Capítulo 68 — Um final
Ao relembrar as cenas que tinha acabado de presenciar, fiquei tonto. Se eu não fizesse nada, aquele desastre se repetiria. Então, eu precisava impedi-lo a todo custo, mas... o que eu podia fazer?
Me lembrei dos inúmeros dragões descendo sobre a capital real de Larna. Dragões costumam ser criaturas solitárias, mas por algum motivo, naquela época eles estavam agindo de forma organizada. Provavelmente era o Rei Demônio Zoga que estava comandando tudo. Diziam que o Rei Demônio tinha o poder de controlar monstros.
— Se eu conseguir impedir a ressurreição do Rei Demônio, será que consigo evitar essa catástrofe sem precedentes?
Por alguma razão, o Rei Demônio Zoga — que já deveria ter sido derrotado pelo herói — estava vivo na capital. Eu não conseguia imaginar como isso era possível, mas talvez existisse um jeito de evitar sua ressurreição. Por exemplo, se o corpo do Rei Demônio fosse necessário pra ressuscitá-lo, talvez proteger esse corpo fosse o suficiente.
Meu plano começou a tomar forma. Primeiro, eu precisava reencontrar o Herói Eligion o mais rápido possível e pedir que ele derrotasse o Rei Demônio.
◆
Segui os mesmos passos que havia feito na linha do tempo anterior. Evitei as armadilhas e os espinhos no caminho, e entrei na sala secreta que vinha em seguida. Dentro da sala, peguei a habilidade "Aceleração" de um baú e derrotei o urso blindado, os Bugbears, que apareceram.
Depois disso, reencontrei o Herói Eligion e o guiei até o local onde o Rei Demônio Zoga estava. Então, observei o duelo entre o herói e o Rei Demônio.
Assim como antes, o Herói Eligion saiu vitorioso. O Rei Demônio estava realmente morto.
Confirmei com meus próprios olhos o corpo sem vida de Zoga, com o peito cortado.
Não dava pra ouvir batimentos cardíacos, nem respiração. Não parecia haver nenhuma chance de ele ainda estar vivo.
— Kiska-kun, você tá com uma cara meio abatida. Tem alguma coisa te incomodando?
De repente, o Herói Eligion falou comigo. Pelo jeito, minha preocupação estava estampada na minha cara.
— Eu tava com receio de que o Rei Demônio ressuscitasse, então tava verificando o corpo dele — respondi com sinceridade, achando que não havia problema em dizer a verdade.
— Haha, preocupado com ressurreição, é? Kiska-kun, você é mesmo um cara preocupado — ele riu.
Mesmo tendo visto o Rei Demônio ressuscitar com meus próprios olhos, não dava pra brincar com isso. E, ao mesmo tempo, ninguém acreditaria se eu dissesse a verdade.
— Bom, se você tá tão preocupado assim, é só queimar o corpo.
— Dá pra queimar?
— Mesmo que eu tenha que levar a cabeça como prova da vitória — disse Eligion, colocando a espada no pescoço do Rei Demônio e separando a cabeça do corpo.
De fato, a prática comum é cremar os mortos. Às vezes, se são enterrados, podem voltar como mortos-vivos.
Então, queimar parece mesmo a opção mais segura.
— Hm, será que tem alguma pedra mágica sobrando... Ah, acabei de usar a última. Kiska-kun, você tem alguma?
— Também não tenho.
Se tivéssemos pedras mágicas, poderíamos fazer uma fogueira, mas infelizmente estávamos sem.
— Certo. Eu sei onde posso conseguir algumas. Posso sair por um tempo?
— Claro. Se cuida.
— Pode deixar.
Logo em seguida, comecei a me mover pela masmorra com pressa. Pedras mágicas podem ser obtidas derrotando monstros, então eu só precisava encontrar alguns por perto.
Mas, pensando bem, por aqui deve estar o esconderijo que a vampira Judite criou.
Lá dentro, ela tinha um estoque de pedras mágicas. Talvez fosse mais fácil pegar as pedras guardadas do que sair caçando monstros.
Mas espera... o esconderijo existia na época em que ela vivia, cem anos no futuro. Não tem garantia de que ele já exista agora. Afinal, a vampira Judite é imortal, e talvez ela já tenha feito dessa masmorra seu lar.
