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Chapter 04 - Vol 03: Epílogo: Um Caipira Aposentado Toma Mais Uma

 Epílogo: Um Caipira Aposentado Toma Mais Uma

—Ah! Bem-vindo!

Assim que abri a porta, ouvi o som familiar da garçonete e o tilintar do sino. Era uma taverna aconchegante, escondida em uma das ruas laterais do distrito central de Baltrain. Eu costumava frequentar esse lugar quando me hospedava numa estalagem próxima, embora já fazia um tempo desde a última vez. O ensopado que eles faziam era uma delícia.

A taverna era tocada por um casal e a filha deles. Assim como nas visitas anteriores, já havia vários clientes no local. Parece que o negócio está indo bem. É bom ver restaurantes cheios. Se as tavernas estavam movimentadas, era sinal de que mercadorias e pessoas — ou seja, a economia como um todo — estavam fluindo com força. Afinal, se faltasse qualquer uma dessas coisas, restaurantes não conseguiriam funcionar.

—Ufa.

Acabei sentando naquela misteriosa cadeira vazia no final do balcão. Esse lugar normalmente estava lotado, mas por algum motivo, esse assento costumava estar disponível. Eu gostava da posição dele, então era conveniente pra mim.

—Com licença, uma cerveja, por favor.

—Já vai sair!

Assim que sentei, só tinha uma coisa pra pedir — cerveja. Eu já tinha tomado vinho no palácio, então ainda tinha álcool correndo nas veias. Embora bebidas caras fossem gostosas, não levantavam o meu ânimo. Derrubar uma cerveja num lugar desses combinava bem mais com um plebeu raiz como eu. Pra uma refeição ser boa de verdade, a comida precisava estar boa, claro, mas o ambiente também contava — era importante se embriagar no clima do lugar.

Nesse sentido, a comida do palácio tinha sido incrível, mas eu não consegui aproveitar. Estava nervoso demais tentando medir cada ação e evitar ser grosseiro. Não tive nem tempo de saborear nada. Estava tão tenso que até a carne parecia sem gosto. A opinião pública provavelmente diria que era uma honra ter o rei, o príncipe e a princesa sabendo meu nome e rosto. A Allusia, então, ficou especialmente orgulhosa por algum motivo. Pensar nisso me dava vontade de resmungar sobre o porquê de ela ter se empolgado tanto.

Enfim, um jantar de luxo no palácio era mais do que esse velho chato aqui merecia. Eu sabia que as pessoas ao meu redor notaram minha falta de entusiasmo, mas não é como se eu pudesse simplesmente mudar quem sou.

—Aqui está sua cerveja!

Um caneco de madeira transbordando de cerveja foi colocado na minha frente, junto com uns petiscos. É disso que eu tô falando. Combina bem mais comigo. Beber algo refinado num restaurante elegante não era ruim, mas não fazia meu estilo.

—Saúde.

Engoli a cerveja num gole só. Ah, sim. Essa sensação refrescante penetrando até os ossos era exatamente o que eu precisava. Eu gostava de todo tipo de bebida alcoólica, mas cerveja definitivamente era a minha preferida. O amargor na medida certa e a efervescência já bastavam pra acalmar o coração.

Depois de matar a sede, fui pros petiscos. Bem salgadinhos e saborosos. Joguei alguns na boca e mastiguei com gosto.

—Putz... Isso tá bom demais...

Essa taverna era fantástica. Ficar no distrito central de Baltrain já era um bom indício, mas ainda assim, era exatamente o tipo de lugar que me agradava. O ambiente era perfeito — não tinha luxo, mas também não era uma espelunca de beira de estrada. O dono e a filha eram super gentis também, então era o lugar mais confortável pra eu me embebedar.

—Com licença, mais uma cerveja.

—Já vai sair!

Por enquanto, decidi começar com mais uma enquanto pensava no que comer. Eu já tinha comido no palácio, então não estava com fome de verdade. Só com um leve belisco. Queria algo pra comer, mas nada muito pesado.

—Hmm...

Enquanto tomava a segunda cerveja, fiquei encarando o cardápio escrito em placas de madeira penduradas na parede. E agora, o que pedir? Tudo ali era bom, então difícil dar ruim, mas nada estava me chamando atenção. Só tomar cerveja com petisco era uma opção, mas provavelmente ia acabar com fome antes de dormir. Tecnicamente, eu podia comer em casa quando quisesse, mas isso daria um péssimo exemplo pra Mui. E manter o peso na minha idade também era algo que eu não podia ignorar.

—Um ensopado cairia bem, mas...

Me veio à mente o ensopado de linguiça que eu costumava comer ali. Não era tão pesado quanto outras carnes, mas ainda assim bem encorpado e com um sabor incrível. Só que já fazia um tempo desde a última vez que fui. Minha nova casa ficava no distrito central também, mas mais ao norte, então não dava pra vir aqui com frequência. Dito isso, queria experimentar algo novo.

Enquanto eu ainda estava pensando no que pedir, a filha do dono da taverna me chamou.

