Um Encontro por Acaso
A Fugitiva
A RESPIRAÇÃO IRREGULAR DA ELFA ecoava suavemente pela floresta silenciosa.
— Haah… Haah… Haah… Haah…!
Ela corria com tudo por entre a vegetação densa, evitando as trilhas. Tinha começado a correr a todo vapor quando ouviu um galho se quebrando em algum lugar próximo. O corpo esguio facilitava o desvio de galhos e a movimentação sem fazer barulho enquanto avançava.
"…"
Ela diminuiu o ritmo.
Acho que… os despistei por enquanto…?
Já não sentia mais a presença dos perseguidores tão próxima, mas sabia que eles não haviam desistido. Era assim que eles agiam — gostavam de brincar com a presa. Faziam questão de mostrar que estavam te seguindo, e então desapareciam de repente. Quando você achava que tinha escapado, eles voltavam à sua cola.
Eu não devia ter tomado banho no rio mais cedo. Tive sorte por não me emboscarem lá. Se tivessem…
Um arrepio percorreu sua espinha. Infelizmente, as ruínas em que ela tropeçara antes não ajudaram em nada — havia encontrado algo que parecia uma entrada, mas não fazia ideia de como acessá-la. Depois de sair de lá, reencontrou os quatro caçadores e teve que fugir novamente. Agora, um novo caminho se abria diante dela.
Será que devo mesmo continuar fugindo? Talvez seja hora de lutar.
Escondeu-se atrás de um tronco e preparou um ataque. Seus perseguidores eram de sangue heroico — descendentes dos Heróis de Outro Mundo que um dia haviam salvado este mundo. Os filhos desses heróis tinham talentos e força que superavam em muito a média dos guerreiros.
Diziam por aí que, mesmo com toda essa força, os descendentes ainda estavam longe de alcançar os verdadeiros heróis que haviam combatido o mal no passado. Ainda assim, eram muito mais formidáveis do que os inimigos que ela costumava enfrentar. Esses descendentes viviam espalhados por reinos em todo o continente, sendo peças-chave nas forças armadas de países que não conseguiam invocar heróis próprios.
Sua mente fervilhava de possibilidades enquanto hesitava no que fazer. Talvez conseguisse enfrentar um deles num combate direto… mas os quatro ao mesmo tempo?
Ela soltou um suspiro cansado.
Não acho que consiga despistá-los de vez… então não tenho escolha. Vou ter que ativar minha armadura espiritual.
É hora de pôr fim a essa perseguição.
Se não podia fugir, teria que lutar, mesmo que as chances não estivessem a seu favor. Chamou pelos espíritos que habitavam dentro dela.
Eu te invoco, armadura espiritual… Dedico-me ao seu serviço. Proteja-me, como jurei proteger você…
Murmurou os nomes dos espíritos em silêncio.
Silfigzea, Ferillbanger, Willozega…
Três feixes de luz envolveram seu corpo — o verde-claro do espírito do vento, o azul do espírito do gelo e o branco puro do espírito da luz.
Quando a luz se dissipou, ela estava vestida com uma armadura, uma espada presa à lateral do corpo. Manifestação do poder dos espíritos, a armadura espiritual fazia com que ela parecesse uma cavaleira sagrada saída dos tempos antigos — muitos já haviam acreditado que ela fosse uma. Ela puxou a espada do quadril e a reforçou com gelo.
Com um estalo gélido, veios azulados se espalharam pela lâmina.
Abaixou a viseira do elmo.
Pronto… estou preparada.
A viseira cobria completamente seus olhos, mas o vento lhe dizia para onde ir. Usar seus sentidos daquela forma era extremamente exaustivo, mas permitia que ela lesse os movimentos e posições dos inimigos com muito mais precisão do que com a visão. Isso lhe dava uma vantagem enorme em combate.
Encostou levemente os dedos nas pálpebras.
Aqueles quatro caçadores de sangue heroico — conhecidos por alguns como “Os Caminhantes Brancos”, por outros como “Os Vigias Sagrados”…
“Presas” — Zarash Finebird.
“O Bizarro Demoníaco” — Ashura.
“Pressão Extrema” — Jiobain Sengai.
“A Espada Divina” — Maggots Playdin.
Deixou as mãos caírem. O corpo e a mente estavam exaustos após dias fugindo sem descanso. Fechou os olhos na escuridão por trás da viseira.
Ouvi as histórias… não existe mercenário que não conheça a reputação deles. São fortes e perigosos.
Mesmo nos poucos encontros que teve com o grupo, já conseguira perceber o quanto eram poderosos… mas também teve a impressão de que eles ainda não estavam lutando a sério. Pareciam estar apenas testando suas habilidades, medindo suas forças antes de atacar de verdade.
Não posso deixar que me capturem…
Se continuasse correndo, só acabaria ainda mais cansada — e em pior forma para enfrentá-los quando chegasse a hora.
Tenho que enfrentá-los enquanto ainda tenho forças.
Apertou o cabo da espada com as duas mãos.
Vou acabar com eles aqui…!
Esperou em silêncio pela aproximação deles, concentrando todos os seus sentidos até ficarem tão afiados quanto a própria lâmina.
