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Chapter 05 - Vol 1: Epilogo

 Epílogo: Um Caipira das Antigas Aproveita uma Refeição

— Seja bem-vindo!

O sino preso à porta tilintou alegremente, anunciando a chegada de um novo cliente. Esse lugar — uma taverna aconchegante, escondida num beco do distrito central — era um dos meus favoritos. Descobri depois que me estabeleci em Baltrain e tento vir aqui de vez em quando.

Sendo a capital, era natural que houvesse muitos restaurantes. Mais gente significava mais negócios, então não faltavam estabelecimentos dos mais variados tipos. Entre eles, claro, estavam aqueles lugares chiques, cheios de pompa, frequentados por nobres e figurões — lugares que pareciam completamente inadequados pra um velho como eu. A Allusia até já me convidou pra ir a esses lugares, mas recusei numa boa. Sou do interior, não tenho vocação pra alta sociedade. Em ambientes refinados demais, não consigo relaxar. Prefiro muito mais lugares assim: uma taverna com clima tranquilo, frequentada pelo povão.

Ao abrir a porta, vi vários clientes lá dentro, conversando nas mesas enquanto saboreavam suas refeições. Sentei no canto esquerdo do balcão e fiz meu pedido à moça sorridente que veio me atender.

— Uma caneca de cerveja, por favor.

— Sim! Uma cerveja chegando!

Já vim algumas vezes nessa taverna, e esse banco aqui meio que virou o meu lugar de sempre. Claro, se estivesse ocupado, sentava em outro. Mas, por algum motivo, quase sempre estava livre.

Uma bebida dessas cai ainda melhor depois de um dia de trabalho. Não sou alcoólatra nem nada, mas gosto de uma boa bebida. Dizem que o gosto muda com o tempo, e minha vida é a prova disso — na juventude, eu via álcool só como um líquido amargo. Nesse sentido, dá pra perceber bem que tô envelhecendo. Nem sei quando foi que comecei a gostar de verdade do sabor, mas talvez meu paladar venha do meu pai. Com moderação, a bebida é refrescante e anima o espírito. E, depois de suar bastante, uma cerveja dessas mata a sede de um jeito único.

— Obrigada por esperar! Aqui está sua cerveja!

— Valeu.

A atendente veio dos fundos com uma caneca de madeira, cheia até a borda. Ah... isso sim é vida. Pode até parecer papo de velho, mas fazer o quê? Eu gosto mesmo disso. E ainda por cima, aqui eles servem um petisco junto — um punhado de castanhas. Não dá pra resistir. Castanhas salgadas combinam perfeitamente com cerveja. Vamos nessa.

— Mgh... Mgh...

Agradeci ao deus da colheita (Será que ele existe mesmo?) enquanto virava a caneca. A cerveja estava bem gelada.

— Pwah.

Limpei a espuma da boca e respirei fundo. Sentir as bolhas estourando na garganta era uma sensação ótima. Esse dourado cintilante mata a sede como nada mais no mundo. Peguei umas castanhas depois, crocantes e firmes. Mastiguei e minha boca se encheu de um sabor perfumado. É uma sensação completamente diferente da cerveja. Haah, que maravilha.

A qualidade da cerveja dependia muito da sua frescura, e essa aqui estava excelente — mas também, vindo de uma taverna no distrito central da capital, não dava pra esperar menos. A combinação da cerveja com as castanhas rapidamente tomou conta do meu paladar, e acabei virando a caneca bem rápido. Agora, já mais acomodado, estava pronto pra pedir algo mais substancioso.

Tinha vindo direto do treino com os cavaleiros, então a fome estava batendo forte. O cheiro de carne assando vinha dos fundos, deixando tudo ainda mais tentador. Pedir carne aqui era quase uma tradição — era sempre suculenta, bem temperada e com bastante sustância. Só de imaginar encher a boca com carne assada e descer tudo com cerveja... já dava água na boca.

Mas... será que eu devia mesmo ir direto nisso, sem pensar duas vezes? Fiquei na dúvida de repente. A carne daqui era deliciosa, sem sombra de dúvida, e eu estava com fome o suficiente pra devorar o prato inteiro — meu estômago não era fraco a ponto de se satisfazer só com castanhas. Só que... carne era prato principal. Dependia do tipo, claro, mas me parecia um pouco pesado demais pra começar.

Dei uma olhada no cardápio no balcão, pensando no próximo passo. O clima ali estava tão bom que resolvi aproveitar um pouco mais.

— Com licença — chamei a moça sorridente de novo com um aceno. — Cogumelos grelhados, por favor. Ah, e mais uma cerveja.

— Sim! Já vai sair!