—Ahm, com licença!

—Hm? O que foi?

Se bem me lembro, o nome dela era Aida. Uma garota animada — o rabo de cavalo balançava pra lá e pra cá enquanto ela se movia, e os olhos grandes dela me lembravam a Kewlny. Apesar de eu conhecer o nome e o rosto dela, não éramos íntimos o suficiente pra ela puxar papo comigo assim do nada. Será que precisava de algo desse velho aqui?

—Se quiser, temos um item novo no cardápio! Ahm... Parece que o senhor está com dificuldade pra escolher, então...

—Hmm, novidade no cardápio, hein?

As palavras tímidas da Aida eram encantadoras de um jeito difícil de resistir. Um item novo — agora isso era interessante. Baltrain tinha um monte de restaurantes e tavernas, então era normal eles tentarem se destacar de alguma forma pra atrair clientes. Ter um diferencial podia trazer muito mais movimento.

—Vou experimentar.

—Com certeza!

E ainda por cima estavam recomendando diretamente pra mim. Que amante da comida teria coragem de recusar? Aida aceitou o pedido e correu pra cozinha toda feliz. Caramba, agora fiquei animado. Seria meio problemático se viesse um pratão de carne, mas as porções individuais daquele lugar nunca eram exageradas. Aliás, parecia que eles priorizavam qualidade em vez de quantidade, o que era ótimo pro estômago de um quarentão como eu.

Continuei bebendo minha cerveja por mais um tempo e terminei os petiscos. Quando comecei a me perguntar quando a comida ia chegar, Aida apareceu alegremente com um prato nas mãos.

—Obrigado por esperar!

—Oooh...

Um brilho dourado cintilava sob uma nuvem de vapor enquanto um aroma rico vinha em minha direção.

—Risoto, hein? Parece ótimo.

Pelo cheiro e pela aparência, era um risoto de queijo. Os grãos de arroz, macios e delicados, realmente abriam o apetite. Dava pra ver cogumelos e frango ali também. Ervas decoravam o prato, dando cor e deixando tudo ainda mais apetitoso.

—Beleza, hora de atacar.

Peguei uma colher de arroz. O queijo derretido se enrolou ao redor da colher e escorreu lentamente de volta. Caramba, nem experimentei ainda e já parece delicioso. O dono do bar cozinhava muito bem, e esse prato combinava perfeitamente com a minha fome de agora.

—Nom... Ih, tá quente.

Dei uma mordida. O arroz fervente se desfez gentilmente na minha língua, e o umami do arroz, cogumelo, frango e queijo inundou meu paladar, transformando o interior da minha boca num verdadeiro paraíso. Os sabores estavam perfeitamente misturados. Era cremoso, mas o arroz ainda tinha a textura certa — no ponto ideal.

Hmm, isso tá incrível. O aroma forte do queijo estimulava o apetite, mas sem deixar gosto residual. Era super leve. Além disso, o perfume do azeite de oliva estava discretamente misturado aos sabores. Os ingredientes dos restaurantes de Baltrain eram de alta qualidade — nesse prato, o queijo e o azeite não tinham cheiro estranho nenhum, o que mostrava o quão frescos eram.

Sim, isso tá ótimo. O sabor era intenso, mas nada enjoativo. O frango tinha sido cortado em pedacinhos e estava tão macio que desmanchava na boca, o que tornava fácil pegar com a colher e comer sem esforço.

—Hmm, fantástico.

Soprei o risoto pra esfriar e mandei mais uma colherada. Dessa vez, senti um pouco das ervas que enfeitavam o prato, que adicionavam um toque levemente salgado e amargo. O prato tinha sido pensado pra não enjoar quem estivesse comendo.

—Mmgh... Pwah.

E olha, queijo combinava demais com cerveja. Até o simples ato de limpar o gosto do risoto da boca com um gole me dava uma onda de prazer. Não dava pra me cansar daquilo.

—Ufa, isso que foi uma refeição.

Não tinha vindo muito no prato, mas o sabor era tão intenso que foi mais do que satisfatório. Na real, foi perfeito pro meu apetite de agora. Duvido que qualquer outra coisa teria me deixado tão satisfeito.

—Ah, e aí? Gostou? — perguntou Aida quando terminei.

—Foi maravilhoso. Isso aqui com certeza vai vender. Valeu por ter recomendado.

Eu tava meio na dúvida sobre o que pedir, mas a sugestão dela foi certeira. Com certeza vou querer voltar aqui outra hora pra provar mais da cozinha do dono.

Satisfeita com minha resposta, um sorriso radiante iluminou os traços delicados de Aida.

—Hehehe, que bom!

Sim, que sorriso perfeito. Depois de tanto tempo convivendo com beldades como a Allusia e a Selna, meus sentidos tavam meio bagunçados, mas uma garota simples como a Aida também tinha seu charme. Não que eu estivesse com intenções de dar em cima dela... Mas, se fosse pra formar uma família, sentia que teria uma boa compatibilidade com uma mulher com esse perfil mais caseiro.