Enxugou uma gota de suor que escorria de sua bochecha impecavelmente branca.
Longos momentos se passaram.
Eles ainda não atacaram…? Devem estar tramando algo.
Um arrepio percorreu sua espinha, como se a lâmina de sua espada gélida estivesse pressionada contra ela.
Finalmente estão levando a sério. Sem mais esconde-esconde, sem mais joguinhos…
Agora sim, estão prontos para caçar.
Ela levou a mão à boca. Uma estranha incerteza aflorou dentro de si.
Sentia-se enjoada — tomada por uma náusea inexplicável. A cabeça girava. Era como se sua mente estivesse se retorcendo.
M-mas que sensação é essa?
Não conseguia mais distinguir se seus perseguidores eram fortes ou fracos — toda sua compreensão parecia ter virado pó.
Será que os inimigos que enfrentei sempre foram assim… estranhos? Será que eu realmente consigo enfrentá-los? Talvez tenha sido errado fugir desde o começo.
Um som de folhas se mexendo a despertou de seus pensamentos. Apertando firme a espada, saltou na direção do barulho.
Não! Espera…?!
Era uma distração. Sentiu uma presença no mato atrás de si.
— Paralyze.
Q-quem é esse? Não é nenhum dos quatro caçadores… Não sinto aquela força bruta que sinto ao ficar perto deles. É estranho… essa pessoa não é nem de longe tão forte quanto os caçadores, mas… os espíritos estão com medo dela. Também sinto a presença de um monstro…? N-não… agora não é hora de pensar nisso…
—E-eu n-não co-consigo m-mexer...? O q-que é i-isso...?! —ela se esforçava para falar, lutando contra o peso estranho que havia tomado conta do seu corpo.
—Hunf. Você tentou me atacar, mas... tem algo diferente em você. Não acho que realmente queria me matar.
Era a voz de um garoto.
O que ele tá falando?
—Você não parece com aqueles quatro caras que acabei de encontrar. Achei que a gente podia conversar. Te paralisei por enquanto—só uma garantia da minha parte.
—O q-q-que v-você q-q-quer d-de m-mim...? —ela arrastou as palavras, lutando para formar cada som.
—Bom, pra ser sincero, tô meio perdido. Se você conhece a área, queria que me mostrasse o caminho até a cidade mais próxima. Também não sou daqui e tem muita coisa que eu não sei. Quero o máximo de informação que puder me dar.
A mente dela congelou.
Ele... não está mentindo...?
O espírito do vento, que conseguia detectar mentiras e verdades, dizia que a fala dele era, em sua maior parte, verdadeira. Pela forma como o espírito reagia, parecia confiante nisso. Ele não parecia querer machucá-la.
Será que ele tá mesmo só perdido, ou...?
E havia um outro detalhe que ficou martelando na cabeça dela.
"Aqueles quatro caras que acabei de encontrar..."
Não sinto a presença dos caçadores de recompensa em lugar nenhum da floresta.
Onde eles foram parar? O que aconteceu com os White Walkers?
Mimori Touka
EU CAMINHAVA PELA FLORESTA, tomando cuidado pra não perder de vista a trilha. Depois de um tempo, cheguei a uma encruzilhada que, pelo que pude ver, não tinha nenhuma indicação.
E agora?
Estava prestes a perguntar ao Piggymaru quando senti uma presença bem próxima. Desde meu tempo nas ruínas, meu senso de localização e detecção de inimigos tinha melhorado bastante.
—Mas que porra? Essa não é ela!
Quatro homens surgiram de entre as árvores, vestindo armaduras no estilo fantasia padrão, mas bem longe de serem limpas ou polidas como aquelas de seriado. Todos estavam armados, e parecia que procuravam por alguém—alguém que não era eu, felizmente. Mas tive uma péssima impressão deles. Claramente não estavam à procura de uma criança perdida por bondade do coração. Um deles, com uma cicatriz no rosto, me olhou com desprezo.
—Só um pirralho imundo. Que nojo —disse.
—O que a gente faz com ele, Zarash? —perguntou outro.
—Deixa pra lá, não vale o esforço. Um mercenário de quinta, talvez? Não sei o que tá fazendo aqui e nem quero saber.
O homem com a cicatriz parecia ser o líder—me lembrava o Kirihara. Um dos outros, com cara de tubarão, me examinou de cima a baixo.
—Essas vestes tão gastas, mas o tecido até que é bom, hein? Só que tá tudo imundo.
—Então passa o dinheiro e vaza, entendeu? E dessa vez a gente não vai te deixar pelado mijando numa árvore igual um cachorro. Tamo com pressa —disse outro, apontando a espadona na minha direção.
—Não. Vamos matar ele.
Um cara magricela deu um passo à frente. Nas mãos, brincava com uma adaga curva.
—Quer mesmo que a gente perca tempo matando esse verme?
O magricela passou a lâmina de leve pelos dedos.
—Ainda não testei essa adaga nova em ninguém vivo... Esse pedaço de carne podre vai servir. Olha pra ele! Tá até pedindo pra morrer.
—Então anda logo, Maggots. Temos coisa mais importante pra fazer. Nossa presa já deve estar se esgotando—estamos quase lá.
