Capítulo 69 – Modesto
— O que significa isso...?
Acordei.
Toquei o local onde tinha acabado de ser cortado por uma lâmina, me certificando de que não havia ferimentos... e então, retornei da morte.
— O que está acontecendo...?
Minha cabeça estava um caos.
A Cavaleira Sagrada Canaria matou o Herói Eligion.
Não foi um ato impulsivo; dava pra perceber pelas palavras e ações dela que era algo planejado. Provavelmente, ela já estava esperando a chance de matar o herói dentro da carruagem.
E então, o supostamente morto Lorde Demônio Zoga saiu de lá.
Eu não fazia ideia do que tinha acontecido lá dentro.
Mas uma coisa era certa: a Cavaleira Sagrada Canaria ressuscitou o Lorde Demônio Zoga.
Ou seja, a Cavaleira Sagrada Canaria é uma traidora.
No entanto, saber disso podia ser uma revelação importante.
Talvez ainda houvesse uma chance.
Talvez a gente conseguisse impedir a ressurreição do Lorde Demônio Zoga.
◆
— Ei, o que pensa que está fazendo?!
Fui agarrado pela gola, e o Herói Eligion gritou comigo, irritado.
— Me desculpe por ter agido por conta própria. Mas era necessário para impedir a ressurreição do Lorde Demônio.
Até o herói derrotar o Lorde Demônio, segui exatamente as mesmas ações da linha do tempo anterior.
Mas então, contrariando a vontade dele, tomei uma atitude por conta própria.
Queimei o corpo do Lorde Demônio, incluindo a cabeça.
— O corpo do Lorde Demônio é uma prova importante da vitória. Você entende o que significa queimá-lo?
Enquanto apertava minha gola, o Herói Eligion disse isso.
Na linha do tempo anterior, o Herói Eligion tinha dito que tudo podia ser queimado, menos a cabeça. Com a cabeça, já era o suficiente como prova da vitória.
Mas deixar a cabeça levou à ressurreição do Lorde Demônio Zoga.
Então, a única opção era queimar tudo — cabeça e corpo.
— Se o Lorde Demônio ressuscitasse, todo o esforço do herói teria sido em vão. Por favor, entenda isso.
— Não tem como o Lorde Demônio voltar. Para a paz e segurança do povo, precisamos da cabeça dele...
Suspirando, o herói coçou a cabeça de forma irritada.
Pra ser sincero, não me importava se o herói ia me odiar por isso, desde que a gente impedisse a ressurreição do Lorde Demônio.
E então, como na linha do tempo anterior, a Cavaleira Sagrada Canaria apareceu.
Ela olhou para os restos carbonizados do Lorde Demônio e comentou:
— Entendo, você tomou bastante liberdade aqui.
Fiquei pensando o que ela realmente achava, lá no fundo. Eu esperava que estivesse furiosa por termos impedido a ressurreição. Seria o melhor cenário. Se ela achasse que queimar os restos não atrapalharia a ressurreição... seria o pior dos casos.
Eu sinceramente esperava que fosse a primeira opção.
◆
Depois, nos reunimos com os outros membros do grupo e usamos magia de teleporte para voltar ao lado de fora da masmorra.
Mesmo tendo queimado o corpo do Lorde Demônio, seus ossos ainda restavam. Como prova mínima, decidimos levar os restos conosco.
Então, na vila de Katarov, começou uma celebração. Mas talvez pela ausência do corpo do Lorde Demônio, a comemoração parecia mais contida do que na linha do tempo anterior.
Em meio a tudo isso, fiquei remoendo uma possibilidade. Será que o Lorde Demônio podia ser revivido mesmo que só restassem os ossos?
Embora a Cavaleira Sagrada Canaria parecesse irritada ao ver o corpo queimado, ela não demonstrou choque. A expressão dela dava a entender que estava confiante de que a queima do corpo não impediria a ressurreição.
Quanto mais eu pensava, mais essa ideia fazia sentido. Se fosse verdade, eu não tinha outra escolha a não ser agir.
No meio da noite, enquanto os aldeões dormiam, agi sozinho.