Desde que a missão de escolta começou, eu tava numa tensão constante, e minha ansiedade só cresceu durante o banquete no palácio. Mas agora, tudo isso tava se desfazendo. Fazer uma refeição num lugar aconchegante realmente acalma a alma, e comer algo absurdamente caro nem sempre é a melhor escolha.

Saboreei o restinho da minha cerveja, tomando aos poucos. Depois de um tempo, o dono do bar falou do balcão.

—Ora, ora! Já fazia um bom tempo.

—Ah, olá — respondi. —É, me mudei recentemente.

Era bom saber que ele lembrava de mim, mesmo eu não sendo mais cliente frequente. Talvez esse fosse um dos encantos secretos dessa taverna.

—A Aida tava preocupada — ele disse. —Vivia comentando que não te via por aqui.

—Hahaha, obrigado pela consideração.

Eu vinha aqui bastante quando tava hospedado na estalagem. Mas depois que me mudei pra casa da Mui, quase não apareci mais. Fiquei um pouco culpado por ter preocupado o pessoal.

—Continue nos prestigiando, por favor — ele completou.

—Claro. O risoto de hoje tava excelente. Quem sabe eu traga a Mui da próxima vez. Aposto que ela também ia gostar dos sabores. —Vou indo. Valeu pela comida.

Com isso, me levantei. Eu não costumava comer arroz com frequência, mas foi bem gostoso. E é algo que dá pra cozinhar com calma... Talvez fosse divertido tentar fazer um com a Mui.

—Ah, muito obrigada! — gritou Aida quando cheguei à porta.

—Hmm. O risoto tava ótimo.

De forma geral, o dono do bar preparava toda a comida dali — a esposa ajudava, e a filha atendia os clientes. Fiquei pensando se a Aida também cozinhava. Eu era só um cliente, então não quis perguntar, mas se tudo corresse bem, ela provavelmente herdaria o lugar. Uma parte de mim queria experimentar um prato feito por ela.

—Uma herdeira, hein...?

Esse pensamento me levou a outro caminho. Meu pai e o Randrid estavam cuidando do dojo atualmente, mas eu ainda era, tecnicamente, o mestre do dojo. Se meu pai não tivesse me expulsado, provavelmente ainda estaria lá, comandando o lugar.

—Hmmm...

Uma herança... um sucessor... Não parecia certo simplesmente passar o dojo pro Randrid. Eu queria que ele fosse herdado pela próxima geração da minha família. Isso significava que meu filho herdaria, mas não parecia justo forçar a Mui nisso. Além do mais, ela com certeza recusaria, e eu não queria prendê-la a uma vila no meio do nada.

Conheci tanta gente desde que saí da vila. Mesmo assim, nunca consegui tocar de verdade no assunto de casamento ou herdeiros. Só sabia que meu filho herdaria minha espada. E, sendo sincero, eu era um babão com a Mui, então já dava pra imaginar como eu agiria com um filho de sangue.

—Isso é complicado...

Minhas antigas alunas como a Allusia e a Selna me idolatravam. Mas eu não conseguia ver nenhuma delas como minha futura parceira.

—Será que não podia rolar um encontro perfeito do nada, assim, no meu colo?

Eu sabia que isso era só um desejo bobo, mas depois de tantos anos de vida, eu não fazia ideia de como lidar com isso. Só Deus sabe, como dizem. Além do mais, mesmo que esse encontro caísse no meu colo, não adiantaria se eu nem percebesse. Eu não tava com pressa nem nada, mas agora que morava com a Mui, esse tipo de pensamento aparecia de vez em quando. Talvez o erro fosse meu, por só pensar e nunca agir.

—Bom, vai dar tudo certo de um jeito ou de outro...

Senti que já tinha murmurando essas palavras antes, mas era a verdade pura e simples. Eu não via necessidade de sair por aí procurando por uma parceira, então só me restava deixar nas mãos do destino. Pro bem ou pro mal, agora eu tava bem mais próximo do centro do mundo em Baltrain do que quando vivia em Beaden. Mas será que é essa vida que eu quero? Não tenho certeza...

—Certo, hora de ir pra casa.

Avisei a Mui que jantaria no palácio, então provavelmente ela não tava me esperando com fome. Mas, por causa da parada na taverna, já tava ficando tarde. Não queria que ela se preocupasse, então decidi acelerar o passo.

Ir pra minha própria casa em vez de uma estalagem levantava meu ânimo. Sentia um calor no peito que não existia nos meus primeiros dias em Baltrain. Ainda assim, isso só duraria até a Mui se formar na academia de magia e seguir seu próprio caminho. Eu ainda não tinha decidido o que faria depois disso. Se eu não encontrasse uma esposa até lá, será que minha vida solitária voltaria com tudo?

E assim, continuei andando pelas ruas. Alguém me esperava em casa, e esse pensamento trazia uma felicidade suave... misturada com um leve toque de solidão.

Meus passos estavam um pouco mais leves do que nos meus primeiros dias em Baltrain.




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