—Heh, não é tão divertido brincar com moleque antes de matar, então bora voltar pra caça de verdade. Ei! Quando a gente receber pela captura daquela garota, vamo gastar com umas prostitutas de Ablom!
—Tá louco. Tô cansado das que já sabem o que tão fazendo—aquele lugar é caro também. Melhor passar na cidade mais próxima, pegar umas meninas bonitas na rua e ficar com elas por uns seis meses, mano!
—Seis meses?! Nenhuma garota aguentaria seis meses com você em cima!
—Cala a boca! Se não aguentarem, problema delas! Quero logo meter as mãos nessa que a gente tá caçando... Não tem muita por aí que vale esse esforço!
—Bastou um olhar pra ela que já fiquei quase fora de controle! Nenhuma garota de cidade se compara com aquilo~!
O homem da cicatriz olhou pra dentro da floresta.
—Mas essa aí nem a gente pode tocar... não quando nosso cliente é... —ele lançou um olhar significativo.
—Urgh, é... tem razão.
—Enfim...
O homem com a adaga curva deu um passo na minha direção.
—E aí, moleque? Acha que pode fugir da gente, tremendo desse jeito? Vai correr pra onde?
Eu já tinha começado a recuar assim que eles começaram a falar. Estendi a mão na frente do corpo, como se pedisse por piedade.
—P-por favor... m-me deixa ir... Eu não quero morrer...
O cara me deu um sorriso sádico.
—Desculpa aí, moleque~! Vou te cortar em pedacinhos bem rápido e depois a gente continua o serviço, beleza~? ♪
Os músculos dele se tensionaram; então avançou com a adaga em punho.
—Morre!
Eu já estava na distância certa—todos estavam no meu alcance.
—Ninguém escapa do Maggots-samaa!!
—Paralisar.
—Aaa?! Ahh... Nh...?!
—N-não c-consigo... m-mexer...?
Os quatro ficaram parados, imóveis na minha frente.
Eles pareciam o típico lixo arrogante e inútil, mas também pareciam razoavelmente competentes. Por isso preferi manter uma boa distância antes de usar minhas habilidades únicas.
Ainda assim, parecem bem menos ameaçadores do que qualquer coisa das ruínas...
—Ótimo. Habilidades de status funcionam em alvos humanos também.
Até agora, a taxa de sucesso continua em 100%.
—Talvez aquela deusa nojenta seja mesmo a única imune às minhas habilidades...
—N-não pode ser...
—Hm?
O homem com a cicatriz tentava falar.
—H-habilidades... de s-status...? V-você nem t-tá... usando... item m-mágico... —ele arfava.
Hmm. Então eles ainda conseguem falar um pouco mesmo paralisados, hein? Eu não tinha percebido isso enquanto lutava contra monstros—era difícil saber o quão paralisados eles estavam.
—O-o-os q-quatro... d-de uma vez...? I-inacreditável...
A Deusa tinha dito que habilidades de status são notoriamente inúteis. Acho que, nesse ponto, ela estava dizendo a verdade. Eu sorri.
—Acho que tirei a palha mais curta, hein?
—O-oi…?
—Esquece. Você tentou me matar, e nenhum dos seus amiguinhos sequer tentou te parar. Obrigado por facilitar as coisas pra mim.
Os quatro homens ainda não tinham entendido.
—Veneno.
—Aaah?! Aaah!
—I-isso… queima…
—Q-qu-quê… quem d-diacho é v-você…
Os homens ficaram roxos e começaram a gemer de dor.
—Squee! —Piggymaru apareceu por dentro da gola do meu manto e se acomodou no meu ombro.
—Piggymaru? Tá bravo com eles também…?
—Squee!
Pelo visto, Piggymaru sentia o mesmo por aqueles quatro que eu.
—Pra mim, não faz diferença se morrerem. Na real, vai ser até um alívio ver isso acontecer.
Havia algo negro e podre dentro daqueles quatro homens—o mesmo tipo de coisa que eu vi no Kirihara e no Oyamada também.
Vou responder assassinato com assassinato, maldade com maldade. Essas são as regras, não são?
—Se eu não matar eles, eles me matam.
Olhei pra palma da minha mão.
Sem hesitar. Sem medo. Sem arrependimento.
—Eu consigo matar. Eu consigo matar pessoas.
Esperei os homens morrerem, observando seus olhos virarem e os rostos se contorcerem de dor. Paralisados da cabeça aos pés, mal conseguiam se mexer.
No final, imploraram por ajuda. Duvido muito que tenham mostrado misericórdia quando suas vítimas fizeram o mesmo.
Ignorei.
—Nngh…
Finalmente, estavam todos mortos diante de mim.
Não ganhei nenhum nível.
Será que eles davam pouquíssimo XP, ou…
—Será que humanos não dão XP nenhum? —murmurei, começando a vasculhar os corpos deles.
As roupas deles eram todas grandes demais pra mim, e eu não queria ser reconhecido usando aquilo pela cidade—ia dar muito problema. O mesmo servia pras armas—andar por aí com uma espada roubada seria perigoso. Decidi ficar só com o dinheiro e enfiei várias bolsas cheias de moedas de ouro, prata e bronze na minha pequena bolsa de couro. Dinheiro não dá pra rastrear. Muito mais seguro de roubar.
