Capítulo 98 – Mais uma vez
A cabeça de Nyau estava confusa.
Além disso, seu corpo inteiro pulsava de dor. A dor intensa parecia ter entorpecido suas sensações físicas. Sua visão também estava turva, e ela não conseguia enxergar direito à sua frente. Mas mesmo nesse estado, ela não podia se dar ao luxo de não lutar. Aquelas palavras a assombravam como uma maldição.
Se desistisse agora, muitas pessoas morreriam, e a culpa pela situação atual era dela. Se ao menos tivesse conseguido proteger o Herói Eligion naquela hora, as coisas não teriam chegado a esse ponto. Ela acreditava que era seu dever lutar naquela situação.
Com esses pensamentos em mente, Nyau fez um esforço para se levantar. Suas pernas não colaboravam como deveriam, mas ela se forçou a usar seu cajado como uma muleta.
Se ao menos conseguisse ficar de pé, acreditava que ainda poderia lutar. E se agarrou a essa crença.
— Morra.
De repente, uma voz foi ouvida. Parecia que o Lorde Demônio Zoga estava bem na frente dela. Apesar da proximidade, Nyau estava tão esgotada que nem notou sua presença.
Ah... então esse é o meu fim? Ela percebeu que não tinha mais forças para resistir, e sua morte era inevitável.
Em um instante, várias memórias passaram por sua mente. Seus pais, sua infância na Floresta Élfica, seu tempo na escola de magia, suas aventuras como aventureira e suas batalhas ao lado de amigos contra o Lorde Demônio.
No entanto, mais vívida do que qualquer outra memória, estava Kiska.
Olhando para trás, o tempo que passou com Kiska parecia incrivelmente curto em sua vida. Sem dúvida, sem Kiska, o espírito de Nyau já teria quebrado há muito tempo, tornando-a incapaz de lutar.
Então, ela pensou que a razão de ainda estar de pé era inteiramente graças a ele.
Kiska, obrigada do fundo do coração. Em seu coração, expressou sua gratidão.
Ao conhecer Kiska, Nyau conheceu tanto amor. Se nunca tivesse sentido o que é amar, sua vida teria sido muito mais cinza.
Graças a ele, podia morrer em paz. Ainda assim, se pudesse ser um pouco egoísta... queria vê-lo mais uma vez.
— Cheguei a tempo.
Ela ouviu uma voz. Para Nyau, aquilo era inacreditável, porque ele não deveria estar ali. Ela havia ordenado especificamente que Kiska deixasse o campo de batalha. Seu desejo era que ele vivesse. Então por que ele tinha voltado? Por que até mesmo havia ido direto para onde o Lorde Demônio estava?
— Por quê...?
Foi por isso que Nyau perguntou.
— Porque eu quero estar ao lado da pessoa que amo.
Kiska declarou com total clareza.
Naquele momento, Nyau percebeu tudo com uma nitidez dolorosa. De fato, estava perdidamente apaixonada por ele.
◆
— Que bom... que bom mesmo. A Nyau ainda está viva. Mesmo já estando toda ferida, a ponto de não ser estranho se ela morresse a qualquer momento... só o fato de estar viva já é mais do que suficiente.
— Quem é você? — O Lorde Demônio Zoga me olhou e perguntou.
A gente já devia ter se encontrado várias vezes, mas ele reagiu como se não se lembrasse de mim, como se eu não valesse a pena ser lembrado.
— Sou Kiska. Agradeceria se ao menos lembrasse do meu nome.
— Entendo. Mas me desculpe. Tenho uma política de não me incomodar com os nomes de insetos insignificantes.
— Entendo.
Soltei uma risada leve. Estava cheio de pensamentos sobre a Nyau, e acabei indo direto até o Lorde Demônio sem pensar direito. Mas... será que eu realmente tinha força pra enfrentá-lo?
— Mestre, posso dar um conselho?
— O que foi, Marionetista?
— Você não pode vencê-lo, então recomendo desistir.
— ...Entendi.
Eu já pensava o mesmo, mas ouvir isso novamente do Marionetista me fez reconhecer a realidade, mesmo que com relutância.
— Nyau, posso te pedir uma coisa?
— Sim. O que é?
Pedi à Nyau que lançasse um certo feitiço.
— Entendido.
Nyau concordou e segurou seu cajado, então começou a entoar o feitiço.
— Magia da Água, Terceiro Nível, Difusão da Névoa de Nebulosa.