— Isso deve ser aqui.
Segurei uma caixa de madeira com os restos do Lorde Demônio. Ela estava jogada num lugar bem visível da vila, fácil de pegar. Provavelmente ninguém pensou que alguém tentaria roubar os restos do Lorde Demônio. Verifiquei o conteúdo para confirmar que os restos estavam ali.
Com eles em mãos, decidi fugir da vila.
— Hah... hah... hah...
Parei quando senti que tinha corrido o suficiente. Correr com tudo tinha me deixado ofegante.
Tirei os restos da caixa de madeira e comecei a tarefa de destruí-los com a espada. Esmagar ossos era um processo demorado. Por mais que eu esmagasse, sentia que talvez não fosse o bastante pra impedir a ressurreição. Então, quando finalmente fiquei satisfeito com o estado dos fragmentos, o sol já tinha nascido.
— Acho que agora é suficiente. Depois de serem esmagados até virarem pó assim...
Murmurei enquanto encarava os fragmentos de ossos, finos como poeira. Depois, os espalhei em um lago próximo.
— Agora, só resta torcer para que o Lorde Demônio não ressuscite.
Acho que fiz tudo o que podia. Queimei o corpo do Lorde Demônio, esmaguei os ossos até virarem pó e os joguei num lago. Não dava pra ter feito mais do que isso.
Ouvi o som de asas batendo. Um vento forte me envolveu. Quando olhei pra cima, vi que um dragão estava prestes a pousar.
— Hm, que sujeito estranho pra estar fazendo algo tão bizarro.
A voz era familiar. A pessoa saltou das costas do dragão e aterrissou bem na minha frente.
— Canaria...!
Gritei o nome de quem estava diante de mim. Como ela sabia onde eu estava? Era um mistério. Mas os restos já tinham sido espalhados. Se ela veio buscá-los, era tarde demais.
— Eu sei tudo sobre seu plano.
— Hmph, que plano você tá falando?
— Você tá tentando ressuscitar o Lorde Demônio, não é?
— Argh! Por que diria uma coisa dessas?
Assim que falei isso, a Cavaleira Sagrada Canaria arregalou os olhos e recuou um passo. Parecia claramente abalada.
— Mas, que pena! Eu arruinei seu plano! Os restos do Lorde Demônio se foram! Agora, não tem mais como trazê-lo de volta!
Eu já estava convencido de que tinha vencido. Com isso, a ressurreição do Lorde Demônio tinha sido evitada.
— Você me surpreendeu.
Ao dizer isso, a Cavaleira Sagrada Canaria tirou algo do bolso. Era um anel com uma joia que emitia luz.
— Este é um anel, único no mundo, criado pelo meu mestre. O poder dele é... ressurreição.
Assim que ela disse isso, o anel brilhou intensamente... e então se partiu com um estalo.
— Opa, o que tá acontecendo aqui?
Uma voz surgiu bem atrás de mim. Não pode ser...?
Inacreditável... Foi o que pensei, ao me virar.
— Parece que você acreditava que era necessário ter um corpo para ressuscitar, mas infelizmente... isso foi um erro. Então, todos os seus esforços foram em vão.
A Cavaleira Sagrada Canaria falou com sinceridade.
Era uma verdade inconveniente.
— Então, o que devo fazer agora?
— Mate aquele ali, por favor.
Diante da pergunta do Lorde Demônio, a Cavaleira Sagrada Canaria abaixou a cabeça e fez o pedido.
— Entendo. Compreendido.
O Lorde Demônio sorriu de canto... e quase ao mesmo tempo, o punho dele me acertou.
— Guh!
Soltei um gemido. Meu corpo foi lançado com violência, derrubando árvores no caminho.
— Ugh... ah!
Tossi violentamente onde caí, cuspindo sangue a cada tosse.
— Ora, ainda está vivo.
Dizendo isso, o Lorde Demônio levantou minha cabeça com descaso. Eu não tinha mais forças pra resistir. E então, ele me esmagou contra uma pedra.
Naturalmente, minha consciência se apagou.
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