Terminei com os mercenários, levantei e sacudi a poeira do corpo.
—Squeeee!
Piggymaru soltou um ruído esquisito.
—Ah, você sentiu também. Eu sei…
Eu podia ter demorado mais matando os caras devagar com o modo de veneno não letal, mas fiquei distraído. Tinha outra presença por perto—alguém forte. Alguém pronto pra lutar e matar. Me abaixei e fui na direção dela.
Ainda não sei se essa pessoa vai ser inimiga, mas depois do que os mercenários disseram, tenho uma boa ideia de quem pode ser.
—Mas que diabos? Essa não é ela!
—Mesmo assim, a gente não consegue encostar nessa aí… não quando nosso cliente é…
Devia ser a garota que eles estavam caçando.
—É estranho, no entanto… a presença dela é tão forte e clara. —Me atingiu como uma onda, honesta e direta, como se ela estivesse desafiando toda a floresta pra uma batalha.
Ela devia estar planejando encarar eles de frente, senão estaria escondida, esperando o momento certo. Ou ela é muito confiante nas próprias habilidades, ou tem um senso de honra que não deixa ela se esconder.
Peguei um galho grosso e joguei no mato.
—Squee!
O tentáculo do Piggymaru se mexeu pra direita.
Então é ali que ela tá escondida…
Ela era rápida, como um vento forte passando pelas árvores. Me levantei do mato e apontei meu braço direto pras costas dela. Ela só me notou um milésimo de segundo tarde demais.
—Paralisar.
Ela parou no lugar—não que tivesse escolha. Parecia confusa, sem entender por que não conseguia se mover.
Bom, dá pra ver pelo corpo que é uma garota. Tá usando um capuz estranho… ou um daqueles véus que freiras usam. Acho que é véu o nome?
O véu se conectava com uma capa que caía pelas costas, parecia até um moletom. A próxima coisa que me chamou a atenção foi a armadura. Parecia um vestido, branco com detalhes em azul e verde.
O cabelo dela era loiro bem clarinho, sob o véu. O corpo parecia delicado, magrinho. Ela tentava lutar contra a paralisia, tentando falar.
—Hmm. Você tentou me atacar, mas… tem algo diferente em você. Não parece que realmente queria me matar.
Senti uma mudança nela enquanto vinha correndo—uma hesitação, talvez. Ela não ia me matar por prazer sádico, como a maioria dos monstros e humanos que encontrei até agora.
—Você não parece com aqueles quatro caras que encontrei antes. Achei que talvez a gente pudesse conversar. Te parei por precaução, só um seguro do meu lado.
Isso não muda o fato de que ela é perigosa. Se eu não atacasse primeiro, ela teria me cortado. A única forma de sobreviver é manipulando as coisas a meu favor.
—O q-que… v-você q-quer… d-de m-mim…? —ela conseguiu dizer com dificuldade.
Acho que não tem por que mentir.
—Bom, sendo sincero, tô meio perdido. Se você conhece a área, queria saber onde fica a cidade mais próxima. Também não sou daqui e tem muita coisa que não sei. Quero toda informação que você puder me passar —respondi.
Senti a confusão dela com minha resposta.
Fui me aproximando com cuidado, pra ver melhor o rosto dela.
—Uma venda…?
Será que faz parte da armadura?
Ela estava com a visão completamente bloqueada, como se usasse uma máscara de dormir. Olhei pro rosto dela, e fui atraído pela pele extremamente branca. O rosto era pequeno, com o queixo fino e delicado. Os lábios brilhantes e finos tremiam um pouco à medida que eu chegava mais perto.
—O-os ou-outros… q-quatro…? —ela gaguejou.
—Eram seus amigos?
—N-não…
—…
Ficar conversando com alguém paralisado assim é bem chato. Ainda tenho tempo, então…
—Vou facilitar pra você falar. Mas se tentar qualquer gracinha, eu te congelo de novo. Eu também tenho coisas que podem te machucar. Então não faz besteira, beleza?
Aquilo foi meio que um blefe — eu não consigo empilhar uma paralisia em cima da outra. Mas também não é como se eu tivesse mentido. Se ela tentar alguma coisa, eu coloco ela pra dormir, mas não dá pra fazer perguntas com ela apagada. Se puder evitar isso, melhor.
Piggymaru estava quieto — quase como se estivesse prendendo a respiração pra não ser notado. Impressionante. Slimes eram bem mais espertos do que eu pensava.
Depois de um tempo, a garota respondeu.
— T-tá bom...
Me afastei um pouco mais e então toquei na opção "Dissipar" > Local: Cabeça no painel. Também tinha uma lista suspensa com outras partes do corpo.
— E-eu consigo falar de novo... — ela disse com uma expressão vazia.
— Só mexe a boca, beleza? Desculpa ser tão direto, mas eu não confio em você. Passei por coisa demais pra chegar até aqui, e não posso arriscar.
— Eu entendo. Você está certo em não confiar em estranhos. Qualquer viajante experiente faria o mesmo — ela respondeu.
Ela não surtou nem gritou. Tem mais bom senso do que aparenta.