Instantaneamente, uma névoa densa começou a se espalhar a partir de Nyau.
— Fazer esse tipo de coisa agora?! Sua maldita...!
O Lorde Demônio Zoga provavelmente pensou que não queria ser ocultado pela névoa de novo, e avançou furioso.
Havia um certo atraso até que a névoa cobrisse tudo completamente. Então, eu tinha que aguentar o ataque inicial dele, só essa vez.
Usei a Espada Parasita Marionetista para conseguir desviar o soco do Lorde Demônio Zoga. No entanto, o punho dele era incrivelmente pesado, e senti como se fosse ser esmagado.
Por isso, não me limitei a bloquear o ataque; concentrei toda a minha força para desviá-lo.
De algum modo, consegui.
Agora, tudo que restava era me esconder dentro da névoa.
Com as muralhas da cidade já rompidas, o exército do Lorde Demônio tinha invadido a capital. E como ninguém estava impedindo os ataques aéreos dos dragões enquanto eu enfrentava Zoga, eles estavam completamente livres para atacar do céu.
Ou seja, não seria exagero dizer que a capital, Larrichmond, já havia caído.
Resistir nesse ponto não mudaria essa realidade. Então, tudo o que eu podia fazer era carregar a Nyau e recuar.
◆
— Maldição!
O Lorde Demônio Zoga rugiu de frustração.
Ele vasculhava a névoa com os olhos, mas nem Kiska, nem Nyau estavam ali.
— Provavelmente conseguiram escapar — pensou Zoga.
Kiska não importava para ele, mas deixar Nyau escapar assim provavelmente causaria mais problemas.
No entanto, escapar dali não seria fácil.
— Ordens! Reúnam todos os dragões e demônios disponíveis! Encontrem aquela maga élfica que fugiu!
Ainda havia muitas forças ali em condições de lutar. Era só uma questão de tempo até serem encontrados.
◆
— De qualquer forma, tendo chegado até aqui... acho que estamos seguros...
Tendo finalmente conseguido alcançar a floresta, me sentei, completamente exausto.
No entanto, estava mais preocupado com a Nyau do que comigo mesmo.
Falei enquanto me inclinava sobre ela, deitada no chão, claramente ferida demais.
— Ei, Nyau. Você tá bem?
Mas no momento em que ela começou a falar, parecia que estava prestes a expressar um certo desânimo.
— Kiska, talvez não tenha mais salvação pra Nyau…
As palavras da Nyau me deixaram paralisado.
Não vi nenhum sinal de que ela tivesse usado magia de cura; seu estado era terrível.
Com ferimentos tão graves, poderia ser difícil até mesmo pra magia da Nyau dar conta. Se ela ainda tivesse um pouco mais de poder mágico, talvez pudesse se recuperar totalmente, mas do jeito que estava agora, sua reserva mágica era mínima.
— Será que... depois que eu pedi pra você usar a Nebulosa de Névoa, sua energia mágica acabou…
Durante a nossa fuga do Lorde Demônio Zoga, eu havia pedido à Nyau que usasse a Nebulosa de Névoa, e me perguntei se aquilo tinha drenado a energia mágica dela.
— Não, isso não tem nada a ver. A Nebulosa de Névoa é uma magia que não consome muita energia mágica, então eu tendo usado ou não, esse resultado era inevitável.
Ao dizer isso, Nyau sorriu. Eu não conseguia entender como ela podia sorrir numa situação daquelas.
— Provavelmente, o Lorde Demônio Zoga vai mandar seus subordinados nos procurar imediatamente.
Tentei dizer algo bobo, mas as palavras travaram na garganta. Ao longe, eu conseguia ouvir os rugidos de dragões. Eles pareciam estar perambulando pela floresta à nossa procura.
— Não tenho mais energia mágica suficiente pra lutar de verdade. E a Nyau, que nem consegue andar, vai ser só um peso. Então, você devia deixar a Nyau pra trás e fugir sozinho. Acredito que o alvo do Lorde Demônio seja só a Nyau. Se for só você, Kiska, talvez deixem você escapar.
— Não, eu não posso…
Eu não conseguia sequer imaginar abandonar a Nyau.
— Não, eu não posso, não posso, não posso. Eu não quero deixar a Nyau pra trás.
Enquanto falava, as lágrimas escorriam dos meus olhos e caíam no chão.
— Por favor, não seja tão teimoso assim…
Ao dizer isso, Nyau fez uma expressão aflita.