De qualquer forma, vale a pena conferir. Lembro que, se eu bater nas paredes por aqui, um corredor secreto deve aparecer.
Aí está.
Entrei e encontrei uma sala com camas e sofás. Com certeza, aquilo tinha sido montado de propósito. Ou seja, nessa época, a vampira Judite já está usando essa masmorra como base. É possível até que ela mesma esteja por aqui.
Mentalmente agradecendo à vampira Judite, peguei a quantidade necessária de pedras mágicas. Depois disso, voltei até onde estava o Herói Eligion.
— Você voltou rápido — disse Eligion ao me ver chegar com as pedras nas mãos.
— Tive sorte e consegui várias — respondi.
Enquanto falava, reparei na pessoa ao lado do herói. Era a Cavaleira Sagrada Canaria. Pelo visto, ela tinha se juntado a nós enquanto eu buscava as pedras mágicas.
— Canaria-san, obrigado pelo trabalho.
— Hmph, você conseguiu se reunir com Sua Majestade antes de mim.
Enquanto conversávamos, começamos a preparar o corpo do Rei Demônio pra cremação.
— O que vocês estão fazendo?
— Só garantindo que o Rei Demônio não volte à vida, queimando os restos dele.
— Entendo. E vão levar a cabeça com vocês, certo?
— Claro.
A pergunta da Cavaleira Sagrada foi respondida pelo próprio Herói Eligion. Depois, usamos as pedras mágicas pra acender uma fogueira e queimamos o corpo do Rei Demônio.
— Ah, aí estão vocês! Finalmente encontrei! Achei que ia morrer!
— Nem me fala! Já tava perdendo as esperanças!
— …
O anão Gorgano, a elfa Nyau e o homem encapuzado chamado Noct apareceram.
Nessa altura, os restos do Rei Demônio já tinham virado só ossos.
Depois disso, assim como na linha do tempo anterior, usamos a magia de teleporte da Nyau pra sair da masmorra.
Quando voltamos pra Vila Katarov, fomos recebidos com uma grande celebração, cheia de comida e dança. Enquanto todos estavam relaxados, eu continuava em alerta.
A cabeça do Lorde Demônio estava amarrada a um mastro e exibida bem no centro da vila. Eu a observava o tempo todo. Enquanto essa cabeça permanecesse aqui, o Lorde Demônio não deveria ser capaz de voltar à vida.
— E aí, Kiska-kun. Como você tá segurando as pontas? — o Herói Eligion puxou conversa comigo.
— Você parece meio abatido.
Parece que ele percebeu que eu estava tenso.
— Bom, é que eu tô preocupado com a possibilidade do Lorde Demônio voltar à vida…
— Hahaha, Kiska-kun, você é mesmo um cara preocupado.
— É, talvez eu seja mesmo.
Concordando com a cabeça, o Herói Eligion se sentou ao meu lado.
— A propósito, qual é a sua relação com aquela pessoa que você tá procurando? Agetha, né?
Ele perguntou de repente, provavelmente querendo puxar assunto.
Agora que penso nisso, quando encontrei o Herói Eligion pela primeira vez, perguntei sobre a Agetha. Mas ele não fazia ideia de quem ela era.
— Agetha é uma pessoa importante pra mim.
— Ela é da sua família?
— Não, ela não é da minha família.
— Então, é sua namorada?
Não é minha namorada, mas também não consigo pensar numa forma boa de descrever nossa relação. A gente não tem laço nenhum, mas mesmo assim eu só quero ajudá-la.
— Bom... é tipo isso.
Não é exatamente isso, mas negar só ia complicar tudo, e sinceramente, não tô com vontade de explicar.
— Entendi. Se eu acabar encontrando ela, vou te avisar.
— Obrigado. Fico grato por isso.
Enquanto agradecia, pensava comigo mesmo.
Onde será que a Agetha tá? Ela é uma heroína, então presumi que estivesse numa missão pra derrotar o Lorde Demônio, mas mesmo depois da queda dele, não vi nenhum sinal dela.
