Interlúdio
Em Beaden, os dias começavam cedo. Os adultos começavam a trabalhar com o romper da aurora, trazendo vida para toda a vila logo nas primeiras horas da manhã. Como que acompanhando o ritmo, as crianças também se levantavam com o sol. Essa era a rotina diária no interior.
Recentemente, um jovem e sua família tinham se mudado para a vila.
— Ô, Randrid. Dá uma força aqui, vai.
— Pode deixar!
Um velho chamou o recém-chegado da vila, pedindo ajuda para rachar lenha. O jovem e sua família tinham desejado aquele estilo de vida rural e estavam fazendo de tudo para se tornarem membros de verdade da comunidade. Apesar de a vila ser pequena, os laços entre as pessoas eram fortes, e qualquer atrito, por menor que fosse, podia abalar todo o ecossistema local. Sempre que um novo morador aparecia, os boatos se espalhavam rapidamente. A partir daí, todos precisavam avaliar o recém-chegado por conta própria. Não demorou muito para que a reputação de Randrid se firmasse em Beaden.
O jovem começou a rachar lenha sem parecer nem um pouco incomodado com a tarefa. No entanto, outro velho apareceu e logo começou a resmungar.
— Ei, Reddick, nem vem querendo usar o nosso Randrid sem pedir.
— Ah, qual é. Só um pouquinho, vai. Esse garoto vale ouro.
Em contraste com a briguinha dos dois velhos, o jovem agia como se não fosse nada demais.
— Tá tranquilo, Grão-Mestre. É tudo pelo bem da vila!
Na verdade, rachar um pouco de lenha pra vila não exigia nem metade da energia de Randrid. Ele já tinha enfrentado situações muito mais severas do que aquilo. Mas poucos naquela comunidade sabiam disso de verdade.
— Bom... então racha só mais um pouco e volta pro dojô. Já já os alunos tão chegando.
— Ah, verdade. Pode deixar!
Mesmo sendo novo na vila, o trabalho de Randrid não era rachar lenha. Não, ele tinha outra responsabilidade. O grão-mestre—Mordea Gardinant—tinha ido buscar Randrid, mas ficou meio surpreso com o quanto o jovem parecia animado com a tarefa.
— Com licença, Reddick, vou parando por aqui! — disse Randrid.
— Tranquilo. Não ligo, não.
Randrid não podia ficar rachando lenha pra sempre—uma vez que os alunos estivessem reunidos no dojô dos Gardinant, ele precisava começar seu trabalho como instrutor. Reddick não queria atrapalhar isso, e nem tinha intenção de segurar Randrid por muito tempo. Mas ele já era um velho, e rachar lenha deixava claro o quanto seus quadris e braços estavam pesados com a idade. Então, ele só queria qualquer ajuda que conseguisse.
Depois de juntar a lenha que havia cortado, Randrid se despediu de Reddick e seguiu para o dojô. Não podia deixar as crianças esperando—tendo sido nomeado instrutor assistente por Mordea e Beryl, ele precisava corresponder às expectativas de todos. Por natureza, Randrid era um homem extremamente honesto e constante, e era imensamente grato por ter aprendido a usar uma espada.
— Ah! É o Instrutor Randrid!
— Oi, pessoal. Desculpa a demora.
Ao abrir a porta do dojô, Randrid foi recebido por algumas crianças que já estavam pegando suas espadas de madeira. Ele respondeu aos cumprimentos com um sorriso.
Praticamente todos os alunos daquele dojô eram crianças. Isso não era o caso na época de Mordea, mas por volta da sucessão de Beryl, o número de crianças aumentou rapidamente. O motivo disso não era muito claro. Talvez fosse só uma questão de mudança de tendência com o passar dos anos. Não era como se os Gardinant tivessem feito algum tipo de propaganda dizendo que o dojô era especialmente voltado para crianças. Na real, Randrid nem sabia há quanto tempo o dojô existia—nunca teve motivo pra perguntar, então nunca se importou.
Randrid tinha começado a dar aulas no dojô há pouco tempo, mas lidava bem com os alunos. Algumas das crianças eram muito apegadas ao Beryl, mas logo criaram um bom laço com Randrid. Ao que parecia, crianças naturalmente curiosas combinavam bem com um homem de personalidade honesta e constante.
— O Mestre Beryl não tá aqui hoje? — perguntou uma das crianças.
— O Mestre Beryl está longe, viajando a trabalho — respondeu Randrid. — Então serei eu quem vai ensinar vocês por um tempo.
Randrid já tinha perdido a conta de quantas vezes deu essa explicação, mas mesmo assim sempre respondia com educação. Agora que tinha um filho, ele via esses momentos como treino—interagir com aquelas crianças era como se fosse um tipo de preparo, algo que daria frutos com seu próprio filho em alguns anos, então ele não via as perguntas como perda de tempo.
— Beleza! Vamos todos dar o nosso melhor hoje!
Ele animou a molecada para começar a aula, e eles pararam com as brincadeiras. O clima no dojô mudou de imediato para aquele de um instrutor conduzindo seus alunos.
O título de ex-aventureiro de rank platina de Randrid não era só fachada. Do ponto de vista da sociedade em geral, ser platina significava ter habilidades consideráveis. E mesmo em um lugarzinho esquecido como Beaden, ele conseguia mostrar isso claramente.