Baltrain ficava no centro do país, então o comércio por aqui era bem movimentado. Mesmo comidas regionais das montanhas podiam ser encontradas com facilidade. Cogumelos eram uma boa pedida. Não eram tão pesados quanto carne, mas também não tinham a leveza de um legume qualquer. Ao morder, a boca se enchia de um umami diferente, difícil até de explicar. E claro, a cerveja era essencial.

— Obrigada por esperar! Aqui estão os cogumelos grelhados!

Enquanto eu virava a segunda caneca, olhando distraidamente pro pratinho vazio de castanhas, um prato com cogumelos grelhados e bem suculentos foi colocado na minha frente. Tinham umas partes chamuscadas, e todos estavam espetados num único espeto.

— Hom...

Dei a primeira mordida sem nenhum tempero. Hm, ainda estão quentes... E perfeitamente cozidos. A camada externa levemente crocante dava lugar a um umami que se espalhava pela boca logo no primeiro instante. Delicioso.

Não sou nenhum gourmet, mas comida boa é melhor que comida ruim — qualquer um concordaria com isso. No segundo pedaço, coloquei bastante molho. Hm, com molho também fica ótimo. Achei chique variar o sabor a cada mordida, então na próxima, fui de sal. Também ficou maravilhoso.

Ufa. Certo, já tá na hora de botar as mãos em um pouco de carne. Terminei os cogumelos grelhados e fiz meu próximo pedido com a mocinha.

— Com licença. Um ensopado de linguiça, por favor.

— Saindo já!

Carne assada também cairia bem, mas resolvi ir de ensopado. Aquele quiosque de kebab em Regen onde fui com a Kewlny e a Ficelle tinha sido excelente, mas achei que hoje merecia algo mais aconchegante, pra comer sentado com calma. Dez ou vinte anos atrás, eu teria ido direto num pedaço grande de carne, mas meu paladar mudou. Queria mesmo era contrastar a cerveja gelada na barriga com um ensopado bem quente.

— Aqui está! Obrigada por esperar!

Meu ensopado de linguiça chegou. Os pedaços grandes de legumes no caldo estavam com uma aparência maravilhosa. Esse restaurante é mesmo ótimo—com certeza vou incluir ele na minha lista de lugares fixos. Dei uma colherada no ensopado. A carne e os legumes estavam perfeitamente incorporados, e essa combinação saborosa me encheu a boca de alegria. Um sabor tão suave... Meu coração e meu estômago ficaram satisfeitos. A linguiça tinha uma carne moída bem fina e comprimida dentro da tripa, e no momento em que mordi, o suco explodiu na minha língua. Usei o próprio caldo do ensopado pra mandar tudo pra dentro.

— Ufa...

Nozes, cogumelos, ensopado e dois canecos de cerveja. Será que eu queria mais... ou era melhor parar por aqui? Que dilema. Ao mesmo tempo que parecia que eu não tinha comido o suficiente, também dava a sensação de que tinha comido na medida certa.

— Com licença, posso pedir um pão?

— Claro!

No fim, acabei pedindo mais. Vai ver eu sou mais jovem do que pensava—não consegui ignorar aquela voz interior que queria só mais uma mordida. Pão recém-assado já era bom por si só, mas mergulhado no ensopado... era simplesmente divino. Da cerveja ao pão, essa refeição me fez valorizar de verdade o trigo. Que ingrediente maravilhoso pra matar a fome da humanidade.

Enquanto mastigava um pedaço de pão embebido no caldo, uma pessoa que parecia ser o dono do restaurante veio até mim. Parecia um pouco mais velho que eu, mas o cabelo e a barba bem aparados davam um ar bem cuidado. Além disso, os cantos dos olhos caídos passavam uma impressão de um senhor gentil.

— Você tem vindo bastante aqui ultimamente — disse ele, puxando conversa. — Mudou pra esse bairro?

— É, digamos que sim.

Não me incomodava conversar assim. Dava até uma sensação de ser cliente habitual. Claro que eu não podia contar que tinha sido chutado de casa pelo meu pai, então respondi meio por cima. Além disso, era complicado mencionar que eu era o instrutor especial da Ordem de Liberion.

— Nossa Aida também tava bem curiosa com você. Vive comentando que tem um cliente novo que tá adorando nossa comida.

O dono trocou olhares com a jovem que estava servindo outra mesa naquele momento. Fiquei um pouco envergonhado de saber que estavam me observando desse jeito. Acho que mostrei demais meu lado caipira...

— Sua filha? — perguntei. — Ela é bem animada.

— Ha ha ha! Mas é só isso que ela tem mesmo.