Quero muito ver a Agetha logo. Tenho vontade de sair correndo pra procurar por ela, mas agora, impedir a ressurreição do Lorde Demônio vem em primeiro lugar.
— A propósito, o que você planeja fazer agora, Herói?
— Ah, vou passar a noite aqui na vila e seguir pra capital logo cedo amanhã.
Entendi... então o Herói também vai pra capital. Nesse caso, ele provavelmente presenciou o ataque dos dragões à cidade na linha do tempo anterior.
— E o que vai fazer com a cabeça do Lorde Demônio?
— Ah, com certeza vou levar comigo.
— Posso ir junto com você?
Não quero tirar os olhos da cabeça do Lorde Demônio. Nesse caso, a única opção é acompanhar o Herói nessa jornada.
— Claro, tudo bem.
— Hã? Sério?
Fiquei surpreso por ele ter decidido tão fácil.
— Você é um dos heróis que ajudou a derrotar o Lorde Demônio. Tratar alguém como você com respeito é o mínimo.
— Oh, obrigado! — Inclinei a cabeça num gesto de gratidão.
Vendo isso, o Herói Eligion sorriu.
◆
No dia seguinte, o Herói Eligion e seu grupo embarcaram em uma carruagem para seguir viagem. Parecia que os outros também iriam junto, divididos em duas carruagens. Graças ao meu pedido, consegui ir na mesma carruagem do herói. Apesar da Cavaleira Sagrada Canaria ter deixado clara sua insatisfação, Eligion aceitou minha presença.
Minha verdadeira intenção era ficar perto da cabeça do Lorde Demônio, não necessariamente do Eligion. Mas no fim das contas, o importante é que estarei na mesma carruagem que ela.
Assim, na primeira carruagem estavam três pessoas: o Herói Eligion, eu e a Cavaleira Sagrada Canaria. Na outra carruagem estavam o Anão Gorgano, a Elfa Nyau e o homem encapuzado chamado Noct. As carruagens partiram.
De repente, a Cavaleira Sagrada Canaria comentou:
— Quando chegarmos à capital, vão receber Sua Majestade com uma grande celebração.
— Eu ficaria feliz se fosse assim — respondeu o Herói Eligion.
— Sim, imagino que esteja rolando um festival por lá agora, já que devem ter ouvido sobre a derrota do Lorde Demônio. Quando chegarmos, devemos realizar uma cerimônia de triunfo.
— Cerimônia de triunfo, hein? Eu fico até envergonhado. Canaria, você participaria da cerimônia também?
— Se Sua Majestade desejar.
Os dois conversavam assim, sentados um de frente para o outro.
— Kiska, você andaria comigo na cerimônia de triunfo?
— Hã, bom... será que pode?
— Eu já disse. Você também é um herói que contribuiu na derrota do Lorde Demônio. Você tem todo o direito de participar.
Fiquei surpreso. Nunca imaginei participar de um evento desses. Sem saber como responder, olhei para a Canaria buscando alguma ajuda. Entendendo meu dilema, ela respondeu por mim:
— Essa é uma proposta de Sua Majestade. Aceitá-la com gratidão é a etiqueta apropriada.
Entendi. É assim que funciona.
— Certo. Eu vou participar.
E assim, decidi aceitar.
A conversa seguiu dentro da carruagem.
Ao meu lado, a cabeça do Lorde Demônio estava colocada com todo o respeito. Não havia sinais de que ele iria reviver, e eu torcia pra que continuasse assim.
De repente, a carruagem parou. Foi uma parada brusca, fazendo o veículo balançar.
— Aconteceu alguma coisa?
Murmurei, desconfiado.
— É, talvez seja uma boa ideia ver o que houve — sugeriu o Herói Eligion.
Seguindo o conselho dele, abri a porta e chamei o cocheiro:
— Com licença, está tudo bem aí na frente?
Falei alto o bastante pra ele ouvir.
Houve um barulho de algo se partindo, e eu me perguntei o que poderia ser. Me virei pra ver o que estava acontecendo.
Algo estourou, e senti aquilo respingar em mim. Me perguntei o que era e tentei limpar com a mão.
Estava vermelho.
Minha mão ficou tingida de um líquido vermelho vivo.
— Hã?
Demorei alguns segundos pra perceber que aquilo era sangue.