A voz dela era clara, e a expressão no rosto deixava bem óbvia a força de vontade que ela tinha. Ela parecia quase uma cavaleira pura e justa saída de uma lenda. Olhei pro medidor de paralisia amarelo e percebi uma coisa.
Acho que só eu consigo ver esse medidor diminuindo... o que significa que posso enganar os inimigos fazendo parecer que a paralisia dura pra sempre.
— Primeiro, gostaria de te fazer uma pergunta, se me permitir — disse a cavaleira.
— Depende da pergunta.
— Você encontrou um grupo de quatro homens na estrada?
— Encontrei.
— O que aconteceu com eles?
— Eu matei todos.
— O quê? V-você...
— Algum problema? Pra mim, pareciam lixo inútil. E estavam te perseguindo, não estavam?
— Ah... sim. Eles eram meus perseguidores mesmo... e não, não tem problema. Eu só... — ela parou e parecia me avaliar com o olhar. — Quer dizer que você derrotou os quatro sozinho? Ou tem aliados por perto?
— Só um. Mas não pretendo te contar quem é.
E isso também não era mentira — meu aliado estava escondido nas minhas roupas.
É bom manter essa cavaleira em alerta, deixar ela pensar que tenho gente por perto. Parece que ela não era aliada daqueles quatro de antes, o que é ótimo — duvido que conseguiria convencê-la de algo se tivesse matado os amigos dela. Mas ainda não confio nela... ela está usando aquela venda nos olhos, afinal. Esconde a expressão dela — pode estar ajudando a mentir. Será que está me enganando?
A venda deslizou pra cima, parando na testa dela.
Aquele timing — parecia até que ela leu minha mente!
Olhei para o rosto dela inteiro pela primeira vez.
Com a venda fora do caminho, não tinha como negar a beleza dela. As sobrancelhas tinham um formato elegante, mas foram os olhos azul-claros que me fizeram parar e encarar.
Nunca vi olhos tão límpidos assim.
Havia algo místico na aparência dela, totalmente distante de qualquer humano que eu já tenha visto. Parecia quase uma elfa das histórias — elas sempre eram descritas como finas, delicadas e atraentes nas coisas que li. Mas o traço mais marcante dos elfos não estava ali — consegui ver orelhas humanas sob o véu.
— Obrigada por responder minha pergunta — ela disse. — E me desculpe pela grosseria. Não percebi nenhuma mentira quando você disse que derrotou meus perseguidores. Obrigada por ter sido sincero.
Será que ela tem um detector de mentiras ou algo assim? Parece bem confiante de que eu falei a verdade.
Ela me olhou com tanta sinceridade quanto alguém prestando juramento em um tribunal — certeza que colocaria a mão no peito se pudesse mover o braço.
— Prometo responder suas perguntas com sinceridade, dentro do que for possível. Por ter derrotado aqueles quatro mercenários, eu te devo a vida.
Ela me deve a vida? Isso é grande, mas... não adianta nada se eu não cobrar essa dívida.
— O que você gostaria de saber? Se bem me lembro, disse que não é daqui — falou ela, formal e digna mesmo nessa situação. Talvez isso quisesse dizer que ela não estava tão desconfiada assim de mim.
— Não sou mesmo. Viajei por vários lugares antes de parar aqui.
— E o que te trouxe até aqui?
— Fui abandonado, por assim dizer.
— Entendo... desculpe por ser tão direta.
Abandonado... essa palavra provavelmente trouxe várias imagens sombrias à cabeça dela. Será que fui deixado pra trás pelos companheiros? Expulso das minhas terras? Vendido como escravo?
Mas... não era mentira. Era a história da minha vida. Fui abandonado pelos meus pais, descartado por aquela Deusa desprezível. E... insinuar um passado sombrio talvez fizesse ela pensar duas vezes antes de fazer perguntas pessoais. Esconder os detalhes da minha vida era o mais inteligente. Olhei nos olhos dela, e ela retribuiu o olhar, com perguntas silenciosas no fundo dos olhos.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você não parece uma pessoa ruim... pelo que consigo perceber — confessei.
— Ganhei um pouco da sua confiança, talvez?
— Só um pouco. Tenho meus motivos pra manter segredo, assim como você. Acho que é melhor pros dois não se meter demais na vida um do outro.
Consigo sentir que ela também tem algo a esconder. Mas tudo bem — ela pode guardar os segredos dela, só preciso de umas informações básicas e sair daqui com segurança.
— Concordo — ela disse, e uma sombra passou pelo rosto dela. — Isso também me serve.
O medidor de paralisia estava quase no fim — não dava mais tempo pra conversa fiada.
— Tem alguma cidade ou povoado perto daqui?
— A pequena cidade de Mils fica nas proximidades. Eu estava indo pra lá mes...
Ela se interrompeu no meio da frase. Pelo visto, não queria me dizer pra onde estava indo — talvez com medo de que eu contasse isso pros inimigos dela. De qualquer forma, o segredo já tinha vazado. Sorte dela que eu nem ligava.
A garota me deu a direção geral e quanto tempo levaria pra ir a pé — Mils não ficava longe.
Talvez eu consiga dormir numa cama de verdade hoje...