A conversa acabou indo pro lado da filha dele, Aida. O cabelo dela estava preso num rabo de cavalo que ia até os ombros e balançava de forma bem animada. Parecia ter por volta dos vinte anos, e a palavra “vivaz” a descrevia perfeitamente. Ia de mesa em mesa com aquele jeitinho alegre anotando os pedidos. De alguma forma, me lembrava a Kewlny... apesar de não parecer nada com ela.

— Ah, certo — disse o dono. — Pode ficar com isso, se quiser. Foi minha esposa que fez.

— Opa, que generosidade. Aceito com prazer.

O dono me entregou uma sacola cheia de pães. Fiquei realmente grato—não que eu estivesse ficando sem dinheiro nem nada, mas ganhar comida boa assim me deixou super animado. Relações como essa eram tão boas. Trocas desse tipo eram bem comuns entre meus vizinhos lá no interior, mas criar esse tipo de laço no meio da cidade grande tinha um peso diferente.

Esse homem não era meu vizinho, mas nosso encontro também não era algo único na vida. Aqui em Baltrain, reencontrei várias pessoas, como a Allusia e a Selna, mas conhecer gente nova também era algo a se valorizar. Nunca se sabe quando uma conexão pode ser útil pelo mundo afora. E essa já tinha se pagado na forma de uma comida maravilhosa.

De qualquer forma, garotas como a Aida, que sabiam cuidar dos outros, eram adoráveis. Não que eu estivesse de olho nela ou algo assim! As palavras do meu velho só vieram na minha cabeça do nada. Arranjar uma esposa, hein? Nunca tinha parado pra pensar nisso... mas não podia voltar pra casa enquanto não resolvesse esse assunto. Não dava pra fazer nada quando ele ficava me enchendo por causa dos netos. Até eu achar uma mulher pra ficar junto, meu pai com certeza não ia parar de me encher. Aquele velho desgraçado.

— Por mim é isso, então — falei pro dono. — A conta, por favor.

— Claro. Volte sempre.

Paguei a conta e me levantei. Parecia que havia uns aventureiros sentados em uma mesa próxima. Todos musculosos, com corpos robustos, enchendo a cara de cerveja e as bochechas de carne. Aida conversava com eles com educação. Ela não era nada chamativa no quesito aparência, mas tinha uma vivacidade simples—parecia que compartilhava sua energia com todo mundo.

— Ah! Muito obrigada!

Quando Aida percebeu que eu estava saindo, me deu um sorriso esplêndido.

— A comida estava ótima. Obrigado.

— De nada! Volte sempre!

Depois dessa despedida agradável, saí do restaurante. Assim como na entrada, o sino sobre a porta tilintou suavemente.

— O que foi isso? Aida, esse tiozinho aí é seu tipo?

— Q-Que isso! Não é nada disso!

Antes que a porta se fechasse completamente, peguei um trecho da conversa entre a Aida e um dos (prováveis) aventureiros.

Vocês, jovens de hoje... Arranjem assunto melhor pra conversar! Como se uma garota nova fosse dar em cima de um velho feito eu. Vocês tão só incomodando a Aida. Sabem que as mulheres passam a ter uma imagem pior de vocês quando ficam fazendo esse tipo de pergunta, né?

— Ufa, tô cheio.

Segui caminhando sozinho pelas ruas da capital. A cidade não estava deserta, mas, considerando o horário, quase não havia ninguém por ali. O vento da noite roçava meu rosto. Depois de ter sido aquecido pela cerveja, aquela brisa estava simplesmente maravilhosa.

De qualquer forma, aquele lugar é um verdadeiro achado. O dono e a filha dele são gente boa, e a comida é uma delícia. Quero comer lá com frequência a partir de agora.

— Uma esposa, hein...?

Minhas palavras murmuradas se perderam na escuridão. Não é como se eu estivesse desejando uma esposa ou algo do tipo. No máximo, pensei que seria legal encontrar uma mulher com quem eu realmente tivesse afinidade. Mas eu também não estava ativamente procurando por alguém—não sou tão esforçado assim, e duvido que alguém vá suspirar por mim como homem. Desse jeito... será que algum dia vou conseguir voltar pra casa? Sinceramente, parecia mais fácil tentar convencer meus pais a me aceitarem de volta.

— Bom, de um jeito ou de outro vai acabar dando certo.

As coisas foram se encaixando ao longo desses meus quarenta e cinco anos de vida. Acredito que isso vá continuar acontecendo daqui pra frente... embora eu nem saiba se vou encontrar uma parceira um dia. Droga, tô pensando como um velho agora.

— Certo, hora de voltar pra estalagem.

Nessas horas, tomar mais uma na estalagem não soa nada mal. Com esse pensamento em mente, apressei o passo. Minha voz e meus passos se perderam no ambiente noturno da capital.


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