— Ahaha, finalmente, eu matei ele. Matei, matei, matei, matei, matei, matei! Eu matei ele!
Acompanhada de risadas, ela murmurava como se estivesse entoando um feitiço.
Quem gritava era ninguém menos que a Cavaleira Sagrada Canaria.
— O quê...?
Eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Na minha frente, estava a Cavaleira Sagrada Canaria, com um olhar insano e um sorriso no rosto, e o Herói Eligion, exausto.
Olhando mais de perto, havia uma adaga cravada no pescoço do herói.
Parecia que a Canaria tinha matado o herói, mas eu não conseguia aceitar aquilo. Meu cérebro simplesmente rejeitava a ideia.
Eu não entendia.
Por que a Cavaleira Sagrada Canaria matou o herói? O motivo estava completamente além da minha compreensão.
— Por quê...?
Foi só isso que consegui murmurar. Por que ela fez isso? Eu queria uma razão que fizesse sentido.
— Por que, você pergunta? Ele estava no meu caminho. No caminho da heroína.
Ela respondeu com um sorriso forçado, o canto da boca tremendo.
— Ah, é mesmo. Preciso eliminar as testemunhas.
Ela me encarou com um olhar afiado, apertando com força a empunhadura da espada ainda embainhada.
Isso é ruim... se eu não fizer algo agora, vou ser morto.
Quando ela balançou a espada, tentei aparar o golpe com minha Espada Flamejante. Mas eu não consegui aplicar força suficiente para revidar com eficácia e, como resultado, fui jogado para fora da carruagem.
Eu ainda não conseguia entender a situação, mas uma coisa era certa.
Se eu não resistisse, seria morto pela Cavaleira Sagrada Canaria.
— O que está acontecendo?
Talvez tenha percebido algo estranho. Nyau apareceu com a cabeça para fora da outra carruagem.
— Não vem!
Se ela se aproximasse, achei que a Canaria pularia da carruagem pra matá-la.
Então eu gritei:
— Não vem!
Eu tinha certeza de que, em alguns segundos, a Canaria saltaria da carruagem pra me matar, então tensei os músculos e segurei firme a espada.
Fica calmo. Concentra. Não pisca. Se a Cavaleira Sagrada Canaria tentar me matar, eu preciso reagir.
Esperei quieto. O som da minha respiração e dos batimentos do meu coração preenchiam meus ouvidos.
Hã? Ela não veio. Eu tinha certeza que ela pularia da carruagem imediatamente pra me atacar, e estava preparado pra isso, mas... nenhum sinal da Canaria.
O que tá acontecendo? O que a Canaria tá fazendo dentro da carruagem?
— Magia de fogo, quarto círculo, Chamas Escaldantes Fuego Trio!
Vi Nyau conjurando um círculo mágico, de onde surgiram pilares de fogo.
Por quê? Contra o quê ela tá usando magia? Pensando nisso, olhei na direção das chamas.
— Gyaaaaah!!
Um rugido? O som vinha de um dragão.
O dragão estava bloqueando o caminho da carruagem. Apesar da presença enorme e impossível de ignorar, eu estava tão focado na Cavaleira Sagrada Canaria que nem tinha notado ele ali.
Por que havia um dragão aqui? Eu não sabia a razão, mas entendi que ele era o motivo da parada brusca da carruagem.
De qualquer forma, nosso inimigo não era só a Cavaleira Sagrada Canaria.
Também tínhamos que lidar com o dragão.
Será que a gente conseguia vencer...?
Essa dúvida passou pela minha mente, mas por agora, eu precisava me concentrar na luta.
Num solavanco repentino, a carruagem se moveu.
Ah, em questão de segundos, a Cavaleira Sagrada Canaria provavelmente vai sair de lá.
Preciso ficar alerta.
— Entendo... então é esse que eu devo matar.
Fiquei paralisado.
Isso porque quem saiu da carruagem... não foi a Cavaleira Sagrada Canaria.
Foi ninguém menos que o Lorde Demônio Zoga, empunhando uma espada gigantesca.
— Hã...?
Enquanto deixava escapar esse murmúrio confuso, meu corpo já estava sendo cortado pela espada colossal.
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