— Não, eu não posso... eu quero ficar com a Nyau.
— Só de você dizer isso já é o suficiente.
Falando isso, ela estendeu a mão e tocou minha bochecha. Instintivamente, eu segurei sua mão. A mão da Nyau estava muito fria. Aquele frio parecia dizer que o tempo dela estava acabando, e isso só fez meus olhos se encherem ainda mais de lágrimas.
— Uh... posso dizer algo meio absurdo?
Fiquei me perguntando o que ela ia dizer numa hora dessas, mas ouvi mesmo assim.
— Talvez, Kiska, você por acaso tenha alguma forma de virar esse jogo?
Tive a impressão de que ela estava se referindo à minha habilidade “Salvar & Reiniciar”.
— Por que você diria algo assim?
— Bom, é só uma intuição... mas achei que talvez tivesse algo que você está escondendo.
Entendo. Parecia que a Nyau tinha me visto por completo.
— Eu tenho o poder de um herói. Com esse poder, posso fazer tudo voltar a ser como se nunca tivesse acontecido.
— Tudo, até a morte do Herói Eligion?
— Não posso afirmar com certeza, mas... provavelmente.
Ao ouvir isso, Nyau franziu os lábios, como se estivesse pensando profundamente.
— Você não acredita em mim?
— Não, não é isso. É só que... era algo além do que eu podia imaginar, então fiquei surpresa.
— Mas eu não quero perder o que a gente construiu juntos.
Eu realmente não queria. Finalmente tínhamos nos tornado mais do que apenas amantes, e perder tudo aquilo seria insuportável.
— Kiska, eu te amo.
Ouvir essas palavras de repente fez meu coração pular. Eu já tinha ouvido isso várias vezes, mas ainda assim me deixava envergonhado.
— Eu também te amo, Nyau.
Em resposta, Nyau me olhou e disse:
— Me dá um beijo.
Concordei, já que a Nyau estava exausta demais até pra se sentar. Levantei a cabeça dela, ajustando o rosto mais pra cima, e então beijei seus lábios. Eles eram pequenos e macios.
— Mais uma vez.
Atendendo ao pedido, beijei-a de novo, como ela pediu.
— Mais uma vez.
Mais uma vez, a beijei.
— Mais uma vez.
Ela repetiu isso várias vezes, pedindo mais beijos. E eu obedeci, continuando a beijá-la. E depois do enésimo beijo…
— Mais uma vez, ou quantas vezes forem necessárias, Nyau jura que vai se apaixonar pelo Kiska.
Ao ouvir essas palavras, meu coração se encheu de calor. Eu não sabia quantos ciclos temporais ainda nos esperavam. Talvez passássemos por uma quantidade inimaginável deles. Mas, em cada um, ela me diria que me ama.
— Ah, eu—
Mas quando comecei a falar, Nyau de repente ficou mole, como se toda a força tivesse abandonado seu corpo.
— Ei, Nyau!
Eu a sacudi, mas ela não respondeu, como se tivesse caído num sono profundo.
— Não, não, não, não, não...!
Continuei sacudindo seu corpo várias vezes, mas ela não dava sinal de reação.
— Ah... não…
Eu não queria aceitar. Queria confirmar várias vezes, provar que era diferente. Mas não importava quantas vezes eu verificasse, o fato permanecia o mesmo. Nyau já não respirava mais.
◆
Quanto tempo havia se passado enquanto eu lamentava ali?
Segurando o corpo sem vida da Nyau, eu não conseguia me mover daquele lugar.
— Então é aqui que você estava? — disse uma voz.
Virei para a origem da voz e vi o Lorde Demônio Zoga parado ali. Além disso, havia inúmeros demônios e dragões nos cercando. Já estávamos completamente encurralados, sem nenhuma rota de fuga.
A essa altura, já não me importava mais. Se eles quisessem me matar, que fizessem o que quisessem.
— Ei, entrega essa mulher aí — exigiu o Lorde Demônio Zoga.
Isso estava fora de questão. Eu não podia deixá-los levar a Nyau. Então, afastei a mão de Zoga.
— Tanto faz. Eu ia te matar mesmo — murmurou ele. Ao dizer isso, empunhou sua espada. A espada era diferente daquela enorme que ele costumava carregar.
O Lorde Demônio Zoga desferiu um golpe sem hesitação.
O sangue espirrado tingiu minha visão de vermelho.
Todo aquele sangue era meu.
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