As crianças ainda não tinham essa noção, mas a ausência de qualquer resistência à troca repentina de instrutor se devia, em grande parte, à força de Randrid. Normalmente, quando um dojô trocava um professor querido do nada, era difícil manter os alunos—afinal, muitos deles estavam ali justamente por causa do estilo daquele professor. No entanto, o status de Randrid como ex-rank platina pesava bastante.
— Muito bem, alunos! Vamos começar como sempre: revisando as posturas básicas.
Randrid empunhou uma espada de madeira e ficou de frente para os alunos. E assim, mais uma manhã típica passou tranquilamente em Beaden.
◇
— Bom trabalho hoje, Randrid.
— Nem precisa agradecer.
Ensinar crianças não era algo que dava pra se estender por horas a fio. A aula tinha começado assim que o sol nasceu e terminou naturalmente quando o meio-dia chegou. Apesar dos dias de folga do dojô serem bem definidos, o horário de funcionamento não era algo exatamente fixo—era uma das características de se viver no interior. Randrid ainda estava se acostumando com esse estilo de vida mais livre do que o que conhecia.
— E aí, depois de experimentar um pouco... como tá sendo ensinar? — perguntou Mordea.
O velho tinha entrado no dojô logo após o fim da aula e se sentou de pernas cruzadas no assento do mestre. Já fazia um tempo desde que Mordea tinha deixado o cargo de instrutor, mas Beryl, Randrid e todos os alunos do dojô—os atuais e os antigos—ainda o admiravam. Ele simplesmente tinha tanta habilidade e determinação que seus feitos ao longo dos anos continuavam ecoando ali dentro.
— É uma experiência nova — respondeu Randrid, sentado formalmente sobre os calcanhares, de frente para Mordea. — Tô aprendendo algo diferente todo dia.
Agora que as crianças tinham ido embora, só os dois permaneciam no dojô. Era um pouco depois do meio-dia, mas o ambiente estava tranquilo. Apenas o toc toc distante de alguém rachando lenha e o som dos animais do lado de fora podiam ser ouvidos, abafados pelas paredes. Os dois gostavam desse tipo de atmosfera. Como espadachins, aquele som de fundo era muito mais agradável do que o barulho caótico da cidade, que só atrapalhava a concentração.
— Até que ele manda bem ensinando — murmurou Mordea, coçando a barba.
Em contraste com a postura relaxada de Mordea, Randrid baixou levemente a cabeça.
— O senhor... tem certeza disso?
— Hm? Certeza do quê?
— O fato do Mestre Beryl ter virado instrutor especial da Ordem de Liberion é algo a se comemorar — disse Randrid, com um sorriso no rosto, embora visivelmente confuso. — Mas me colocar como substituto dele...
— Tá tudo certo — respondeu Mordea, seco. — Você não se arrepende, né?
— Bom... não. De jeito nenhum.
Mas Mordea não estava falando sobre Randrid substituir Beryl no dojô. Não, ele queria saber se Randrid se arrependia de ter largado a vida de aventureiro e se mudado com a família de Baltrain pra Beaden. Se havia alguma parte dele que ainda sentia falta da antiga rotina. Mas, sinceramente, o jovem não se arrependia. Ele tinha deixado pra trás aquela vida perigosa porque amava mais do que tudo sua esposa e filho. Por sorte, tinha economizado bem durante os anos como aventureiro, e agora também tinha um trabalho. Esse novo ambiente não atrapalhava em nada sua meta de criar sua família com tranquilidade.
— Tenho certeza que você já percebeu isso — disse Mordea, olhando em direção à porta —, mas aquele garoto não devia estar perdendo tempo aqui nesse fim de mundo.
— Eu sei — respondeu Randrid, entendendo de imediato de quem se tratava. — Nunca consegui vencer ele, afinal.
Ele também virou o rosto na direção da porta. Estava fechada, mas ele conseguia imaginar facilmente a paisagem do lado de fora. Um caminho para a floresta seguia a partir dali, descendo por uma ladeira suave, passando pelas casas espalhadas de Beaden. Era um cenário simples e agradável, completamente diferente da cidade grande.
Randrid naturalmente se lembrou do tempo em que treinou sob a tutela de Beryl. Mesmo depois de tantos anos, ele ainda se recordava com clareza da técnica impecável e da velocidade de reação quase sobre-humana do mestre. No fim das contas, Randrid nunca chegou a atingir aquele nível, mas com esforço constante conseguiu se tornar um aventureiro de rank platina. Agora, se ele pudesse, de alguma forma, servir de trampolim para que Beryl alcançasse alturas ainda maiores... bom, isso não parecia tão ruim assim. A influência de Beryl em sua vida tinha sido simplesmente enorme.
— Hahahaha! — Mordea soltou uma risada forte. — Bom, vamos ver até onde ele consegue chegar, né?
— Vamos — concordou Randrid. — Tenho certeza de que ele vai conquistar coisas que nem consigo imaginar.
Os dois imaginavam a figura grandiosa de um filho e de um mestre. Ninguém sabia quando esse dia chegaria—nem mesmo Beryl. Mas ali, dentro daquele dojô, aqueles dois acreditavam de verdade que essa imagem se tornaria realidade em um futuro não tão distante.
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