalmente se afastou, o que era um pouco decepcionante, mas ao mesmo tempo, fiquei feliz ao ver os personagens sorrindo.
A mesma música de abertura tocou no final, e sorri ao ver Marie balançar a cabeça de um lado para o outro no ritmo alegre. Ela continuou assistindo até a música terminar e, quando a mensagem final apareceu na tela, foi finalmente libertada do mundo da história.
Ela ficou quieta por um momento, então perguntei:
— Como foi?
Mas talvez essa fosse uma pergunta desnecessária. Quando finalmente se virou para mim, havia um olhar sonhador em seu rosto, e parecia que agora ela entendia o fascínio de assistir filmes.
— Sim, foi muito divertido. Não entendi a maior parte das conversas, mas estou feliz por ter experimentado isso.
Com isso, ela pulou nos meus braços, como se quisesse expressar sua empolgação. Talvez estivesse animada com o filme, porque o impacto do movimento foi tão forte que acabei sendo empurrado para a cama. Ela sentou-se sobre meu estômago e olhou para mim com seus belos olhos roxos brilhando.
— Foi como se essas imagens estivessem vivas. Que sensação estranha.
— Sim. É porque não eram apenas imagens. Elas estavam contando uma história — sussurrei para a garota, enquanto ela pressionava a bochecha contra o meu peito, com uma expressão fascinada.
— Senti vontade de tocar seus cabelos brancos e sedosos, então afastei delicadamente algumas mechas de seu rosto com o dedo. Ela pareceu gostar, pois seus olhos se estreitaram preguiçosamente enquanto soltava um suspiro quente.
— É... Hmm... Ah... Eu gosto de livros também, mas gosto mais de usar minha imaginação. Porque a imaginação é ilimitada, sabe? Acho que o que vimos foi mais como uma viagem guiada pela imaginação de outra pessoa.
— Ah, essa é uma forma simples, mas interessante de colocar isso. No Japão, existem muitas formas de entretenimento assim. Acho que, conforme aprender mais japonês, você poderá aproveitar muito mais delas. Haverá tantas coisas para se divertir que nem poderá contar.
— A elfa de repente levantou a cabeça e abriu um sorriso radiante.
— Com certeza vou aprender! É uma pena enorme que eu não consiga entender agora, e isso me deixa triste. Ei, eu poderia assistir de novo? Gostaria de rever, se possível.
— Claro, você pode assistir quantas vezes quiser. Vou te mostrar como usar o controle remoto. Vou preparar um lanche leve para nós, então fique à vontade e aproveite.
Era bom ouvir isso. Parecia que ela agora tinha interesse tanto por anime quanto por literatura japonesa.
Já fazia um tempo, mas eu também gostei de assistir com ela. Porém, a parte mais divertida era ver suas reações.
Enquanto eu fazia os preparativos na cozinha, aquela animada música de abertura começou a tocar novamente. Ouvi a elfa cantarolando e, quando me virei, a vi balançando o corpo no ritmo da música. Quase soltei uma risada com aquela visão preciosa, mas precisava resistir à vontade e focar na comida. Se não houvesse mais ninguém por perto, provavelmente já estaria dobrado de tanto rir.
Queria fazer algo que pudéssemos comer enquanto assistíamos, então decidi fazer panquecas. Eram fáceis de preparar, e eu já tinha mel para acompanhar.
Enquanto cozinhava, Marie me fazia perguntas da cama, querendo saber o significado de certas palavras e frases, além das nuances detalhadas do uso delas. Uma coisa que notei foi que ela nunca perguntava a mesma coisa duas vezes. Sua mente já era brilhante por natureza, e agora ela tinha o mundo encantador na tela como motivação. Antes, ela basicamente tentava absorver tudo de uma vez, mas agora aprenderia de forma natural enquanto se divertia. Eu tinha certeza de que ela absorveria o conhecimento como uma esponja.
Sim, definitivamente fiz a escolha certa.
Coloquei uma bandeja no colo dela e a deixei comer as panquecas cortadas em pedaços. Mesmo absorvida na história, ela soltou um “tãooo delicioso!” e abriu um sorriso adorável.
Depois de aproveitar o anime e as panquecas, ela caiu de costas na cama. Mexeu o corpo de um lado para o outro e, quando me aproximei, estendeu a mão para mim.
— Desculpa, estou tão feliz que não consigo me levantar agora. Pode me ajudar?
Ri e disse que ajudaria com prazer. Peguei sua mão delicada e a levantei até sentar-se na beira da cama. Sempre achei que ela parecia uma boneca, mas naquele momento, mais do que nunca.