—Que país é esse?
—Você não sabe em que país está?
—É uma longa história—eu estive vivendo debaixo de uma pedra. Só responde a pergunta, vai? —respondi, tentando despistar a desconfiança dela.
—Bem... agora estamos na parte sul do Reino de Ulza—essa área é conhecida como a Floresta Sombria.
Uau. Nem é Alion? Eu só presumi que as Ruínas do Descarte ficavam lá, mas... essa informação é bem útil.
—Onde fica o Reino de Alion a partir daqui? —perguntei.
—Alion? Fica ao norte de Ulza. Se continuar indo para sudeste daqui, vai chegar até... —ela hesitou por um instante, —o Império de Bakoss.
Tinha algo que ela não estava dizendo, mas resolvi não forçar.
Pelo menos estou longe daquela Deusa nojenta por enquanto. Se isso aqui é outro país, não devo estar em perigo imediato com ela.
—Certo, minha próxima pergunta vai parecer meio estranha.
A garota pareceu surpresa, mas lembrou que estava sendo obrigada a cooperar.
—Ah. Certo. Manda ver.
—Então... quanto custa um pão por aqui?
—Você não sabe isso...?
—Como eu disse, vivi debaixo de uma pedra. Não faço ideia dos preços por aqui.
—Entendo... Diria que, independente de onde você estiver, uma fatia de pão não deve custar mais que uma moeda de prata.
Bom saber que pão existe nesse mundo.
—Quantas moedas de bronze formam uma de prata?
—Trinta.
Digamos que uma fatia de pão custa 100 ienes. Isso faria uma moeda de prata valer uns 3.000 ienes? Já me dá uma noção, eu acho, mas não posso esperar que os preços aqui sejam os mesmos do Japão... Tenho que parar de pensar em ienes. Saber o preço do pão já é um bom começo—o resto pode esperar até eu chegar em Mils.
Continuei fazendo perguntas enquanto a barra amarela ia diminuindo, até que só restava mais uma coisa importante pra perguntar.
Tirei os pergaminhos de magia proibida da minha bolsa e os mostrei para a garota.
—Consegue ler isso?
Os olhos vidrados dela analisaram o pergaminho.
Será que ela percebeu que consegue mexer a cabeça inteira?
Não dava pra saber com certeza. Agora que eu estava mais perto, dava pra ver olheiras profundas...
Dias e dias fugindo, sem dormir direito?
Ela franziu a testa.
—Parece uma língua antiga... e rara, por sinal.
—Consegue ler?
—Infelizmente, não.
—Tudo bem.
Enrolei os pergaminhos e os guardei de volta na bolsa.
Acho que não vai ser tão fácil—eu esperava ao menos uma pista, mas vou ter que continuar procurando.
—Apesar de que...
—Hm?
—Talvez eu conheça alguém que consiga.
—Sério? Por que acha isso?
—Ela já foi conhecida como a Bruxa Proibida—nunca ouviu esse nome?
—Não.
Uma bruxa, hein?
—Da última vez que ouvi falar dela, tinham expulsado ela de casa por causa do conhecimento proibido que possuía—os camponeses desconfiaram dela.
Acho que é por isso que é proibido. Bem, mesmo que seja só um palpite baseado em boatos, já é alguma coisa.
—E se eu quiser encontrar essa bruxa? Onde ela está?
—Você conhece as Grandes Ruínas?
—É a primeira vez que ouço falar.
—Dizem que ela vive em algum lugar daquela região.
—Você não tem certeza?
—Desculpa—só tenho rumores.
—É longe daqui?
—Siga para o norte e eventualmente chegará lá, mas... —ela hesitou de novo. —Acho que alcançá-la vai ser bem difícil.
—Por que diz isso?
—A área ao redor das Grandes Ruínas é conhecida como a Terra dos Monstros de Olhos Dourados.
Tinha muita coisa que eu não entendia do que ela estava me contando, mas não dava pra me surpreender tanto assim—eu mal sabia algo sobre esse mundo, então era informação demais pra processar de uma vez.
Quando tiver um tempo, preciso sentar e organizar tudo isso.
—Então, imagino que seja uma área cheia de monstros?
—Correto—é uma zona perigosa que ocupa boa parte do centro do continente.
—Hmm.
Parece que todo mundo nesse continente conhece o perigo que tem lá... o que faz do lugar o esconderijo perfeito pra essa bruxa.
—Obrigado pelas informações. De verdade.
Olhei para a barra—só restavam alguns minutos.
Acho que posso confiar nela, mas... sempre existe a chance de ela me atacar assim que o efeito passar. Até aquela Deusa nojenta parecia simpática no começo.
Hora de ir.
—Tem mais alguma coisa?
—Não. Terminei.
Ela soltou uma risada forçada.
—Acho que isso não nos deixa quites, né...? Isso é pouco pra pagar por você ter salvado minha vida—
—Não.
—Hm?
—Estamos quites. As informações que você me deu já compensam essa dívida.
Saber de tudo isso antes de chegar à cidade é uma bênção.
—Agora, vamos seguir caminhos diferentes—entendido?
—S-sim. Se essa for sua decisão, claro.