Ela suspirou de leve e me olhou com os olhos semicerrados.
— Aquele interior era tão bonito, com uma paisagem noturna maravilhosa. Também era uma parte do Japão?
— Sim, mas acho que era de muito tempo atrás. Na verdade, acho que a casa do meu avô se parecia com aquele lugar.
Os olhos de Marie se arregalaram, e ela me encarou cheia de expectativa.
Hmm, eu estava planejando levá-la para algum lugar durante minhas férias em maio, então talvez aquele fosse o destino ideal.
— Então, que tal irmos para lá nas minhas férias no próximo mês? Mas antes precisaremos fazer uma pequena viagem para você se acostumar.
— Ah, ah, eu quero ir! Digo, se eu não for atrapalhar ninguém…
Ela parecia estar morrendo de vontade de ir, mas era madura o suficiente para ser considerada.
Mas, de qualquer forma, eu já tinha tomado minha decisão. Ela claramente queria muito ir, então que tipo de homem eu seria se não fizesse isso acontecer?
— Então vamos para o interior onde minha família mora. Espero que esteja ansiosa, Marie.
Seu rosto parecia irradiar felicidade quando ela se inclinou para me abraçar.
Eu podia sentir completamente seus seios pressionando meu peito, e, bom… isso me fez congelar de forma bem desajeitada.
Naquela noite, enquanto Marie tomava banho, ouvi a música tema do anime vindo do banheiro. Era tão adorável que suspeitei que ela estivesse tentando me fazer sorrir até meu rosto doer. Felizmente, ela não podia me ver, então consegui escapar impune, rindo como um bobo.
Dei uma risada baixa enquanto continuava a cozinhar.
Hoje à noite, eu estava preparando um keema curry com um toque extra de picância. Adicionei garam masala às cebolas enquanto perdiam a opacidade, e um aroma delicioso tomou conta da cozinha.
+ + + + + + + + + +
Nossos horários de refeição ditavam que tomávamos refeições leves pela manhã e na hora do almoço no Japão, e refeições mais pesadas à noite e no almoço no outro mundo. Os dois mundos podiam ser diferentes, mas parecia que eu compartilhava o mesmo estômago em ambos, o que resultava em um total de quatro refeições por dia. Era a quantidade certa, já que minha ingestão calórica diária equivalia a três refeições completas.
— Na verdade, talvez isso seja um pouco mais do que três refeições. Mas não é como se eu estivesse contando, de qualquer jeito.
De qualquer forma, eu tinha a sensação de que comia um pouco mais do que o padrão.
Será que Marie ficaria preocupada se ganhasse peso? Pessoalmente, eu achava que ela era um pouco magra e poderia ter um pouco mais de carne. Mas talvez fosse mais saudável simplesmente comer coisas gostosas e queimar as calorias com exercícios, em vez de se preocupar tanto com isso.
Provei um pouco dos temperos na frigideira e ajustei o sabor. Peguei um pouco de vinho branco para acompanhar enquanto testava a comida — um privilégio reservado para quem cozinha. A comida sempre tinha um sabor melhor quando acabava de ser feita, então aproveitei bastante os petiscos antes da refeição.
De repente, senti meus pés estranhamente instáveis.
— Hmm? Isso foi um tremor? Um terremoto…?
Terremotos não eram incomuns no Japão. Eu já estava bastante acostumado a eles desde pequeno.
Desliguei o fogo do fogão e liguei a TV ao lado da cama. O alerta de emergência tocava bem no momento em que sintonizei, indicando um tremor de magnitude 4.0.
— Esse foi meio forte. As pessoas dizem que a fundação aqui é um pouco fraca, então estou um pouco preocupado, mas… deve estar tudo bem por enquanto.
Assenti para mim mesmo, e então ouvi a porta do banheiro ser aberta com força.
Abrindo a porta ao lado do quarto, dava para ver uma pia e uma área de vestir, com o banheiro à direita e o vaso sanitário à esquerda. Eu estava assistindo à TV, mas, naturalmente, meus olhos lentamente se voltaram para a origem do barulho.
— Você já terminou? Isso foi rápi—
Quando me virei, lá estava Marie, ainda molhada, e, claro, sem nada cobrindo seu corpo…
Soltei um som estranho e travado. Seu corpo esguio, sua silhueta graciosa, seus seios femininos e suas curvas coloridas…
— Aaaaaahhh!
— Kyaaaaaaaaahhh!
Nem tive tempo de fugir. Ela gritou ainda mais alto do que eu e pulou contra o meu peito.
Eu podia sentir nossos corações batendo descontroladamente e seu corpo quente do banho, sua pele macia e nua, bem ali contra mim… mas eu precisava olhar para cima. Para cima!
—T-Tremeu! O banho acabou de tremer! Por quê?! Ahh, estou com medo! Estou com muito medo!
—Ah, é... foi um terremoto. J-Já passou. Foi só um tremor leve.
—Não, não! Como pode estar tudo bem? O chão acabou de tremer! E se tudo desabar e formos esmagados?!
Na verdade, eu já estava quase sendo esmagado... mas por uma força bem mais volumosa.
O cheiro dela recém-saída do banho e a sensação de seus ombros nus me deixavam dolorosamente ciente de sua feminilidade. Meus pensamentos estavam tão turbulentos que o terremoto era o menor dos meus problemas.
—Okay, mas Marie, suas roupas!
—Hã? A-Ahh! F-Fecha os olhos! Ou, espera, só olha pro teto!
Eu até queria dizer que não tinha problema, mas tive que reunir toda a minha força de vontade para me controlar.
Senti seu corpo finalmente se afastar do meu e, logo depois, ouvi a porta do banheiro se fechar.
Paz, enfim...
Afundei na cama e deixei meu corpo cair, completamente exausto.
Depois de um tempo, notei que a elfa havia deixado algumas gotas d’água e seu cheiro no meu peito. Murmurei entre respirações pesadas:
—Eu... eu consegui... Bom trabalho, eu...
Sheesh. Essa eu não esperava...
Percebi que tinha esquecido completamente dos terremotos. O Japão era um dos países mais propensos a terremotos do mundo, e a culpa era minha por não ter avisado ela antes. Eu deveria ter ensinado sobre rotas de evacuação e o que fazer nesses casos.
Soltei um suspiro pesado, mas já estava conseguindo me levantar de novo.
Quando ela saiu do banheiro, nós dois abaixamos a cabeça em sinal de desculpas. Para ser sincero, fiquei aliviado por ela não estar brava comigo.
Marie já estava de pijama e começou a farejar o cheiro do quarto. Ela me lembrou um pouco do gato que vimos de manhã. Parecia que os temperos que usei no jantar ainda eram estranhos para ela, e agora ela tentava descobrir a origem daquele aroma incomum. Esse comportamento, de novo, me fez pensar no gato.
—Então esse cheiro vem da sua comida. Ou é impressão minha, ou seu tempero fica mais forte a cada dia.
—É um prato que está se tornando um clássico da culinária japonesa, chamado curry. Mas esse é um pouco diferente do tradicional.
A maioria das pessoas usava roux industrializado, mas eu tinha usado uma tonelada de temperos comuns na culinária indiana. Hmm, talvez ela tivesse preferido um curry mais "normal"? Mas tomei cuidado para não deixar muito apimentado, então deveria estar tudo certo.
Ela olhou para a comida com curiosidade, então entreguei um prato a ela. Não sou muito fã de naan, então fiz arroz amarelo para acompanhar. Não é que eu não goste, mas tem algo estranho em comer curry com pão. Tipo, por que não comer logo um pão de curry?
A elfa continuou farejando de onde estava. Parecia que o cheiro a fazia salivar, pois engoliu em seco de forma audível. Logo depois, seu estômago roncou de um jeito fofo, e ela não conseguiu esconder isso, já que segurava o prato com as duas mãos.
Isso era o que eu adorava em comidas apimentadas. Só o cheiro já atiçava o apetite e fazia a barriga roncar. O corpo automaticamente se preparava para comer e não ficava satisfeito até conseguir.
—Que estranho. De repente, fiquei com muito mais fome. É por causa do cheiro forte?
—Sim, eu usei vários temperos diferentes no prato de hoje. Dizem que a fome é o melhor tempero também, então tenho certeza de que você vai gostar. Mas estou um pouco preocupado se pode estar muito picante para você.
Ela pareceu confusa, mas dava para ver que queria comer logo.
Nos sentamos à mesa ao lado. Ao me aproximar dela, senti um leve cheiro de sabonete. Puxamos as cadeiras, nos sentamos e dissemos "itadakimasu" juntos. Sua pronúncia estava bem mais natural, provavelmente porque já teve várias oportunidades de usar a palavra.
—Nn...?
Ela pegou um pouco de curry com a colher e deu uma mordida, seus olhos se arregalaram. Ficou paralisada por uns dez segundos, então finalmente voltou a mastigar. Engoliu com um pouco de água e então virou seus olhos roxos e redondos para mim.
—É... picante? Saboroso? Hmm, como eu descrevo isso...?