Ela parecia querer fazer mais, boa demais pro próprio bem.
Deve ser difícil viver assim—se preocupando tanto com os outros.
Ela me lembrava minha mãe adotiva, que passava tanto tempo cuidando dos outros que me fazia me preocupar com ela. Minha mãe adotiva era o melhor exemplo que eu tinha do que é ser uma boa pessoa.
—Até mais.
—Com licença, mas... essa técnica de restrição de movimento...
—Vai sumir em alguns minutos. Não posso garantir sua segurança depois disso, viu.
Eu disse “habilidade” antes, mas ela usou o termo “técnica”...
—Entendo. Então vai ser desfeita em breve —respondeu. Eu estava quase certo de que ela tinha alguma habilidade de detectar mentiras.
—Obrigado por responder minhas perguntas tão rápido.
—Você parecia estar com pressa.
Ela deve ter notado que eu ficava de olho na barra...
—Bem, obrigado.
—Te devo minha vida.
—Você não é tão ruim. Pode parecer irônico, já que acabei de te emboscar na floresta, mas... espero que tenha uma boa viagem.
Me virei e fui embora.
Depois de um tempo, Piggymaru saiu de dentro do meu manto com um “Squiii!”
—Hm?
—Squii?
—Quer saber por que eu deixei ela ir?
— Squee.
Piggymaru ficou verde.
— Ela não parecia querer me machucar, e respondeu todas as minhas perguntas. Não tem por que atacar alguém que não quer te ferir ou te matar — não quero sair por aí matando pessoas sem motivo. Eu tenho um código, sabia?
— Squee-squee...
O tentáculo do Piggymaru se balançava para cima e para baixo, concordando.
— Mas aquela garota ainda pode vir atrás da gente quando conseguir se mover. Tô contando com você pra cuidar das minhas costas, parceiro.
Piggymaru ficou alerta, mudando pra um verde vibrante.
— Squee!
Ela parecia gentil. O que eu devia fazer? Se ela tivesse me lembrado dos meus pais biológicos, eu teria matado sem hesitar, mas... ela me lembrava tanto dos meus pais adotivos que eu tive que parar e conversar.
— Acho que essa é mais uma regra minha, então...
Mas toda regra tem exceções.
Enquanto eu avançava pela floresta, acabei encontrando uma nascente de água cristalina no meu caminho.
— Certo, Piggymaru. Vou só me limpar um pouco. Fica de olho, tá?
Olhei pro meu próprio rosto refletido na água limpa.
Tô com uma cara horrível…
— Pirralho impertinente, sempre com esse olhar triste e nojento nos olhos!
Lembrei das palavras do meu pai biológico.
Talvez eu não esteja com uma cara horrível... talvez essa seja só minha cara mesmo.
Peguei um pouco da água com as mãos.
Não quero beber isso, mas seria bom levar um pouco. Pode ser útil depois.
Enchi minha velha garrafa de refrigerante. Depois tirei a roupa, dobrei tudo direitinho e deixei na beira da água. Com o pano que fiz rasgando meu uniforme, entrei na nascente. A temperatura era agradavelmente morna, as folhas salpicadas de sol se mexendo com a brisa leve.
Finalmente, uma chance de me limpar.
Senti meus músculos tensos relaxarem conforme a água escorria sobre eles, e então...
Folhas se amassaram no chão da floresta. Meus ombros ficaram tensos. Levantei o braço rapidamente na direção do som.
— Ah—
— É só você...
A garota de cabelos dourados de antes estava parada, olhando pra mim por entre os arbustos. Não dava pra ver a armadura ou a espada — só uma bolsa pendurada no ombro.
Será que toda aquela armadura cabe aí...? Não é possível que ela tenha jogado fora, né?
Devo ter encarado demais — a garota desviou o olhar.
— Desculpa por te incomodar.
Ela se curvou.
— Você queria usar a nascente? Eu saio assim que estiver seco.
— Não, tudo bem. Pode ficar à vontade — ela disse, se virando e sumindo de novo na floresta.
Voltei a me lavar com o pano, a água fresca e revigorante nas costas.
— Sq... Squee...
Um Piggymaru achatado saiu dos arbustos se arrastando na minha direção.
— Hmm? O que foi, parceiro?
— Squeeee...
Piggymaru tava chateado com alguma coisa?
— Não me diga... Você tá se sentindo mal porque não percebeu que a garota tava chegando?
— Squee...
Piggymaru ficou verde. Me agachei e estendi a mão.
— Squee...
Piggymaru tremeu de leve, esperando ser cutucado como punição. Em vez disso, afaguei o pequeno slime.
— Squee?
— Relaxa. Você fez o seu melhor, né?
— Squee! Squee!
Mas por que o Piggymaru não viu ela vindo...?
Olhei na direção por onde ela foi.
É, ele pode ter baixado um pouco a guarda, mas... eu mesmo só percebi quando já era tarde. Piggymaru é muito mais sensível a movimentos e sons do que eu, e mesmo assim ela passou despercebida. Tem algo de diferente nela...
— Acho que ela deve ter alguma técnica pra esconder a presença — não é à toa que você não conseguiu notar.