Marie ficou pensativa, depois encarou o curry. Engoliu em seco e, como se não conseguisse resistir à tentação, pegou mais uma colherada.
—Mmm... É picante e saboroso. Ah, espera, o frango tem um aroma e um gostinho meio doce também. M-Mmm, que delícia!
—Ah, então parece que você aguenta bem. Fico aliviado.
Ela parecia ter entrado num ciclo entre o picante e o saboroso.
Ultimamente, eu estava prestando mais atenção às reações dela enquanto comíamos. Era divertido ver suas expressões, mas seria rude da minha parte comentar isso. Além disso, queria entender melhor os sabores que ela gostava. Acho que, no fundo, eu sentia que seria um desperdício não observar suas reações.
—Nnngh, é tão quente! Mas eu não consigo parar de comer... Esse curry tem um sabor tão intenso!
—Pensando bem, a região desértica do outro mundo usa temperos bem parecidos. Em lugares quentes, a comida estraga mais rápido, então talvez seja por isso que usam tantos temperos.
Marie me olhou surpresa e depois ficou encarando o teto. Mastigou devagar, como se saboreasse melhor a comida, engoliu e, então, exclamou:
—Ah!
—Aquele país... quer dizer, aquele monstro no oásis! Não acredito que isso aconteceu ontem e eu estava tão entretida que esqueci completamente!
Pois é, imaginei que fosse acontecer...
Então, como se já tivesse superado o assunto, ela me olhou com os cabelos úmidos caindo na frente do rosto.
—Você acha que vamos acordar no mesmo lugar de antes?
—Não tenho certeza. Às vezes já acordei em uma área diferente... Mas se eu tivesse que apostar, diria que provavelmente será no mesmo lugar.
Hmm, o curry não ficou nada mal, se eu disser isso eu mesmo. Tinha uma picância marcante, mas equilibrada pelo doce dos tomates.
Sim, pensei, frango combina perfeitamente com esse curry.
Minha atitude despreocupada pareceu irritar a elfa. Ela continuou mastigando e aproveitando a comida, mas franziu a testa e me lançou um olhar desconfiado.
—Sabe... Mmg, mm... Você parece bem relaxado com isso, mas... Gulp... Espero que tenha noção de que, mesmo podendo voltar para cá, ainda estamos correndo perigo de morte.
— Eu entendo o que você está dizendo, mas não acho que isso realmente conta como perigo mortal. Quer dizer, agora podemos voltar para o oásis sem medo de nada.
Eu duvidava que tivéssemos alguma chance de derrotar aquela misteriosa cobra gigante. Marie parecia saber disso, provavelmente por isso estava tão aflita.
Mas ao ver que eu mantinha minha atitude despreocupada, ela soltou um “hmm” e ficou refletindo sobre o que eu havia dito. Ela parecia estar imersa em pensamentos, então decidi ajudá-la.
— Aqui vai uma dica: tem algo que podemos fazer hoje que não podíamos fazer ontem.
Marie fez um bico, com a colher pendurada na boca. Era evidente que estava um pouco irritada por não conseguir adivinhar o que eu queria dizer. De repente, porém, seu rosto se iluminou com um sorriso.
— Ah, já sei! Você recuperou sua habilidade de movimento de longa distância. Agora pode usá-la para nos tirar do perigo!
— Exatamente. Por isso não há com o que se preocupar.
Ela ergueu o braço triunfante, protegendo seu orgulho como feiticeira espiritual.
E assim, decidi deixar a Srta. Elfa aproveitar o dia o máximo possível. Dizem que tempo é dinheiro, mas agora eu estava livre da restrição que me permitia usar a habilidade apenas uma vez por dia.
— Ouvi dizer que existe uma condição em que as habilidades se tornam inutilizáveis, e é quando a presença de uma grande entidade aberrante está próxima. Talvez os deuses tenham decidido não interferir, pois o deus das viagens não respondeu ao meu chamado quando enfrentamos o arkdragon. Mas o monstro de ontem não deveria ser um problema.
— Hmm, entendo. De qualquer forma, teremos algum tempo antes que o inimigo apareça, então devemos ficar bem. Você sempre parece estar prestes a cair no sono, mas é bom saber que pensa nessas coisas.
— Ah, sim. Preparei algumas formas de fugir de situações como essa, só por precaução. O problema é...
Ainda havia algumas perguntas sem resposta sobre o oásis. Marie era esperta o suficiente para perceber o que eu queria dizer antes mesmo que eu pudesse falar e balançou a colher enquanto começava a falar por mim.
— Sim, o problema não é como sair de lá, mas o que fazer com aquela criança. Parecia ser meio-besta, e as correntes em suas mãos e pés me dizem que alguém a estava forçando a invocar aquele monstro contra nós.
— Não sei como uma criança conseguiu invocar um monstro daquele porte, mas aquele catalisador mágico deve ter algo a ver com isso. Eu realmente quero descobrir o que está acontecendo. Então, estava pensando...
Ela assentiu e se aproximou, e nós conversamos em voz baixa, como se estivéssemos envolvidos em uma reunião secreta. Cerca de meia hora depois, nossos planos estavam traçados.
Depois do banho, enxuguei o suor e segui para a cama. Suspeitava que passaria um pouco menos de tempo no mundo dos sonhos do que o habitual.
Havia um último pedido da elfa para eu cumprir antes de dormir. Ela já estava à espera na cama, olhando para mim com uma expressão ansiosa. Havia um leve tom de timidez em seus olhos brilhantes, parecidos com joias, enquanto me encarava.
Sim. Eu ainda precisava ler um livro para ela, como havia prometido mais cedo.
— Vou poder ouvir uma história antes de dormir? Mal posso esperar!
Eu também estava ansioso. Nunca havia lido para alguém antes, mas tinha certeza de que ela apreciaria a experiência.
Marie se aproximou do meu travesseiro enquanto eu me sentava ao lado dela. Dei um leve toque em sua testa de brincadeira, então segurei o livro acima de nós e comecei a desvendar o mundo contido nele.
Era o livro que pegamos emprestado na biblioteca durante o dia. Entre a grande variedade disponível, a elfa escolheu o que tinha um estilo de arte adorável, que agora eu segurava em minhas mãos.
A encadernação era grossa e resistente. O cheiro do papel encheu meu nariz quando o abri, e o gato preto, o protagonista da história, estava ali nos observando.
— Hehe, então vamos começar... O Gato Preto e o Reino da Noite.
A elfa bateu palmas sob a iluminação suave do quarto.
Apesar da luz baixa, o livro era vibrante, e os olhos do gato preto pareciam nos puxar para dentro da história. Talvez fosse essa a magia dos livros ilustrados.
Não pude deixar de notar que as cores pareciam ter um toque peculiar, e isso, combinado com o estilo de escrita único, nos transportava para outro lugar.
— Certo dia, o gato preto acordou e percebeu que...
Eu podia sentir que Marie estava olhando para o livro com grande interesse. Sua mente parecia imersa no mundo das páginas enquanto acompanhava o gato com os olhos.
Era como se nossos corações estivessem batendo no mesmo ritmo, compartilhando a mesma empolgação. Estávamos prontos para embarcar rumo a terras desconhecidas, com a crescente expectativa pelo que estava por vir.
— Mas o mar tempestuoso balançava violentamente, trovões ressoavam, boom, boom, boom...
Era curioso como o gato preto parecia mais humano do que alguns personagens humanos que já encontrei.
Apesar de sua aparência cativante, o destino que o aguardava estava longe de ser tranquilo. Ele era jogado de um lado para o outro, à mercê do seu destino, como as ondas do oceano, mas enfrentava tudo de cabeça erguida. O livro nos mantinha na expectativa sobre o que aconteceria a seguir, e simplesmente tínhamos que continuar virando as páginas para descobrir. Era bom demais para parar.
Depois de avançarmos por várias páginas da aventura, ouvi Marie soltando um bocejo fofo ao meu lado.
— Espera — ela sussurrou no meu ouvido, reclamando. — Sua voz está me deixando com sono... mas eu quero saber o que acontece depois...
Sorri, mas estava escuro demais para ela notar. Na verdade, ela já parecia estar de olhos fechados. Puxei o cobertor até seus ombros, e ela soltou um suspiro confortável.
Desde que Marie veio para cá, parecia que eu estava passando mais tempo neste mundo. Até então, não havia muito que me atraísse no Japão, e eu aproveitava principalmente meu tempo no mundo dos sonhos. Mas desde que a garota elfa chegou, aprendi a encontrar entusiasmo até mesmo neste mundo. A promessa que fiz de levá-la para a casa do meu avô era só uma parte disso.
Eu não tinha percebido antes, mas ambos os mundos estavam cheios de diversão e emoção.
Zzz...
Sorri ao olhar para a garota adormecida ao meu lado e então fechei o livro silenciosamente.
Boa noite, Srta. Elfa. Vamos continuar a história amanhã.
Puxei o cobertor até meus ombros e me acomodei na cama quente. Eu sabia que um sono tranquilo me esperava, um dos privilégios da primavera.
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