Isso explicaria por que aqueles quatro mercenários demoraram tanto pra encontrá-la também. Devem ser caçadores de recompensa experientes.
— Squee, Squee, Squee — Piggymaru se desculpava desesperadamente.
— Já disse que tá tudo bem! Eu não abandonaria meu parceiro por causa disso!
Piggymaru ficou rosa e rolou pra se esfregar nos meus pés.
— Squee~! Squee~! ♪
Dei uma risada.
Pelo menos agora ele parece feliz.
— Certo. Rumo a Mils.
A Fugitiva
QUEM DIABOS era aquele garoto...?
Ela não conseguia parar de pensar nele enquanto chegava aos portões da cidade de Mils. De ter esbarrado com ele na floresta depois do primeiro encontro... e no corpo nu dele.
Talvez tenha sido a primeira vez que ela viu um garoto pelado daquele jeito. Nem o próprio pai ela tinha visto assim. As bochechas esquentaram e ficaram coradas enquanto tentava tirar ele da cabeça.
Ainda assim, que sorte a minha. Os White Walkers derrotados por acaso... por um estranho...
Derrotar aqueles quatro não deve ter sido fácil pro meu salvador, mas pelo jeito que ele falava, também não parecia que foi difícil.
Será que foi aquela técnica estranha...?
Ela se orgulhava de conhecer esse tipo de coisa, mas uma habilidade que conseguisse imobilizá-la daquele jeito...? Não fazia ideia do que tinha acontecido.
Seria algum tipo de técnica de status? Não... impossível. Essas são famosas por terem baixa taxa de sucesso — é impensável que ele tenha usado isso em cinco alvos sem falhar nenhuma vez. E ainda durou muito tempo.
Será que foi uma espécie de encantamento...? Talvez um que eu nunca vi antes? Pode ter usado algum veneno pra me paralisar, mas... ele conseguiu dissipar parte dos efeitos num instante. Deve ser algum tipo de magia...
Ela voltou à realidade depois de se perder demais nos pensamentos.
Não. Tenho que focar na minha situação. Primeiro, preciso de dinheiro pra continuar a jornada.
Tinha ouvido rumores de que dava pra conseguir dinheiro rápido em Mils, se você soubesse jogar suas cartas direito.
Acho que vou ter que buscar informações.
Não havia mais perseguidores atrás dela, e ninguém em Mils sabia quem ela era, mas... baixar a guarda podia ser fatal.
"…"
Da próxima vez que eu deixar meu disfarce cair, não posso dar margem pro azar.
Ela respirou fundo e partiu em busca de informações. As notícias sobre as oportunidades lucrativas em Mils com certeza já tinham se espalhado para outras cidades. Ela sabia exatamente onde poderia encontrar o que precisava — na Guilda dos Mercenários.
O prédio da Guilda dos Mercenários era marcado por uma placa de madeira entalhada, com a imagem de um pergaminho. Ela entrou no salão movimentado e várias cabeças se viraram em sua direção. Mercenárias eram raras — e geralmente chamavam a atenção errada. Escondeu o medo sob sua aparência disfarçada de humana.
Não sou daqui — deve ser só por isso que estão me encarando…
Ignorando os olhares, atravessou o salão até o quadro de avisos no fundo. Era ali que colocavam as missões que os membros da guilda podiam aceitar. Ela percorreu os olhos pelas opções até que fixou o olhar no maior dos cartazes.
Parece que cheguei bem na hora certa. Se isso der certo, vou conseguir cobrir meus gastos com viagem por um bom tempo… Assim que juntar o suficiente, preciso dar o fora de Mils.
Certo, hora de encontrar um lugar pra passar a noite—
Quando já se virava para sair, outro cartaz chamou sua atenção. Um dos mercenários começou a falar alto atrás dela.
— Uou, dá só uma olhada nessa recompensa!
— Tô vendo…
— Dizem que ela era uma princesa elfa superior, sabia? Aí fugiu pra ser cavaleira em algum reino estrangeiro, algo assim — disse o mercenário, coçando o queixo. Ela escutava atenta.
— É uma guerreira experiente… e ainda por cima uma beldade inacreditável! Já ouviu falar dela? Dizem que nem precisaram embelezar o rosto no cartaz!
É uma recompensa — claro que tem que parecer com o alvo.
— Heh heh… O que você faria se uma beleza dessas caísse no seu colo? — perguntou o mercenário, com um sorriso malicioso. — Nenhum dos brutamontes daqui entregaria ela sem se divertir um pouco antes.
O homem a encarava agora, examinando ela de cima a baixo.
— Ei, você também não é nada mal! Não chega no nível de uma princesa, mas não tá ruim!
Pelo visto, era isso que ele queria desde o começo.
— Que tal, hein? Quer um pouco de companhia?
Ela se virou e saiu sem dizer uma palavra. O mercenário soltou uma risada amarga.
— Não gostou de ser comparada com a realeza, é?
“…”
Ela olhou de volta por um instante, encarando o cartaz. A recompensa era alta, mas ela não teria como reivindicá-la. Seus olhos desceram até o nome impresso em letras grandes abaixo do retrato.
Seras Ashrain.
Sem dizer uma palavra, Seras Ashrain saiu do salão lotado.
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